Poemas
de Antonio Colinas
(in
Tiempo y Abismo, 2002)
NO
CAMINHO SEM CAMINHO
(Yuste)
Ser
como esse cedro cheio de pássaros:
perdurar
e cantar.
Não
parece sequer mudar
com
o incenso que os monges queimam,
com
a água esverdeada do tanque,
com
todo este esplendor de que recebe
a
sua formosa plenitude.
Nunca
partirei daqui, mesmo que parta.
Serei
sempre laranjeira, hera, rola,
carvalho,
ou borboleta, ou pedra eterna,
ainda
que, na aparência, nosso corpo
siga
por esse caminho sem regresso,
siga
por esse caminho sem caminho.
Ainda
que parta, ainda que não regresse,
e
sinta tão devagar a asfixia dos anos
fui
e serei esse cedro que oscila
na
borda do tanque,
e
que de noite acaricia as estrelas.
Aqui,
nesta ladeira, com neve ou sem neve,
está
quanto penso alcançar um dia,
por
mais que o tempo hoje passe
como
o regato que longe murmura:
desgastando
rochas, arranhando silvas,
abismado
em fontes.
Nunca
partirei daqui, mesmo que parta.
Serei
sempre rumor, voo de pássaro
do
bosque ao jardim,
da
sombra até à luz.
Quero
ser algo mais do que o fruto vermelho
que
brilha e que amadura, e se corrompe
anunciando
o verão nas cerejeiras.
Sei
que jamais partirei deste jardim.
E
que, mesmo partindo,
algo
hei-de levar deste paraíso
para
outro lado.
Para
onde?
Não
sei.
O
júbilo que hoje sinto é tão grande
que
já não creio nem sequer na morte.
Essa
morte que um dia fugiu deste lugar
(acaso
para o jardim dos jardins),
quando
abriram o chumbo e a madeira do sarcófago,
quando
arrancaram o cadáver
da
tumba do Imperador.
PARA
A FIGURA DE UM CRISTO ACHADA ENTRE O LIXO DE UM ESTÁBULO
Não
estavas nas neves imensas dos montes,
na
neve que ardia em seu silêncio;
nem
no clamor feliz dos nossos gritos
além
no mais profundo dos bosques.
Não
te pude encontrar tal como és
nos
versos da pobreza e da piedade de Rilke,
que
lia de noite à luz da vela;
nem
no Nascimento Místico de Sandro Botticelli,
que,
desde que o vi, não deixa de viajar na minha memória
com
sua coroa de anjos,
como
viaja uma fogueira, e a vai adormecendo;
nem
na tormenta ou na loucura formosa
da
ebriedade de Bach.
Não
estavas na ermida fechada a cal e canto,
calada
na ladeira como lábios dum anjo
por
dedo de silêncio.
Nem
estavas na casa de pedra da aldeia
que,
no fim dos vales, nos deixaram
naquele
fim de semana.
Não
estavas nem sequer no amor
dos
meus, dulcíssima
coroa
de sangue em torno da mesa;
nem
naquela ramagem
de
mãos que estendíamos para o lume aceso.
(A
oferenda de nos amarmos entregue pelas chamas!)
Nem
sequer estavas na hóstia
vermelha
que era a lareira da cozinha.
Tu
estavas fora, por trás da janelita
com
musgo e com orvalho,
por
trás dos objectos mortos da arrecadação,
depois
do horto envolto
em
névoa, por trás dos olhos medrosos,
lastimosos,
da cadela.
Fui
entrando no estábulo
onde
há muitos anos ninguém penetrava.
E
não conseguia perceber por que o fazia.
E
na palha mole e ressequida
do
chão, no lixo morto,
o
meu pé tropeçou em algo.
Era
um pequeno braço de bronze o que assomou,
e
nele uma mãozinha se agarrava
(não
sei se com terror se com doçura)
a
um cravo afiado.
Devagar,
agachei-me para agarrar
o
cravo frio (aquele que eu cria
que
abrasava).
E
fui tirando aquela mão e aquele braço
até
que vi sair (com uma mancha
de
sangue sobre o peito)
a
cabeça e o corpo de um Cristo sem a sua cruz.
Já
libertado do lixo,
aquele
corpo de bronze parecia
tremer
sobre a minha mão
como
um pássaro tíbio.
E
contemplei os seus pés, seus braços estendidos,
cravados
na luz
de
ouro do estábulo.
(Traduções
de Ruy Ventura)
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