NICOLÁS GUILLÉN, POETA MAIOR DA REVOLUÇÃO CUBANA
A Jorge Amado, companheiro
e amigo do poeta.
(Gilfrancisco*)
Este poeta latino-americano, ocupa desde
a publicação do seu primeiro livro, Motivos de Son - 1930, posição
de grande destaque no panorama da literatura de nuestra América.
Poeta Nacional de Cuba por aclamação popular, foi também, desde
muitos anos do triunfo, o perseverante profeta da Revolução, com a
mesma e incansável coerência com a sua poesia e a sua militância de
cidadão. Portador de uma obra que visa dar a dimensão da alma
popular, o alento social, além do sentido americano universal,
representa as necessidades da primeira sociedade pós-revolucionária
hispano-americana, uma nova etapa na prática do americanismo
literário. Ou como disse José Ramón Medina: “Poeta vital, integrado
nas grandes realidades de seu tempo”.
Nicolás Guillen é o maior poeta
contemporâneo vivo. (1) É o poeta de todos os dias e de todas as
latitudes, com caracteres próprios, específicas da função poética.
Com nenhum outro, através da ideologia unitária, de preparar a
unidade da nação e também de todos os povos. Guillén é um artesão de
grande envergadura, um verdadeiro descobridor de Cuba e por fim o
poeta da totalidade Cubana. Mulato, deu à “poesia negra” uma
dimensão mais profunda que a folclórica através de suas metáforas
preciosas transmite o sentir triste e sensual do negro. Depois de
José Marti (1853-1895), é a figura mais universal da literatura
cubana. Quando Cristovão Colombo em seu diário do descobrimento,
realçava com um espanhol imperfeito mas entusiasta, a paisagem do
Novo Mundo com ameno paraíso de abundâncias, e projetava sobre o
homem americano a utopia renascentista do nobre selvagem, já estava
escrevendo o prólogo da literatura hispano-americana. E o que virá
depois dele, acusará mais o conflito entre duas realidades
completamente diferentes, a européia e a americana.
Portanto, ecoando durante mais de três
séculos motivações peninsulares, lastro medieval Renascimento,
Barroco, Neoclássico, vozes românticas os hispano-americanos no
entanto acentuaram desde o princípio, certas diferenças de língua e
expressão artística que deram à literatura que em espanhol se
escreveu e se escrevem na América, uma personalidade com feições
próprias. Cuba e Porto Rico, devido a sua situação de ilha do
Caribe, facilmente acessível aos refugiados procedentes da Espanha,
não haviam obtido sua independência política. Por isso é que a
história de Cuba ao longo do século XIX, segue dominada por um único
problema, se a ilha poderia tornar-se independente é porque meios se
deveria aspirar alguma forma de autonomia. No curso deste processo,
houve uma exigência que inspirou toda uma série de pensadores,
educadores consagrados e homens políticos: Padre Félix Varela
(1787-1853), José Antônio Saco (1797-1879), José de la Luz
(1800-1862) e Enrique José Varona (1849-1933).
Os escritores latino-americanos têm
tomado sempre inspirações em numerosas fontes e os jovens valentes
do modernismo levaram tal costume até os extremos, sem precedentes.
Foram buscar seus modelos não somente nos ingênuos franceses, mas
sim a campos distantes como a Antigüidade clássica, a mitologia
escandinava, Shakespeare, entre outros. Esta é uma época de
profundas transformações, que abre para o escritor latino-americano
novos espaços que exigem seu necessário e cabal conhecimento. Pois,
o homem moderno é a soma de um panorama de uma riqueza e
complexidade crescente, que os obriga a travar conhecimentos direto
e motivado, com aqueles de seus aspectos que mais os solicitam.
Filho de um grande jornalista que gozava prestígio junto às massas
liberais, de toda a província de Camaguey, chegou a ser eleito
senador em 1908, e morreu em 1917 na sublevação da Chambelona,
deixando seus filhos, dos quais Guillén era o mais velho. Adotando a
mesma profissão do pai ainda muito jovem e este meio seria a
expressão mais direta, imediata e constante; seu sustento por mais
de meio século de fecundo labor intelectual.
