O
ENGENHOSO PATRIOTA
Tendo
obtido uma audiência com o Rei, o Engenhoso Patriota tirou um papel do bolso,
dizendo:
–
Com o favor de Vossa Majestade, tenho aqui uma fórmula para a construção de
blindagens que arma nenhuma conseguirá perfurar. Se essas blindagens forem
adotadas pela Marinha Real, nossos navios se tornarão invulneráveis e,
portanto, invencíveis. Aqui estão, pois, atestados dos Ministros de Vossa
Majestade, comprovando o valor da invenção. Partirei depois de receber, por
meus direitos, a quantia de um milhão de tantãs.
O
Rei examinou os papéis e os colocou de lado, prometendo passar uma ordem de um
milhão de tantãs ao Excelentíssimo Senhor Tesoureiro do Departamento de
Extorsões.
–
E aqui – disse o Engenhoso Patriota, sacando outro papel do bolso – estão
esboços de uma arma que inventei, a qual perfurará essas blindagens. O irmão de
Vossa Majestade, o Imperador de Cabum, parece ansioso por adquiri-la, mas a
lealdade ao trono e à pessoa de Vossa Majestade me obrigam a oferecê-los
primeiro a Vossa Majestade. O preço é de um milhão de tantãs.
Recebendo
a promessa de outro cheque, enfiou a mão num terceiro bolso, anunciando:
–
O preço dessa arma irresistível seria muito maior, Majestade, mas pelo fato de
que seus petardos podem ser facilmente evitados por meio de um método de tratar
blindagens com um novo...
–
Dêem busca nesse homem – disse o Rei – e confiram quantos bolsos ele tem.
–
Quarenta e três, Sir – disse o Grande Faz-Tudo Geral, ao terminar o escrutínio.
–
Com a graça de Vossa Majestade – gritou o Engenhoso Patriota, aterrorizado
– um deles contém tabaco.
–
Segurem-no pelos tornozelos e chacoalhem-no – disse o Rei. – Então, dêem-lhe
um cheque de quarenta e dois milhões de tantãs e mandem matá-lo. Publiquem um
decreto declarando a engenhosidade ofensa capital.
OS
CRÍTICOS
Durante
o banho, Antínoo foi visto por Minerva, a qual se enamorou tanto de sua beleza
que, toda armada como costumava andar, desceu do Olimpo para cortejá-lo. Mas,
mostrando acidentalmente seu escudo adornado com a cabeça da Medusa, teve a
infelicidade de ver o belo mortal converter-se em pedra quando este a olhou.
Imediatamente, subiu até Jove para lhe pedir que o restabelecesse. Porém,
antes que isso fosse feito, um Escultor e um Crítico passaram por ali e viram o
jovem.
–
Este é um Apolo muito ruim – disse o Escultor. – O tronco é estreito
demais, e um dos braços é pelo menos meia polegada mais curto do que o outro.
O gesto é pouco natural e, pode-se dizer, impossível. Ah, meu amigo, você
devia ver minha estátua de Antínoo.
–
A meu ver, a figura – disse o crítico – é passavelmente boa, embora
bastante etrusca, mas a expressão do rosto é decididamente toscana, e portanto
infiel à natureza. Aliás, você leu minha obra “A falácia do aspectual na
arte”?
OS
DOIS POETAS
Dois
poetas disputavam a Maçã da Discórdia e o Osso da Controvérsia, pois estavam
famintos.
–
Meus filhos – disse Apolo –, repartirei os prêmios entre vocês. Você –
disse ao Primeiro Poeta –, excelente em Arte, tome a Maçã. E você – disse
ao Segundo Poeta –, em Imaginação, tome o Osso.
–
Para a Arte o melhor prêmio! – disse triunfalmente o Primeiro Poeta. E, ao
tentar devorar seu prêmio, quebrou todos os dentes. A Maçã era uma obra de
Arte.
–
Isso mostra o desprezo de nosso Mestre pela mera Arte – disse o Segundo Poeta,
sorrindo.
Logo
em seguida, tentou morder o Osso, mas seus dentes passaram
através dele sem encontrar resistência. Era um Osso imaginário.
O
PRINCÍPIO MORAL E O INTERESSE MATERIAL
Um
Princípio Moral deparou com um Interesse Material sobre uma estreita ponte que
só permitia a passagem de um deles.
–
Abaixe-se, coisa do chão! – trovejou o Princípio Moral – e deixe-me passar
em cima de você.
O
Interesse Material apenas olhou o outro nos olhos, sem dizer nada.
–
Ah! – disse o Princípio Moral, hesitante – vamos tirar a sorte para ver
quem se afastará de modo que o outro passe.
O
Interesse Material manteve seu olhar resoluto e seu silêncio inalterado.
–
Para evitar conflitos – continuou o Princípio Moral, com certo desconforto
–, eu me abaixarei e deixarei que você passe por cima de mim.
Então
o Interesse Material achou a língua, que por estranha coincidência era a sua
própria língua.
–
Não acho que você seja uma boa calçada – disse. – Tenho certas reservas
quanto àquilo que está debaixo de meus pés. Que tal se você se atirasse na água...
Assim
sucedeu.
A
MÁQUINA VOADORA
Um
Homem Engenhoso, que tinha construído uma máquina voadora, convidou grande
multidão de pessoas para vê-la levantar vôo. Na hora marcada, com tudo
pronto, ele ocupou o compartimento e deu partida. A máquina desabou
imediatamente sobre a enorme estrutura em que estava apoiada, sumindo de vista
sob a terra. O aeronauta teve tempo apenas de saltar fora e escapar.
–
Bem – disse –, foi o suficiente para mostrar a correção de meus detalhes.
Os defeitos – acrescentou, com uma vista de olhos à ruína de tijolos – são
meramente de base e de fundamentos.
Após
essa assertiva, as pessoas fizeram uma subscrição para construir uma segunda máquina.
A
LÁGRIMA DO ANJO
Um
Homem Indigno, que tinha rido das dores de uma Mulher a quem amava, estava
chorando sua indiscrição com muitas lágrimas de arrependimento, quando o Anjo
da Compaixão baixou os olhos sobre ele, dizendo:
–
Pobre mortal! Que desgraça não saber o quanto é perverso rir das desgraças
alheias!
Ao
dizer isso, deixou rolar uma grande lágrima, a qual, encontrando na queda uma
corrente de ar frio, se congelou num enorme granizo. Este foi bater na cabeça
do Homem Indigno, fazendo-o esfregar vigorosamente com uma mão o órgão
avariado, enquanto com a outra tentava sem sucesso abrir um guarda-chuva.
Ao
que o Anjo da Compaixão gargalhou muito vergonhosa e perversamente.
(Traduções
de Renato Suttana)
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