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Nicolau Saião

 

ALGUMAS PALAVRAS

(na entrega do Prémio “Sebastião da Gama” a Amadeu Baptista)

 

(Ruy Ventura)

 

Poderia proferir – em nome do júri do Prémio Nacional de Poesia “Sebastião da Gama” – palavras de circunstância. No entanto, nem o poeta premiado – Amadeu Baptista –, nem a memória do autor de Serra-Mãe (e do outro grande vulto poético da Arrábida, Frei Agostinho da Cruz), nem a assistência o merecem. Palavras de circunstância diria se viesse afirmar ter sido muito difícil e demorado escolher entre os cento e trinta e um originais o merecedor do galardão. Tal informação não corresponderia, contudo, à verdade. Sentados à mesa, depois de aturada leitura de todas as colectâneas submetidas à apreciação dos jurados, em poucos minutos sobressaiu uma decisão unânime. Vergílio Alberto Vieira, José do Carmo Francisco e o subscritor destas frases não tiveram dúvidas quando verificaram que o livro intitulado O Bosque Cintilante (a que fora atribuído o número 24) era um incontestável ponto luminoso. A luz emanada do título correspondia (e corresponde) plenamente à eminência poética. Não fazíamos ideia do ser carnal que se ocultava por detrás do pseudónimo “Paganini”. (Lembrei na altura Ruy Belo, para quem a Poesia é feita de poemas e não de poetas...) Tínhamos no entanto inteira convicção de que a justiça estava do seu lado.

 

Amadeu Baptista – nome descoberto depois da abertura do envelope lacrado – não era desconhecido de nenhum de nós (nem deveria sê-lo de qualquer olhar clarividente sobre a poesia portuguesa contemporânea). Autor de dezassete livros de poemas e de uma excelente antologia pessoal recentemente publicada, vem rasgando desde 1982 uma das mais importantes vias de circulação sanguínea desse corpo (por vezes paradoxal) que é a literatura em língua portuguesa do nosso tempo. Não precisa dos meus elogios (a qualidade de quanto escreve e/ou publica vale por si), mas há verdades que devem ser repetidas, para que não percamos de vista, na selva de alheamento que envolve o mundo cultural e social que nos foi dado viver, os focos luminosos (aqueles que têm brilho próprio) – e os saibamos distinguir desses espelhos enganadores que apenas reflectem a luz alheia, nada produzindo de válido, mas conseguindo ainda assim ofuscar e desorientar quem tenta encontrar o seu caminho. É preciso sermos, como refere Cristo no Evangelho segundo Tomé, “puros como as pombas e astutos como serpentes”.

 

Num “país de poetas” que não lê os poetas, como escreveu um dia Alexandre O’ Neill, é urgente separar o ouro do latão dourado ou de outros metais sem nobreza que, mais cedo ou mais tarde, revelam o seu verdete ou a sua ferrugem. Versejar e escrever poesia não são a mesma coisa. A Poesia revela, desvela, ilumina, transfigura, religa, desencanta o Universo. Os versejadores (mesmo os mais hábeis ou bem relacionados) apenas mutilam, ocultam, obscurecem ou conspurcam a realidade tangível ou intangível que nos envolve.

 

Bem mais que a expressão do inefável / seja a expressão do amor a poesia”, afirma Amadeu Baptista num poema seu. Sebastião da Gama diria que “o segredo é amar”, porque “a nobreza da Poesia [...] está [...] [em] se procurar e se encontrar em todos os lugares em que se está”. Quem escreve precisa, no entanto, como referiu Agostinho da Silva num livro sobre Giacomo Leopardi, “que o meio de algum modo [lhe] favoreça a tarefa”. Estimulá-lo com um prémio é uma boa maneira de o fazer (porque o poeta, ser humano como todos os outros, também come, também se veste, também necessita de um tecto ou de viajar...), desde que esse prémio traga consigo não apenas a compensação monetária, mas sobretudo uma alavanca que faça avançar com maior força a leitura da matéria escrita.

 

A tarefa cabe a cada um de nós. Parece que ouço, neste momento final das minhas palavras, algo de semelhante a uma frase de Renoir sobre a pintura (desta vez sobre a poesia): “Se os poetas só podem ajudar a Poesia escrevendo-a o melhor que podem, aqueles que não sabem ou não conseguem levar a cabo essa tarefa, têm apenas uma coisa a fazer: leiam poemas, comprem livros de poesia, façam-na chegar a todos os cantos, sirvam-na com humildade e nunca, mas nunca, se sirvam dela.”

 

(Azeitão, 19/5/2007)

 

 

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