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Max Ernst

 

POEMAS

 

(Rafael Rocha Daud)

 

 

II

 

O que faz um homem

que atravessou os séculos

pela porta dos fundos

e entra no último

por uma de escritório?

 

Que lhe diz respeito

a humanidade,

essa fileira de cidadãos,

um uísque, um carro

e ele mesmo?

 

Que tal uma batida,

um acidente

um erro crasso,

uma presença inefável, uma ausência,

uma seriedade — vital — ao menos?

 

Uma curva e uma garrafa —

                           é preciso uma morte para existir?

 

 

 

III

 

Mesmo que eu não saiba o que se esconde

e eu busque uma solução gramatical

e um fazer poético

e uma facilidade orgânica

 

e eu me revolte contra a completude

e eu me desfaça de meus braços

e um exército, um exército,

ainda após muitas noites

 

e eu suporte essa redenção

— porque algumas palavras

mereciam bastar

e apenas o grande bastardo

as tinha por obrigação —

 

Quando a redenção, um juízo,

nenhum tormento

 

— uma briga e um tiro —

é preciso muito muito barulho

antes de se ouvir

silêncio

 

 

 

XII

 

para a Jo

 

Preciso de uma imagem

para fazê-los entender

 

minha amiga deixa-me feliz

como se me hospedasse em outro país

Pergunta-me se eu peguei chuva e de imediato

eu me lembro de cada uma das minhas andanças

 

Não há maneira mais convincente que a dela

quando diz que eu estou em casa, e não estou

Ela tem o olhar da invencível quando está quase vencida

e ouve-se a manhã na sua voz

 

emudeço como se perdesse meu nome

e falo em nome dela

emudeço e ela substitui com sua voz

as hesitações do meu espírito

e nunca tremo ante o fim

pois ela abarca o fim em cada alento.

 

 

 

XV

 

Faz-se clara em meu espírito a exigibilidade de uma meta.

Quando se ilumina em minha presença uma suspeita de morte,

O primeiro inimigo será benvindo, e quando não, uma sombra

Colossal testemunhará sozinha o abrigar-se de um corcunda e a brevidade

De um sonho, o arrazoar-se que prepara uma extravagância guerreira,

Um disputar para todos os lados e dispensar de forças até que uma nuvem,

Soprada pelo sol, balance meus arcos e me solte no escuro.

 

 

 

XVI

 

Uma luz vaga, grave, percorre a sutura

entre o pico e o céu, como se houvesse neblina.

A distância que separa os opostos do vale não se revela,

graças talvez à magnanimidade da cordilheira.

Se é possível iniciar uma caminhada, que belo convencimento,

qualquer ave de asas enormes, invisível, não o encoraja.

Meu companheiro, sem imaginá-lo, estende os braços a meu ombro,

e quase tropeça, não só nossos olhos adquiriram dimensões engraçadas.

Eu me sento, deito-me e até passo a noite acordado nesta colina,

e nem o luar me revela qualquer nitidez no horizonte.

Se eu pudesse agarrar, penso, aquele pico entre um dedo e o indicador,

ou se eu pudesse gabar-me de assoviar nuvens em anéis,

Mas nem a pequenez da montanha, nem a feiúra dos traços deformados,

nem a jornada extenuante que me trouxe aqui,

Nada dimensiona uma direção, um andar em círculos, um olhar para baixo com a cabeça erguida.

 

 

(In Poemas para o século XX)

 

 

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