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Nicolau Saião, Sem título

 

 

FUGA DA MORTE

 

(Paul Celan)

 

Leite negro da aurora bebemos-te à tarde

bebemos-te cedo e no dia bebemos-te à noite

e bebemos bebemos

cavamos um túmulo no ar onde não se há de estar apertado

Mora um homem na casa que lida com cobras que escreve

quando descem as sombras escreve à Alemanha teu áureo cabelo Margarete

ele escreve e se afasta da casa e cintilam estrelas assovia chamando os mastins

e assovia judeus seus judeus cavem fundo uma cova na terra

agora nos manda tocar para a dança

 

Leite negro da aurora bebemos-te à noite

bebemos-te cedo e no dia bebemos-te à tarde

e bebemos bebemos

Mora um homem na casa ele brinca com cobras e escreve

quando baixam as sombras escreve à Alemanha teu áureo cabelo Margarete

Teu cabelo de cinza Sulamita cavamos um túmulo no ar onde não se há se estar apertado

 

Grita cavem mais fundo essa terra vocês acolá vocês cantem e toquem

pega o ferro do cinto balança-o seus olhos azuis

cavem fundo essas pás vocês estes aqueles não parem a música a dança

 

Leite negro da aurora bebemos-te à noite

bebemos-te cedo e no dia bebemos-te à tarde

e bebemos bebemos

mora um homem na casa teu áureo cabelo Margarete

teu cabelo de cinza Sulamita ele brinca com cobras

 

Grita toquem a morte mais doce é a morte um dos mestres senhor da Alemanha

grita toquem mais sombra os violinos depois subam como fumaça

e hão de ter uma cova nas nuvens que lá não se fica apertado

 

Leite negro da aurora bebemos-te à noite

bebemos-te à tarde é a morte um dos mestres senhor da Alemanha

bebemos-te à noite ou bem cedo e bebemos bebemos

a morte é um mestre senhor da Alemanha seu olho é azul

ele acerta-te a bala de chumbo te acerta na mosca

mora um homem na casa teu áureo cabelo Margarete

ele atiça os mastins contra nós e nos dá uma cova nos ares

ele lida com cobras e sonha é a morte um dos mestres senhor da Alemanha

 

teu áureo cabelo Margarete

teu cabelo de cinza Sulamita

 

(Tradução de Renato Suttana)

 

 

Nota do tradutor: Na tradução deste poema, tentei reproduzir o ritmo anapéstico do original. Onde isso não foi possível, optei pela fidelidade ao sentido. Os versos "dein goldenes Haar Margarete / dein aschenes Haar Sulamith" ("teus cabelos dourados Margarete / teus cabelos de cinza Sulamita"), tão importantes no contexto, são evidentemente intransponíveis para o português sem o sacrifício desse ritmo.

 

 

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