Sendo o jornalismo o grande elo,
papel-chave em vida de escritor e sempre desempenhou com
significado, como importante veículo de idéias, esta sua primeira
vocação profissional. Com a morte do pai, o governo do Menocal,
embarga a gráfica que pertencia a ele, e passaram a utilizar para
editar seus próprios jornais conservadores. Foram anos de muitas
dificuldades, e por muito tempo sua mãe viveu com uma única pensão,
que tinha como viúva, pois fora ele soldado do Exercito Libertador
na Guerra de 95. Guillén, nasceu a 10 de julho em Camaguey com a
república no ano de 1902 e viveu a conseqüência desta tradição e
suas prosas registram estas dimensões. Portador de uma inteligência
aguda, aberta, nutrida por uma voraz curiosidade e uma vasta
cultura, era um orador ficaz e brilhante, como fora José Marti,
humanista inevitavelmente revolucionário. Nicolas Guillén, é um
poeta de todas as coisas, um poeta da sua terra natal e com rara
sensibilidade, ele consegue desvendar os mistérios do seu povo, que
vive perdido nesta cidadezinha do Caribe. Com uma voz suave, mas
carregada de razões Guillén busca sempre uma natureza profunda, um
modo de vida mais humano para seu povo. E nos oferece como uma rosa
de espuma, suas luzes intermináveis, com seu multicolor lírico de
rara beleza.
Em 1992 Guillén volta à poesia, época em
que terminava o curso de Direito na Universidade de Havana, e
escreve Al margen de mis libros de estudios, poema em três partes,
sonetos que marcariam o início de sua carreira literária, o qual
fora publicado pela primeira vez no n.º 1 da revista Alma Mater,
onde foi reproduzido no célebre jornal Diário da Marinha e na
Semana. O grande sucesso alcançado por Guillén, os diversos
comentários lhe inspirou confiança e em 1927 ele se incorpora aos
redatores de Urrutia, na campanha contra a discriminação racista em
Cuba. Durante a década de 20 em Cuba, o país marcado por uma
profunda crise, que se estendera pelos anos 30 e alcançara níveis
mais graves. Do mesmo modo que nos demais países capitalistas, pois
este pequenino país, mal acabara de sair do domínio espanhol, logo
cairia nas mãos do imperialismo norte-americano. O movimento de
reinvidicação nacional cresce contestando o imperialismo e atos de
corrupção administrativa e governamental. Portanto, os esforços
revolucionários duplicaram e nesta atmosfera de crises, influencia
sua vida e sua obra.
Preso em setembro de 1936, ao liberta-se
os integrantes da Irmandade de Jovens Cubanos o convidam a visitar o
Estado de Oriente a fim de conhecer o espírito revolucionário deste
povo, mas conhece também Santiago, Bayano, Tunas, Palma, Soriano,
Holguin, Guantánamo, etc. Ao retornar à Havana, Guillén refletiu
profundamente sobre todos os problemas que havia tomado
conhecimento, e tal experiência lhe serviu muito. Suas simpatias
crescem cada vez mais aos grupos de esquerda, passando sua prosa e
poesia a exibir uma crescente politização. Em 1937, ingressa
finalmente no Partido Socialista Popular, onde encontramos uma
maioria negra de filiados, devido a sua perspectiva de classe e seu
eqüitativo propósito revolucionário. Com o marxismo, sua obra
adquire base científica e solidez teórica, assumindo uma
incrementada receptividade internacionalista.
Neste mesmo ano, em solidariedade ao
povo espanhol, integra com Juan Marinello e Alejo Carpentier
(1904-1980), a delegação cubana ao Congresso Internacional da
Cultura, e suas intervenções nas assembléias, demonstram plenamente
seu aproveitado domínio do método marxista. Em 1952, o número de 10
de julho da Revista A Última Hora, dedica-lhe em homenagem ao seu
cinqüentenário, onde foram publicados vários artigos em que mostrava
a dimensão universal da poesia guilleniana, alguns como: Juan
Marinello, Angel Angier, Sergio Aguirre e outros. Neste momento
número ao final de notas biográficas, (russo, português, polaco,
húngaro, eslavo, búgaro, checo, romeno, italiano, inglês, chinês,
mongol, etc.) E os poetas ou escritores que o traduziram: Langston
Hughes, Aragon, Jacques Roumain, Alice Arhweiter, Celso Amieva, etc.
Quando se encontrava no México em 1954,
recebe um convite da organização do II Congresso de Escritores
Soviéticos, para participar do mesmo, que ia se realizar em Moscou.
E para sua surpresa, foi agraciado com o Prêmio Stalin, hoje Lenin.
