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Alberto Lacet - Um aprendiz

 

Poemas de Wallace Stevens

 

A morte de um soldado

A vida é movimento

O imperador do sorvete

Acrescenta isto à retórica

Da poesia moderna

Na estrada para casa

Estudo de duas peras

Os vermes de Heaven's Gate

 

 

A MORTE DE UM SOLDADO

 

A vida se contrai, e a morte é esperada,

como na época do outono.

o soldado tomba.

 

Ele não se torna um personagem de três dias,

impondo sua separação,

clamando por pompa.

 

A morte é absoluta e sem recordação,

como na época do outono,

quando o vento pára,

 

quando o vento pára e, lá no céu,

as nuvens seguem, no entanto,

o caminho delas.  

 

 

 

A VIDA É MOVIMENTO

 

Em Oklahoma

Bonnie e Josie,

Vestidos de chita,

Dançavam em volta de um tronco.

Gritavam

“Ohoyaho,

Ohoo”...

Celebrando o himeneu

Da carne e do ar.

 

 

 

O IMPERADOR DO SORVETE

 

Chame o enrolador de grandes charutos,

aquele musculoso, e convide-o a bater

em xícaras de cozinha coalhadas concupiscentes.

Que se vistam as jovens ociosas

como costumam se vestir, e os moços

tragam flores em jornais do mês passado.

Deixe ser ser finale do aparente.

O único imperador é o imperador do sorvete.

 

Apanhe no armário de pinho

sem os três puxadores de vidro o lençol

no qual ela bordou arabescos certa vez,

e estenda-o de modo a lhe cobrir o rosto.

Se os pés ossudos aparecem, vão

mostrar o quanto ela está fria e muda.

Que a lâmpada seu próprio raio ajeite.

O único imperador é o imperador do sorvete.

 

 

 

ACRESCENTA ISTO À RETÓRICA

 

Posa, posa e posa.

Mas na natureza apenas

Cresce. As pedras posam

Ao cair da noite, e os mendigos

Quando dormem também

Posam com seus trapos.

Bolas... cai o luar de lavanda.

Os prédios posam no céu

E, quando pintas, as nuvens,

Grisalhas, peroladas, profundas,

Pftt... No modo como falas

Arranjas, a coisa posa, o que

Na natureza apenas cresce.

 

Amanhã, quando o sol,

Apesar de tuas imagens,

Retornar como sol, fogaréu,

Tuas imagens não terão

Deixado nem sombra

Do que foram. As poses

Do discurso, da pintura,

Da música – o corpo dela jaz

Exausto, seu braço cai,

Seus dedos tocam o chão.

Acima dela, à esquerda,

Um toque de branco, o obscuro,

A lua sem forma,

Um olho debruado numa cripta.

O sentido cria a pose.

Nisso, se move e fala.

Esta é a figura, e não

Uma metáfora esquiva.

 

Acrescenta isto.

É para acrescentar.

 

 

 

DA POESIA MODERNA

 

O poema da mente no ato de encontrar

O que há de bastar. Não teve sempre

De encontrar: a cena estava armada; repetia o que

Estava no roteiro.

                            Então o teatro foi mudado

Para uma outra coisa. Seu passado um suvenir.

Tem de estar vivo, aprender a fala do lugar.

Tem de encarar os homens do tempo e encontrar

As mulheres do tempo. Tem de pensar na guerra

E tem de achar o que bastará. Tem de

Construir um novo palco. Tem de estar nesse palco

E, como um ator insaciável, lentamente e

Com meditação, dizer as palavras que no ouvido,

No delicadíssimo ouvido da mente, repitam,

Exatamente, aquilo que se quer ouvir, ao som

Do qual uma audiência invisível escuta,

Não a peça, mas a si mesma, expressa

Numa emoção como de duas pessoas, como de duas

Emoções tornando-se uma. O ator é

Um metafísico no escuro, tangendo

Um instrumento, tangendo uma corda tensa que dá

Sons que assumem repentina correção, de todo

Contendo a mente, abaixo da qual não poderá descer,

Além da qual não tem vontade de subir.

                                                                      Tem de

Ser o encontrar de uma satisfação, e pode ser

Um homem patinando ou uma mulher dançando, uma mulher

Penteando-se. O poema do ato da mente.

 

 

 

NA ESTRADA PARA CASA

 

Foi quando eu disse:

“Não há tal coisa como a verdade”,

Que as uvas pareceram mais gordas.

A raposa saltou de sua toca.

 

Você... Você disse:

“Há muitas verdades,

Mas não são partes de uma verdade.”

Então a árvore, à noite, começou a mudar,

 

Nuançando-se entre verdes e azuis.

Éramos duas figuras numa mata.

Dissemos que estávamos sós.

 

Foi quando eu disse:

“Palavras não são formas de uma palavra única.

Na soma das partes, há apenas as partes.

O mundo deve ser medido a olho”;

 

Foi quando você disse:

“Os ídolos viram muita pobreza,

Cobras e ouro e piolhos,

Mas não a verdade”;

 

Foi nessa hora que o silêncio ficou mais amplo

E mais longo, e a noite mais redonda,

A fragrância do outono mais cálida,

Mais íntima e mais forte.

 

 

 

ESTUDO DE DUAS PERAS

 

I

 

Opusculum paedagogum.

Peras não são violas,

nem nus, nem garrafas.

Com nada se parecem.

 

 

II

 

São formas amarelas

compostas de curvas,

protuberantes na base.

Têm nuanças de vermelho.

 

 

III

 

Não são superfícies planas

de contornos curvilíneos:

São arredondadas

e afiladas no topo.

 

 

IV

 

Em seu modelado

há certos toques de azul.

Uma folha dura, seca

pende do pecíolo.

 

 

V

 

O amarelo brilha.

Brilha com vários amarelos:

limão, laranja e verde

a florescer na casca.

 

 

VI

 

As sombras das peras

são manchas na toalha verde.

As peras não são vistas

como bem quer o observador.

 

 

 

OS VERMES DE HEAVEN´S GATE

 

Para fora do túmulo trazemos Badroulbadour,

Dentro de nossas barrigas, nós a sua carruagem.

Aqui está um olho. E aqui estão, uma após outra,

As pestanas desse olho e a sua branca pálpebra.

Eis a bochecha sobre a qual essa pálpebra descaía;

E, dedo após dedo, aqui a mão, -

O gênio dessa bochecha: e aqui estão os lábios,

O pacote do corpo e os pés.

...............................................................................

Para fora do túmulo trazemos Badroulbadour.

 

 

(Traduções de Renato Suttana)

 

 

 

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