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Nicolau Saião

 

POEMAS DE WALT WHITMAN

 

 

UMA HORA PARA A LOUCURA E A ALEGRIA

 

Uma hora para a loucura e a alegria! Ó furiosos! Oh, não me confinem!

(O que é isto que me liberta assim nas tempestades?

Que significam meus gritos em meio aos relâmpagos e aos ventos rugidores?)

 

Oh, beber os delírios místicos mais fundamente que qualquer outro homem!

Ó dolências selvagens e ternas! (Recomendo-as a vocês, minhas crianças,

Dou-as a vocês, como razões, ó noivo e noiva!)

 

Oh, me entregar a vocês, quem quer que sejam vocês, e vocês se entregarem a mim, num desafio ao mundo!

Oh, retornar ao Paraíso! Ó acanhados e femininos!

Oh, puxar vocês para mim, e plantar em vocês pela primeira vez os lábios de um homem decidido.

 

Oh, o quebra-cabeça, o nó de três voltas, o poço fundo e escuro – tudo isso a se desatar e a se iluminar!

Oh, precipitar-me onde finalmente haverá espaço e ar o bastante!

Ser absolvido de laços e convenções prévias, eu dos meus e vocês dos seus!

Encontrar uma nova relação – desinteressada – com o que há de melhor na Natureza!

Tirar da boca a mordaça!

Ter hoje ou todos os dias o sentimento de que sou suficiente como sou!

 

Oh, qualquer coisa ainda não experimentada! Qualquer coisa em transe!

Escapar totalmente aos grilhões e âncoras dos outros!

Libertar-me! Amar livremente! Arremeter perigosa e imprudentemente!

Cortejar a destruição com zombarias e convites!

Ascender, galgar os céus do amor que foi indicado para mim!

Subir até lá com minha alma inebriada!

Perder-me, se preciso for!

Alimentar o resto da vida com uma hora de completude e liberdade!

Com uma hora breve de loucura e alegria.

 

 

 

 

UMA SAUDAÇÃO DE NATAL

 

(De uma constelação do Norte para uma do Sul, 1889-1890)

 

Bem-vindo, irmão brasileiro – teu amplo lugar está pronto;

uma mão amorosa – um sorriso do norte – um pronto e caloroso aceno, cheio de sol!

(Deixa o futuro cuidar de si, onde revele seus problemas e empecilhos;

nossos, nossos o anseio presente, a meta democrática, a aceitação e a fé);

hoje, para ti se estende o nosso braço, se volta a nossa cabeça – para ti se volta o nosso olho expectante,

tu livre de embaraços, tu, que és claro, refulgente! tu, aprendendo bem

a lição verdadeira da luz de uma nação em pleno céu

(brilhando mais do que a Cruz, mais do que a Coroa),

as alturas de ser esplêndida humanidade!

 

 

 

 

A TERRÍVEL DÚVIDA DAS APARÊNCIAS

 

Da terrível dúvida das aparências,

da incerteza afinal de que possamos estar iludidos,

de que talvez a confiança e a esperança não sejam afinal senão especulações,

de que talvez a identidade para além do túmulo seja apenas uma linda fábula,

de que talvez as coisas que observo, os animais, plantas, homens, colinas, águas brilhantes a fluir,

o céu do dia e da noite, cores, densidades, formas, talvez tudo seja (como sem dúvida é) apenas aparições, e a coisa real ainda esteja por conhecer

(quão frequentemente se desligam de si mesmas como se para me confundir e zombar de mim!

quão frequentemente penso que não sei nem homem nenhum sabe nada a respeito delas),

talvez me parecendo aquilo que são (como sem dúvida parecem) no meu presente ponto de vista e podendo revelar-se depois (como naturalmente poderiam) como não sendo nada daquilo que parecem, ou nada enfim, a partir de pontos de vista totalmente diferentes;

para mim essas e outras questões semelhantes são de algum modo respondidas pelos meus amantes, meus queridos amigos,

quando aquele que eu amo viaja comigo ou se senta segurando longamente minha mão,

quando o ar sutil, o impalpável, o sentido que as palavras e a razão não detêm, nos cercam e nos perpassam,

então me sinto invadir por uma sabedoria indizível, inaudita, e fico em silêncio, e não me falta mais nada,

não posso resolver a questão das aparências ou a da identidade para além do túmulo,

mas caminho ou me sento, indiferente, e estou satisfeito;

ele, a segurar minha mão, me satisfez completamente.

 

 

 

 

QUANDO OUVI AO FINAL DO DIA

 

Quando ouvi ao final do dia que meu nome fora recebido com aplausos no capitólio, mesmo assim não foi uma noite feliz a que se seguiu;

e, antes, quando eu farreava, ou quando meus planos se realizavam, ainda assim eu não me alegrava,

mas no dia em que, me levantei da cama ao amanhecer, em perfeita saúde, refeito, cantando, respirando o hálito maduro do outono,

quando vi a lua cheia empalidecer no oeste e desaparecer na luz da manhã,

quando andei sozinho pela praia e, despido, me banhei, rindo com as águas geladas, e vi o sol nascer,

e quando pensei que meu querido amigo, meu amante, já estava a caminho, aí sim eu era feliz,

aí sim o respirar me pareceu mais doce, e durante todo o dia o alimento me nutriu melhor, e o lindo dia transcorreu perfeito,

e veio o seguinte com igual alegria, e no terceiro, ao anoitecer, chegou meu amigo,

e naquela noite, quando tudo estava quieto, ouvi as águas fluindo lenta e continuamente ao longo da costa,

ouvi o murmúrio suave do líquido e das areias, como se se dirigissem a mim num sussurro, a me felicitar,

pois quem eu mais amava dormia ao meu lado sob o mesmo teto na noite fria,

na quietude do luar de outono sua face se inclinava para mim,

e o braço descansava suavemente sobre meu peito – e naquela noite eu estava feliz.

