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Nicolau Saião, Mariana 6

 

 

Apólogos de Ambrose Bierce

 

O engenhoso patriota

Os críticos

Os dois poetas

O princípio moral e o interesse material

A máquina voadora

A lágrima do anjo

 

 

 

O ENGENHOSO PATRIOTA

 

 

Tendo obtido uma audiência com o Rei, o Engenhoso Patriota tirou um papel do bolso, dizendo:

 

– Com o favor de Vossa Majestade, tenho aqui uma fórmula para a construção de blindagens que arma nenhuma conseguirá perfurar. Se essas blindagens forem adotadas pela Marinha Real, nossos navios se tornarão invulneráveis e, portanto, invencíveis. Aqui estão, pois, atestados dos Ministros de Vossa Majestade, comprovando o valor da invenção. Partirei depois de receber, por meus direitos, a quantia de um milhão de tantãs.

 

O Rei examinou os papéis e os colocou de lado, prometendo passar uma ordem de um milhão de tantãs ao Excelentíssimo Senhor Tesoureiro do Departamento de Extorsões.

 

– E aqui – disse o Engenhoso Patriota, sacando outro papel do bolso – estão esboços de uma arma que inventei, a qual perfurará essas blindagens. O irmão de Vossa Majestade, o Imperador de Cabum, parece ansioso por adquiri-la, mas a lealdade ao trono e à pessoa de Vossa Majestade me obrigam a oferecê-los primeiro a Vossa Majestade. O preço é de um milhão de tantãs.

 

Recebendo a promessa de outro cheque, enfiou a mão num terceiro bolso, anunciando:

 

– O preço dessa arma irresistível seria muito maior, Majestade, mas pelo fato de que seus petardos podem ser facilmente evitados por meio de um método de tratar blindagens com um novo...

 

– Dêem busca nesse homem – disse o Rei – e confiram quantos bolsos ele tem.

 

– Quarenta e três, Sir – disse o Grande Faz-Tudo Geral, ao terminar o escrutínio.

 

– Com a graça de Vossa Majestade – gritou o Engenhoso Patriota, aterrorizado – um deles contém tabaco.

 

– Segurem-no pelos tornozelos e chacoalhem-no – disse o Rei. – Então, dêem-lhe um cheque de quarenta e dois milhões de tantãs e mandem matá-lo. Publiquem um decreto declarando a engenhosidade ofensa capital.

 

 

 

OS CRÍTICOS

 

 

Durante o banho, Antínoo foi visto por Minerva, a qual se enamorou tanto de sua beleza que, toda armada como costumava andar, desceu do Olimpo para cortejá-lo. Mas, mostrando acidentalmente seu escudo adornado com a cabeça da Medusa, teve a infelicidade de ver o belo mortal converter-se em pedra quando este a olhou. Imediatamente, subiu até Jove para lhe pedir que o restabelecesse. Porém, antes que isso fosse feito, um Escultor e um Crítico passaram por ali e viram o jovem.

 

Este é um Apolo muito ruim – disse o Escultor. – O tronco é estreito demais, e um dos braços é pelo menos meia polegada mais curto do que o outro. O gesto é pouco natural e, pode-se dizer, impossível. Ah, meu amigo, você devia ver minha estátua de Antínoo.

 

A meu ver, a figura – disse o crítico – é passavelmente boa, embora bastante etrusca, mas a expressão do rosto é decididamente toscana, e portanto infiel à natureza. Aliás, você leu minha obra “A falácia do aspectual na arte”?

 

 

 

 

OS DOIS POETAS

 

 

Dois poetas disputavam a Maçã da Discórdia e o Osso da Controvérsia, pois estavam famintos.

 

– Meus filhos – disse Apolo –, repartirei os prêmios entre vocês. Você – disse ao Primeiro Poeta –, excelente em Arte, tome a Maçã. E você – disse ao Segundo Poeta –, em Imaginação, tome o Osso.

 

– Para a Arte o melhor prêmio! – disse triunfalmente o Primeiro Poeta. E, ao tentar devorar seu prêmio, quebrou todos os dentes. A Maçã era uma obra de Arte.

 

– Isso mostra o desprezo de nosso Mestre pela mera Arte – disse o Segundo Poeta, sorrindo.

 

Logo em seguida, tentou morder o Osso, mas seus dentes passaram através dele sem encontrar resistência. Era um Osso imaginário.

 

 

 

O PRINCÍPIO MORAL E O INTERESSE MATERIAL

 

 

Um Princípio Moral deparou com um Interesse Material sobre uma estreita ponte que só permitia a passagem de um deles.

 

– Abaixe-se, coisa do chão! – trovejou o Princípio Moral – e deixe-me passar em cima de você.

 

O Interesse Material apenas olhou o outro nos olhos, sem dizer nada.

 

– Ah! – disse o Princípio Moral, hesitante – vamos tirar a sorte para ver quem se afastará de modo que o outro passe.

 

O Interesse Material manteve seu olhar resoluto e seu silêncio inalterado.

 

– Para evitar conflitos – continuou o Princípio Moral, com certo desconforto –, eu me abaixarei e deixarei que você passe por cima de mim.

 

Então o Interesse Material achou a língua, que por estranha coincidência era a sua própria língua.

 

– Não acho que você seja uma boa calçada – disse. – Tenho certas reservas quanto àquilo que está debaixo de meus pés. Que tal se você se atirasse na água...

 

Assim sucedeu.

 

 

 

A MÁQUINA VOADORA

 

 

Um Homem Engenhoso, que tinha construído uma máquina voadora, convidou grande multidão de pessoas para vê-la levantar vôo. Na hora marcada, com tudo pronto, ele ocupou o compartimento e deu partida. A máquina desabou imediatamente sobre a enorme estrutura em que estava apoiada, sumindo de vista sob a terra. O aeronauta teve tempo apenas de saltar fora e escapar.

 

– Bem – disse –, foi o suficiente para mostrar a correção de meus detalhes. Os defeitos – acrescentou, com uma vista de olhos à ruína de tijolos – são meramente de base e de fundamentos.

 

Após essa assertiva, as pessoas fizeram uma subscrição para construir uma segunda máquina.

 

 

 

A LÁGRIMA DO ANJO

 

 

Um Homem Indigno, que tinha rido das dores de uma Mulher a quem amava, estava chorando sua indiscrição com muitas lágrimas de arrependimento, quando o Anjo da Compaixão baixou os olhos sobre ele, dizendo:

 

Pobre mortal! Que desgraça não saber o quanto é perverso rir das desgraças alheias!

 

Ao dizer isso, deixou rolar uma grande lágrima, a qual, encontrando na queda uma corrente de ar frio, se congelou num enorme granizo. Este foi bater na cabeça do Homem Indigno, fazendo-o esfregar vigorosamente com uma mão o órgão avariado, enquanto com a outra tentava sem sucesso abrir um guarda-chuva.

 

Ao que o Anjo da Compaixão gargalhou muito vergonhosa e perversamente.

 

 

(Traduções de Renato Suttana)

 

 

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