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POR
UMA TOPONÍMIA REALMENTE DEMOCRÁTICA
(Ruy
Ventura)
Desde
meados do século XIX que a toponímia revestiu no nosso país o
papel de instrumento privilegiado de difusão política e de reprodução
social, servindo ao mesmo tempo como veículo de afirmação do
poder. Paralelamente, constituiu uma maneira legítima de homenagear
quantos pugnaram pela comunidade e / ou dignificaram a identidade
local ou nacional. De um lado o caciquismo, o imobilismo e a
estratificação sociais, a propaganda a regimes e a políticas. Do
outro os valores universais da solidariedade, da doação e da
dignificação do Homem, ao lado do interesse colectivo e dos laços
de agregação identitária.
Não
conhecemos qualquer vila ou cidade que tenha passado ao lado desta lógica
de denominação dos espaços citadinos. Ao lado de valores
incontestáveis da literatura e da arte, da doação aos outros, do
desporto, da identidade nacional, da luta pela dignificação social
da espécie humana e de marcos de inegável importância para a História
local, nacional e internacional, vemos por esse país fora a imposição
de caciques e figurões locais em vários domínios, a homenagem a
agentes económicos e a compreensível institucionalização dos
regimes republicano e democrático, ao lado da apologia do
colonialismo, da subjugação pela força dos indígenas africanos e
da consagração de datas e figuras de que há muito nos deveríamos
envergonhar.
Se
muitos dos topónimos incluídos no segundo grupo se compreendem no
contexto histórico em que surgiram, alguns deles pecam hoje por
anacronismo e por contradição com os valores vigentes de elevação
do Homem a todos os níveis
e da promoção da tolerância e de uma real democracia.
Pior
atitude é a revelada por alguns, ao desejarem ainda hoje o regresso
à cidade de designações que, se fossem reintroduzidas, dariam de
algumas localidades a imagem de urbes retrógradas e, de alguma forma, opostas
aos valores da democracia. Também não se entende por que razão em
bastantes localidades vão sendo esquecidas figuras cimeiras, datas
importantes, sobretudo quando vemos na toponímia (mesmo na mais
recente) nomes de personalidades com relevo discutível ou até
mesmo improvável.
Estamos
ainda a tempo de remediar os erros do passado, assim haja vontade
para tal.
Uma
ideia perfeitamente exequível seria inaugurar por esse país fora
um processo inédito de selecção dos topónimos a atribuir a novos
arruamentos. Um processo realmente democrático: ouvir os cidadãos,
as suas propostas, as suas opiniões. E deixar de ouvir apenas os
membros das Comissões Municipais de Toponímia, cuja actividade
muitas vezes se situa entre a passividade e a ignorância,
nomeadamente quando autorizam a substituição em centros históricos
da toponímia funcional, antiga, por homenagens quantas vezes
contingentes ou duvidosas.
Aliada
a esta, outra medida para tornar completamente transparente este
processo de "canonização civil" seria adoptar
procedimentos similares aos da canonização religiosa: instituir
nomeadamente um "advogado do diabo" que exigisse provas da
relevância da personalidade a homenagear, sem as buscar apenas
junto de sabichões que apenas sabem orientar os seus interesses ou
junto daqueles que em vida, por esta ou por aquela razão de
proximidade, dependeram do visado. As precauções são necessárias.
A História já nos provou vezes suficientes que o ditado popular é
verdadeiro: as aparências iludem e aquilo que parece ouro por vezes
nem latão é!
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