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Nicolau Saião, As aventuras de Lúcifer (técnica mista sobre papel)

 

Poemas de Rui Lage

 

 

A CARTA NA MÃO

 

ao meu pai, Carlos

 

País perdido no regaço da palha

sob o peso da luz e do pão,

tenho-te escrito e aberto nas mãos,

tenho-te perto da vista e longe

cada vez mais do coração.

 

Sobre os joelhos o fruto seco da carta,

a nódoa de veneno deixada

pelos insectos, a invasão dos vermes,

as unhas imundas que feriram

a polpa, o caroço onde guardo

os sinos da manhã.

 

O pátio na carta aberta,

a casa remota, perdida

após montes e montes deitados

sobre o perfume das hortas,

o eco das minas bebendo em sossego

o pensamento, a lentidão dos animais

que perduram na curva dos caminhos.

 

Na carta aberta o cimo das escadas,

o céu tranquilo as mãos na cintura,

a súplica de pó no rosto que olha

pedindo a mão pequena

para a borda da saia,

o primeiro dia de escola

para o colo do regresso.

Mas se morrermos agora,

no pátio ou no deserto, quem dará conta

do país perdido?

 

Que me pede a carta nas mãos

cantando o país perdido?

Também aqui as cigarras cantam

mas estranhas aves amplificam

no tímpano sujo dos muros

o ar queimado da savana.

 

Que faço na terra do marfim?

Porque não há cravos

na pequena horta da prisão?

 

 

 

A CÉU ABERTO

 

Dizem que o Sr.João não se lava,

que em certas noites

dorme no monte junto ao cavalo;

que bebe muito e cai pela terra

em redondo o pensamento,

que a sua cama não tem lençóis

e que a suportam quatro tijolos;

que nunca lava as escadas

e que nunca lava a roupa

embora permaneça preso ao ribeiro

muito depois

de as mulheres terem partido.

 

Vejo

que a cova dos seus olhos

foi aberta num sítio

rodeado de terra por todos os lados.

 

As árvores, que se saiba,

não se lavam

e dormem ao relento

encostadas ao cavalo do estio

(se assim não fosse não amaria

o que já não seriam árvores).

 

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