 

 

 

 

EIS O QUE CANTANDO NA PRIMAVERA

 

Eis o que cantando na primavera eu colho para os amantes

(pois quem senão eu entenderia amantes e toda a sua mágoa e alegria?

e quem senão eu seria o poeta dos camaradas?),

colhendo atravesso o jardim do mundo, mas logo passo pelos portões,

ora à margem do lago, ora me adentrando um pouco, sem temer a umidade,

ora junto à cerca de mourões onde as pedras ali jogadas, provenientes dos campos, se acumularam

(flores silvestres e parras e ervas brotam em meio às pedras e as cobrem parcialmente, por tudo isso eu passo),

longe, longe na mata, ou perambulando tarde no verão, antes de me perguntar para onde vou,

solitário, sentindo o cheio da terra, parando aqui e ali no silêncio,

sozinho eu pensara: mas logo uma tropa se reúne ao meu redor,

alguns caminham ao meu lado e alguns atrás, e alguns me tomam pelo braço ou pelos ombros,

eles – os espíritos dos amigos queridos, mortos ou vivos – se ajuntam mais, uma grande multidão, e eu no meio,

colhendo, distribuindo, cantando, lá eu caminho ao lado deles,

pegando como lembrança uma coisinha aqui e ali, jogando para quem estiver perto,

aqui, um lírio, com um ramo de pinheiro,

aqui, do meu bolso, um pouco de musgo que retirei de um carvalho que se vergava para o solo na Flórida,

aqui, folhas de louro e cravina, um punhado de sálvia,

e aqui o que eu retiro da água, passeando à margem do lago,

(oh, foi aqui que eu vi por último aquele que me ama ternamente e que retorna para jamais se separar de mim,

e este, este será para sempre o sinal dos camaradas, esta raiz de cálamo será,

troquem-no uns com os outros, ó jovens, e nunca o devolvam!),

e galhinhos de bordo, e um monte de laranjeiras silvestres e castanhas,

e ramos de groselha e o cheiro das ameixas e o cedro aromático,

tudo isso eu, cercado por uma multidão de espíritos,

vagueando, aponto ou toco quando passo, ou jogo a esmo a partir de mim,

indicando para cada um o que ele terá, dando alguma coisa a cada um;

mas o que retirei da água à margem do lago, isso eu reservo

e o hei de dar, mas somente àqueles que amam como eu mesmo sou capaz de amar.

 

 

 

 

QUEM QUER QUE SEJA VOCÊ A SEGURAR AGORA A MINHA MÃO

 

Quem quer que seja você a segurar agora a minha mão,

sem uma coisa tudo será inútil,

dou-lhe um honesto aviso antes que você me tente mais,

não sou o que você supôs, mas muito diferente.

 

Quem é aquele que deseja se tornar meu seguidor?

Quem se apresentaria como candidato às minhas afeições?

 

O caminho é suspeito, o resultado incerto, talvez destrutivo,

você teria de desistir de tudo o mais, eu sozinho haveria de ser seu estandarte único e exclusivo,

seu noviciado seria pois longo e exaustivo,

toda a teoria passada da sua vida e toda a conformidade com as vidas ao seu redor teriam de ser abandonadas,

assim me deixe agora antes que se complique mais, tire a mão dos meus ombros,

me largue e siga o seu próprio caminho.

 

Ou então furtivamente em alguma floresta, para tentar apenas,

ou atrás de uma rocha ao ar livre

(pois em nenhum quarto coberto de nenhuma casa eu emerjo, nem em companhia,

e nas bibliotecas permaneço como quem é mudo, ou parvo, ou não nascido, ou morto),

mas muito possivelmente com você numa colina alta, primeiro vigiando por milhas em volta para que ninguém se aproxime sem avisar,

ou possivelmente com você a velejar no mar, ou numa praia do mar ou numa ilha sossegada,

aqui eu permito que você coloque seus lábios sobre os meus,

com o beijo prolongado do camarada ou o beijo do recém-casado,

pois sou o recém-casado e sou o camarada.

 

Ou, se você quiser, metendo-me entre suas roupas,

onde poderei sentir os soluços do seu coração ou repousar sobre o seu quadril,

carregue-me quando for através das terras e dos mares;

pois apenas tocar você assim é o bastante, é o melhor,

e tocando você assim eu adormeceria em silêncio e seria carregado eternamente.

 

Mas examinando estas folhas você se arrisca,

pois a estas folhas e a mim você não entenderá,

elas o eludirão no princípio e mais ainda depois, eu certamente o eludirei,

mesmo quando você pensar que me apanhou de modo inquestionável, cuidado!,

você logo verá que lhe escapei.

 

Pois não é pelo que coloquei neste livro que o escrevi,

nem é pela leitura dele que você o ganhará,

nem são esses que me admiram e me elogiam com jactância aqueles que me conhecem melhor,

nem são os candidatos ao meu amor (a não ser no máximo alguns poucos) os que sairão vitoriosos,

nem meus poemas farão apenas bem, eles também farão mal, talvez até mais,

pois tudo é inútil sem aquilo que você poderá suspeitar em muitas ocasiões sem compreender, aquilo que sugeri;

assim me deixe e siga o seu próprio caminho.

 

 

(Tradução de Renato Suttana)

 

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