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OS PRIMEIROS DIAS DE 36 HORAS

 

(Zilda Freitas)

 

H. Wolf doou exemplares do seu livro Os primeiros dias de 36 horas para a UESB, universidade em que trabalho na Bahia. A seguir, um breve comentário sobre o livro.

 

O escritor paulista H. Wolf surpreendeu-me com um livro extraordinário intitulado Os primeiros dias de 36 horas. Não é um mero elogio, é uma constatação que amplia o sentido de extraordinário para abranger ainda o “inabitual que alavanca” (p. 120). No momento em que a literatura brasileira se restringe à repetição de fórmulas comerciais do século passado, H. Wolf inaugura um espaço privilegiado para o mitológico e o non-sense em criativo universo ficcional de um “Dia de 36 horas. 12 horas a mais para viver sua vontade içada”; “A prática da vida em fragmentos de 36 horas”  (p. 23). Não se trata apenas de acrescentar horas ao dia, mas de adicionar beleza à vida, a partir de palavras-sabres em constante duelo neste livro de múltiplos segredos.

 

O leitor é estimulado por uma escrita em espiral e tipicamente pós-moderna, que o submerge  e o obriga a um olhar diferenciado sobre o textum e sobre a disposição das letras no cenário que  H. Wolf utiliza como recurso: as folhas do livro. As personagens não têm nomes, sendo facilmente identificadas pela escolha tipográfica e a função na narrativa. Assim, há o OBSERVADOR, o Incitador, o Vivenciador. Como a escritura diferenciada de José Saramago que evita o emprego excessivo de pontuação nos seus romances, o estilo de H. Wolf é inovador e autêntico, uma vez que liberta o leitor do padrão usual do livro e o convida a entender a história sem as amarras de um romance tradicional. Quanto aos marcos textuais, H. Wolf parece “Agir como um artesão e libertá-los. É assim que não permito que envelheçam” (p.10).  Este é o primeiro segredo do livro:  a inovação e  a habilidade do autor que eleva a palavra à condição de objeto de arte. Cada palavra no livro é passível de contemplação reverente e estranhamento reflexivo.  “Mais que uma síntese, um aprimoramento” (p.18).

 

Com rigorosa construção linguística, H. Wolf faz dialogar a norma culta portuguesa com a criatividade dos neologismos brasileiros. O segundo segredo do livro é exatamente esta satisfação que causa no leitor, se exigente for e estiver à procura de uma leitura prazerosa e sem gralhas. É um exercício deleitoso ser conduzido pela história de autognose das personagens, sem equívocos irritantes no texto.  Os primeiros dias de 36 horas guia o leitor tranquilamente, como uma folha que flutua sobre o rio e sabe que seu destino é o mar. Não há sobressaltos. O leitor integra-se na história como se dela participasse: “porque em 36 horas tudo deixará de ser como é, passará a ser o que é mais metade do que seria em seguida!” (p. 25).

 

O terceiro segredo do livro é o amálgama do autor com seu alter-ego, subdividido entre as personagens. Em curioso gesto lúdico, dissimula sua opinião através da fala do Incitador,do Vivenciador ou do OBSERVADOR. Sobre os condenados por crimes hediondos, por exemplo, questiona a personagem  [ou seria o autor?] como salvá-los de uma impossível alcatraz ou de hospitais psiquiátricos. O leitor atento perceberá a opinião do escritor sobre o tema, pois “Em qualquer situação de comunicação, todos só atingem os indissimuláveis nirvanas quando convencem” (p.16).

 

O deslocamento espaciotemporal é o quarto segredo do livro. Com talento e acuidade, H. Wolf  concebe um microcosmo em que as personagens transitam pelo espaço imaginário de seus próprios dilemas e do simbolismo das ruas, estradas e janelas. Igualmente a Ulisses, obra e personagem emblemáticas de J. Joyce, o tempo é relativizado em Os primeiros dias de 36 horas e gravita em torno do conflito das personagens e da ação narrativa. Entretanto, em H. Wolf o tempo ficcional não é restrito às 24 horas de um único dia joyceano e é precisamente esta a cola de seu texto: “o esforço da cola quando faz seu trabalho fica escondido” (p.42). A verdade sobre o espaço e o tempo descritos no livro permanece oculta, pois “há cantos guardadores de segredos” (p. 70).  Existem muitos outros mistérios no livro de H. Wolf, contudo não irei mencioná-los todos aqui porque ainda estou a desvendá-los.

 

Encerro meu comentário sobre o livro de H. Wolf com observações mais pessoais. Sinceramente, quase invejo o leitor que terá o contentamento e a surpresa de ler pela primeira vez o livro Os primeiros dias de 36 horas.  Quase – porque igual prazer será relê-lo. Minha opinião sobre este livro pode ser resumida na emoção de um primeiro beijo: é surpreendente, excitante e cheio de expectativas, felizmente satisfeitas.

 

WOLF, H. Os primeiros dias de 36 horas. Lisboa, Editora Chiado, 2013.

 

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