Depois de 1959 vem o ano decisivo e sacrificado, anos em que os
Estados Unidos em Aliança com a burguesia nacional, cuja hegemonia
vai ao deslumbre, dedicam todo seu esforço para derrotar o novo
governante e impedir a proliferação de seu exemplo. São anos de
racionamento, de escassez material e carência de todo tipo, anos de
urgência e de heroísmo diários. Guillén, conseguiu encontrar sua
identidade pessoal mais íntima e singular, entregando-se por inteiro
como homem e escritor, como poeta e prosista, como cidadão e
político. Para ele a Revolução Cubana é algo exatamente análogo a
evolução oculta, porém irremediável com uma imponente força natural,
chegando a sua plenitude com um esforço pacientemente apressado, de
um movimento sísmico ou uma erupção vulcânica, Guillén viajou por
dezenas de países, não como turista mas, curioso pela ânsia de ver e
conhecer o complexo mundo, a quem tinha se lançado. E teve
oportunidade de conhecer o Brasil por quatro vezes: 1948, 1953, 1959
e 1961, estando no Rio, São Paulo, Salvador e Recife. Em 1962
Nicolas Guillén é eleito presidente da recém-fundada (UNEAC), União
dos Escritores e Artistas de Cuba.
Para José Martí, a poesia é durável
quando é uma obra de todos... Para sacudir todos os corações com as
vibrações do próprio coração, é preciso receber da humanidade os
germes e inspirações ... Sem estas condições o poeta é uma planta
tropical em clima frio, não poderá florescer. Marti tinha razão,
porque Guillén possui todas as qualidades para ser o poeta completo
que é. Motivos de Som - 1930 e Songoro Consongo - 1931, são livros
de poemas que sugeriram na época de suas publicações, novos temas e
novos ritmos. Sua poesia mulata ou mestiça, serviu de inspiração
para a música popular cubana, especialmente na do trio Matamoros.
Hoje, seus poemas são musicados por Pablo Milanes, considerado como
o maior cantor cubano. (2) West Indies Lts - 1934, foi bem acolhido
pela crítica, porém não suscitado de comentários dos dois
anteriores. O livro está composto de um longo poema que dá título a
coleção, além de vários poemas soltos. É o primeiro livro de
conteúdo mais direto e violentamente político-social. Foi publicado
durante uma das crises bastiana, ano em que se criou um Tribunal de
Urgência para repressão política e perseguição ao comunismo ou
qualquer outro movimento de protesto social.
Contos para Soldados e Sons Para
Turistas - 1937, são poemas que têm um caráter não somente lírico,
mas também educativo, porque, o soldado deve estar a serviço do povo
e não da reação do imperialismo ou outros interesses desta mesma
natureza. Espanha no Coração, deste mesmo ano, é um livro em que o
autor através de suas teorias, nos mostra uma distinguida
ilustração, pelo menos, em seu aspecto pré-revolucionário. Com esta
publicação desencadeia uma série de polêmicas, que iriam invocar os
escritores hispano-americanos de primeira classe. Sua obra
pré-revolucionária é bem reconhecida por seu compromisso social, por
seu incisivo ataque inicial aos que convincentemente passam de
manifesto como uma grave injustiça dentro de Cuba. Três Mortes
Espanholas - 1946, na primeira parte é uma espécie de compêndio
teórico sobre a cultura. A Paloma do vôo Popular - 1958 e Cérebro e
Coração, coletâneas de poemas onde Guilén aborda as relações entre
certas conquistas científicas e técnicas e o mundo animal. O Grande
Zoo é um livro onde os animais de Guillén são animação de certos
conceitos e fenômenos políticos e sociais. O grande conteúdo
político revolucionário desses poemas, patenteia uma diferença
significativa entre seus livros desse período. Guillén indica que na
sociedade pós-revolucionária se sente estimulado a executar, num
mais amplo raio de criatividade, que havia mostrado em sua poesia
pré-revolucionária. Em seus livros seguintes ele continua
desdobrando em sua poesia, esta gama cada vez mais se amplia.
Tenho - 1964, coletânea de poemas onde
um novo elemento penetra em sua obra, com desdobrado entusiasmo com
a terra retomada à liberdade, a possibilidade de cantar novamente. É
a necessidade de todos os cubanos trabalharem unidos, no processo de
reconstruir a sociedade. Porém, sob esta alegria, há uma noção de
conflito existenciais em uma das duas situações: antíteses entre
passado e presente e a necessidade de lutar contra os inimigos da
revolução, para salvaguardar o que Cuba havia conquistado. Em 1972
publica A Roda Dentada, livro que revela a ampla variedade de temas
que pode interessar a um poeta revolucionário: trabalho, amor,
escultura, pintura, música, etc. Diário do Diário deste mesmo ano é
uma atrevida mescla de poesia, caricatura política, jornalismo e
textos publicitários, que formam um panorama da evolução histórica
de Cuba, desde os tempos da colônia até 1959. Em Primeiros Poemas,
há uma forte influência de Garcia Lorca e dos poetas espanhóis da
geração de 27, reunindo poemas de 1920-1930. Mas esta influência e
normal em qualquer jovem poeta, pois ele não estava relacionado com
as correntes anteriores, nem com as de seu tempo. Por isso se nutria
sua sensibilidade e sua cultura, de todas as leituras da juventude.
