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Edward Hopper

 

A DAMA SOB O VIADUTO E OUTROS POEMAS

 

(Geraldo Maia)

 

 

FOME ZÉ

 

pra Miguel Carneiro

 

Há fome, Zé!

Há fome, Zé!

 

E o beijo reclama

Me lambe

Me lambe

 

A fome abunda

No prato afunda

Farinha de cana

Banana aérea

É fome séria

 

Há fome é grave

Extermínio suave

Fácil fascínio

Há séculos

De alimentar cemitérios

 

A fome bacana

Não leva em conta

Aquilo que come

em excesso

 

Há fome que brinda

Ao consumo eterno

É chique moderno

Fome de chilique

 

Ah, fome, Zé!

Ah, fome, Zé!

 

Há fome nem tanta

É um nome

Que encanta

Quando se passa

Na boca do verbo

 

Mas quando grassa

A esmo

Não passa

De salvo conduto

Pro inferno

 

Há fome Zé!

Há fome Zé!

 

 

 

 

A DAMA SOB O VIADUTO

 

Pra Júlia Barata

 

A dama sob o viaduto

Troca miúdos com a escada

Enquanto torce a calçada

E dobra o parceiro

No fogo

Limpa com rigor o canto

Onde o amor despeja

O seu ocaso

Está feliz com a manhã

Que se esparrama lícita

Aos pés da praça

Então puxa do fundo do dedo

Um fumo torto

Que o moço aperta

No corte da palha

A cidade de um trago

Acaricia o rastro

do gato

que bate o lero e vaza

Agora quem sabe é a noite

A casa fica entulhada

De fantasmas de memória

Enquanto o dia decora

A sandália e o batom

E se arrasta na caça

De algo bom de bagulho

Uma taça de risada

O barulho do sonho

Na largada

do papelão ao sol

Sim

Estava feliz

naquela manhã de vento

lilás

Apesar das farpas

nas paredes

Tinha fiapos de amizade

O abrigo das vozes

No aço das madrugadas

O corpo aceso

de cinza e palavra

o coração de reza

a vontade tesa

na cola do taco

buraco de espera

num longo intervalo

aí dava o troco

na caça de um grego

pela metade

que sobra café

na baga

do bote

o travo do pinote

que o amor é risco

no papel da sorte

só dá gosto

se rola dopado

de paixão

Então puxava o papelão pro canto

Invadia os trapos

E deixava a garoa dos passos

Embalar

o preparo

da manhã

 

 

 

 

ALUGADO

 

O alugado é gado ou boneco

É à prova de choque ou tem brevê

Seguro mamadeira e fralda carnê

Se trabalha dobrado tem o dobro de quê

O alugado é bebê ou benesse

Precisa de fiador ou depósito

com desconto à vista

Ou à vista de todos o preço é banal

É legal alugar o normal de vários

Ou só pode por quilo ou faixa etária

Tem turista na lista ou é só carregar

desde a barriga que aluga fácil sem burocracia

E a mais valia tem taxa

E o fiscal tem hora fixa

Ou dá um perdido pra não encontrar

Em qualquer esquina ou beira

Pode expor na feira, na porta da igreja

Não precisa de alvará se deus dará

Algum por fora

dentro da lei

Da ilegalidade

E se der defeito a quem devolver

Ou trocar por um de outra raça

tem que pagar ágio

se o modelo é mais belo

Pergunto porque aluguei cinco

No paralelo e quero devolver dois

Um pra reparo no tanque

Um com defeito na pele

Mas quero registrar

Com veemência

Que dos outros só aproveitei

O baço, um rim,

E um pedaço

De inocência

 

 

 

 

CAPUZ

 

A sombra férrea

invade a madrugada

Com seu capuz impune

E um apetite de morte

Na calçada dormem

Sobras de egoísmo

Montes de usura

Pedaços de descaso

Pontas de abandono

Farpas de caridade

Trapos de vaidade

Restos de intolerância

Lixo de almas

Coletado rápido

Antes que a vida

Ponha tudo a perder

 

 

 

 

CORDEL DO QUERUBIM AFOGADO

 

O mar da cor do amor à brisa aderna

E então se põe atento à chama média

segue sem rédeas ao estertor dos ventos

sem os lastros da espera onde fubentos

 

Sóis tentam incendiar o nauta

Que se utiliza de uma flauta

Para romper a tempestade, o lacre

Da revolução: gozar àlacre

 

E carmim em nua festa de cordel

Peleja de abismo com bordel

e um beijo de festim na vidraça

 

Sonho de prazer no convés da teia

de paixão incita o mar que corcoveia

galopa as ondas, querubim talassa

 

 

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