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POEMAS DE IACYR
(Ruy Ventura)
Não é frequente, em
Portugal, a edição de livros de poetas brasileiros. Decerto: vamos
tendo à nossa disposição obras e/ou antologias de alguns autores
clássicos (Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral
de Melo Neto, etc.), mas – salvo estas e outras excepções – os
leitores portugueses de poesia não têm à sua disposição nas
livrarias o que se vai escrevendo no Brasil. Hoje em dia o acesso
está mais facilitado, porque a internet permite aceder, sem grande
esforço, ao conhecimento da obra de grandes poetas que vão
produzindo do outro lado do Atlântico. O panorama editorial é, no
entanto, paupérrimo, embora nos últimos tempos venham aparecendo
algumas luzes ao fundo do túnel. Mais vale tarde do que nunca... E,
assim, só podemos congratular-nos por, neste momento, já termos à
nossa disposição autores tão fundamentais quanto, por exemplo,
Adélia Prado ou Manoel de Barros. Em Portugal precisamos, contudo,
de conhecer – através de boas edições – as obras de Mauro Mota, José
Paulo Moreira da Fonseca, C. Ronald, Heleno Godoy, Fernando Fábio
Fiorese Furtado, Miguel Jorge, Mário Chamie e de vários outros
poetas que tem escrito muita da melhor poesia em Língua Portuguesa.
Esta introdução vem a
propósito de uma ocasião feliz: a publicação em Portugal de uma das
vozes mais importantes da poesia brasileira que se tem escrito nos
últimos vinte e cinco anos, Iacyr Anderson Freitas. Nascido em
Patrocínio do Muriaé (Minas Gerais) a 22/09/1963 e residente em Juiz
de Fora, Iacyr possui uma vasta bibliografia que tem sido premiada
tanto no Brasil quanto no estrangeiro. Traduzido em várias línguas,
entre os seus livros destacam-se, em poesia, Messe
(1990), Oceano Coligido (antologia da sua produção
entre 1980 e 2000) e A Soleira e o Século (2002). Vale
a pena ler, também, o seu livro de contos Trinca dos Caídos,
publicado em 2003. Agora temos a felicidade de poder adquirir, em
Portugal, uma excelente antologia dos seus poemas: intitula-se
Terra Além Mar, foi seleccionada por Ozias Filho,
prefaciada por Amadeu Baptista e editada na “Colecção Pasárgada”,
dada à estampa pela Ardósia Associação Cultural (info@ardosia.com.pt).
Poderia registar aqui a
minha opinião crítica sobre a poesia de Iacyr Anderson Freitas. Mas
nem este é um texto crítico, nem pretendo repetir o que outros já
escreveram, reinventando a roda (que já foi inventada há muito) e
correndo o risco de fazê-la quadrada... Manifesto apenas a minha
adesão plena à obra que o poeta de Juiz de Fora (“vizinho” de Murilo
Mendes e de Fernando Fiorese) publicou até ao momento (esperando
estimular um igual entusiasmo em quantos me lêem). Estamos na
presença de uma poesia profunda que escava o interior do ser humano,
para nele encontrar os fundamentos da memória, do exílio, do
quotidiano, da erosão do mundo, das emoções que nos transportam no
universo. Como escreveu Edimilson de Almeida Pereira, “a poética
iacyriana consiste em reconstruir – com pensamentos e afectos – os
lugares onde a hipótese de reconstrução se desvaneceu”.
Para vos abrir o
apetite, aqui ficam dois dos seus poemas (“As mãos de meu pai”
e “Lugar”)[mantivemos a ortografia brasileira]:
“Só agora vejo
crescer em mim / as mãos de meu pai. // Decerto não tão rápido
assim: / um salto, / o desfolhar de muitas noites sob a pele / e, de
repente, / as mãos de meu pai // (o seu gesto esquivo / de nuvem /
fixou-se antes / e agora ruge.) // Hoje vou desfolhando minha pele,
/ retirando o limo, o círculo de urzes, / mas as mãos de meu pai /
não surgem. // Permanece ainda / a velha imagem / com seus santos no
sepulcro. // A velha imagem / de algo meu, que se foi / gastando aos
poucos. // Desfolhando-se até ao osso. // Até que outras mãos /
saibam colher, do ar mineral, / a flora silenciosa, / e úmida de meu
corpo.”
“Nunca tivemos lugar
nesse mundo. // Ontem amávamos tanto / o que agora esquecemos. //
Amanhã venderemos a qualquer preço / o que hoje nos faz / mudar de
endereço. // Por isso invejamos aquela árvore: / porque soube / qual
era o lugar, porque nele soube / deixar raízes // e em silêncio /
levitar.”
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