Sendo Guillén um precursor de si mesmo, um anunciador de sua própria
vocação, e um poeta completo que digeri, assimila e reelabora as
técnicas e as influências para injetar seu próprio ser individual a
toda sua disposição temperamental da inteligência.
Prosas de Celeridade - 1929/1972,
publicado em três volumes em 1975, são livros feitos em temas
político-sociais. E veremos nos posteriores a confirmação dessas
características, com seu canto de amor e de luta, como um vento
novo, como uma força que purifica a alma do homem. Gullém foi
fundador e editor de vários jornais e revistas literárias, soube
como nenhum outro, cantar a alma e o coração da gente cubana, sempre
se considerou um poeta político, como o foram José Marti e José
Maria Heredia. Portanto, a obra de Nicolas Gullén define e elabora
artisticamente sua universalidade, pois representa uma nova etapa na
prática do americanismo literário. Graças a sua habilidade e
suavidade de movimento, põe a poesia a serviço de uma reconstrução
coerente, e melhor que ninguém soube moldar a poesia às necessidades
específicas de Cuba em cada momento histórico. Hoje, Nicolas Guillén
é um reconhecimento universal, que se patenteia pela extraordinária
amplitude de seu público, pela enorme quantidade de artigos, estudos
e teses a ela dedicada. Guillén é a viva voz, doce, diabólico,
genial e selvagem, criado pela própria natureza, o mais alto poeta,
cuja essência certamente não se circunscreve no âmbito cubano, mas
sim universal. Sua consagração universal, graças a seus grandes
méritos de prosista, é possuidor de uma obra de dimensões amplas,
pois o valor intrínseco, literário e conceitual da prosa guilleniana,
urge independentemente na contribuição do novo acervo cultural
latino-americano. Mas, infelizmente no Brasil sua obra está
praticamente desconhecida (3). Em seus escritos vamos encontrar à
adequação de um pensamento para as necessidades ideológicas de um
mundo em gestação, e uma sensibilidade política, como resposta
merecida ao homem contemporâneo, para edificar um mundo novo,
aberto, livre sem injustiça, opressão e exploração.
Notas
1. Guillén morreu em Havana a 17 de
julho de 1989, aos oitenta e sete anos de idade. Esta matéria serviu
de roteiro para um Programa Especial, em sua homenagem, levado ao ar
pela Rádio Educadora da Bahia, em 22 de julho de 1989.
2. LP n.º LD4017 -
Pablo Milanés canta a Nicolás Guillén, Estudios de Grabaciones:
EGREM, Ciudad de La Havana, Cuba, S/D.
3. Sôngoro Cosongo e outros poemas. Rio
de Janeiro, Ed. Philobiblion -trad. Thiago de
Mello, 1985. Páginas Cubana. São Paulo, Ed. Brasiliense
–tradução, Emir Sader, 1986.
Burgueses
Não me dão pena os burgueses
vencidos. E quando penso que vão a
dar-me pena,
aperto bem os dentes e fecho bem os
olhos.
Penso em meus longos dias sem sapatos
nem rosas.
Penso em meus longos dias sem abrigos
nem nuvens.
Penso em meus longos dias sem camisas
nem sonhos.
Penso em meus longos dias com minha pele
proibida.
Penso em meus longos dias.
- Não passe, por favor. Isto é um clube.
- A relação está cheia.
- Não há vaga no hotel.
- O senhor saiu.
- Deseja uma mulher.
- Fraude nas eleições.
- Grande baile para cegos.
- Caiu o Prêmio Maior em Santa Clara.
- Loteria para órfãos.
- O cavalheiro está em Paris.
- A senhora marquesa não recebe.
Enfim, toda recordação.
E como toda recordação,
que droga me pede você para fazer?
Além disso, pergunte-lhes.
Estou seguro
de que também recordam eles.
Responde tu
Tú, que partiste de
Cuba,
responde tu,
onde acharás verde e verde,
azul e azul,
palma e palma sob o céu ?
Responde tu.
Tu, que tua língua esqueceste,
responde tu,
e em língua estranha mastigas
o guel e o yu,
como viver podes mudo ?
Responde tu.
Tu, que deixaste a terra,
responde tu,
onde teu pai repousa
sob uma cruz,
onde deixarás teus ossos ?
Responde tu.
Ah infeliz, responde,
responde tu,
onde acharás verde e verde,
azul e azul,
palma e palma sob o céu ?
Responde tu.
(Traduções de Gilfrancisco)
(*Jornalista e professor universitário -
gilfrancisco.santos@ig.com.br)
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