COLHEITA
(Ruy
Ventura)
para
Rui Lage
Criámos
este mundo. E outro mundo ainda.
A
voz e o sangue. O teu corpo a dançar na escuridão.
A
sombra da cerejeira nesta tarde sem vento.
Retiro,
sem calor, o barro com que rebocámos a nossa alma.
Assim,
despida, a pedra esboroa-se.
Somos
apenas terra sem estrume que nos fertilize.
Guardamos
nos olhos a semente – e alguns grãos de areia,
na
alvenaria com que desenhámos esta ponte.
Recriamos
esse mundo. E outro mundo ainda.
Os
pilares rodeiam esta dança –
os
mortos descendo ao coração da noite.
A
água destrói o vinho e as videiras.
A
janela guarda no poço uma língua estranha
que
na tua face podemos decifrar.
Destruímos
este mundo. E outro mundo ainda.
Amassamos
sobre a eira a distância
com
a fértil viagem ao poente.
A
lama regenera a nossa sede. A água desfaz esses carvalhos
que
um dia regressaram à nascente.
Destruímos
este mundo. E outro mundo ainda.
Voz
e sangue. Corpo e dança.
Na
escuridão.
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