Poemas
de W. H. Auden
MUSÉE
DES BEAUX ARTS
Eles
nunca se enganavam sobre o sofrimento,
Os
Velhos Mestres: como entendiam
Bem
a sua posição humana; como tem lugar
Enquanto
alguém está comendo ou abrindo uma janela ou só a passear
Por
aí, como quando os mais velhos estão reverente, apaixonadamente
Esperando
pelo miraculoso nascimento,
Sempre
haverá crianças que não queriam, especialmente,
Que
isso acontecesse, a patinar num lago na orla do mato:
Eles
nunca esqueciam
Que
até o terrível martírio tem de seguir o seu curso exato
De
qualquer modo num canto, nalgum terreiro
Imundo
onde os cachorros continuam levando sua vida canina e o cavalo
Do
torturador raspa contra uma árvore o seu inocente traseiro.
No
Ícaro de Brueghel, por exemplo: como tudo o mais se desvia
Tranquilamente
do desastre; o camponês com o arado podia
Muito
bem ter ouvido o barulho, o grito desamparado,
Mas
para ele não era um fracasso importante; o sol brilhou
Como
tinha de brilhar sobre as pernas brancas submergindo
Na
água verde; e o navio caro e delicado
Que
deve ter visto alguma coisa espantosa, um garoto caindo
Do
céu, tinha algum lugar para ir e calmamente continuou.
ACALANTO
Repousa
a fronte, meu amor,
Humana
em meu braço descrente;
Que
o tempo e as febres crestem, varram
Toda
a beleza individual
Das
crianças ora pensativas,
Porquanto
o túmulo revela
O
quanto a criança é passageira:
Mas
que em meus braços se demore,
Até
que o dia se renove,
Quieta,
a vivente criatura –
Mortal,
culpada, mas para mim
Tão
bela, inteiramente bela.
Não
têm amarras alma e corpo:
Aos
amantes, quando se deitam
No
seu indulgente e encantado
Declive,
absortos no langor
Costumeiro,
grave é a visão
Que
Vênus do alto lhes envia
De
sobre-humana simpatia,
E
de esperança e de um amor
Universal,
enquanto, abstrata,
Uma
interior visão desperta
Em
meio aos gelos e aos rochedos
Do
eremita a carnal euforia.
Como
de um sino as vibrações
Quando
ressoa a meia-noite,
Fidelidade
e segurança
No
vento passam, e, pedantes,
Os
desvairados do momento
Lançam
seu grito aborrecido:
Que
do preço todo o montante,
Tal
como, tristes, o preveem
Todas
as cartas do baralho,
Seja
pago; mas desta noite
Nenhum
suspiro, pensamento,
Beijo
ou olhar seja perdido.
Beleza,
noite, visão morrem:
Que
os ventos da manhã, soprando
Suaves
em torno ao teu sonhar,
Mostrem,
que ao olho e ao coração
Venha
trazer a sua bênção,
Um
dia de amplo acolhimento,
E
nos baste o mundo mortal:
E
te encontrem as tardes secas
Pelas
forças involuntárias
Nutrido;
e que as noites de insulto
Te
deixem ir sob os cuidados
De
cada humano sentimento.
ADOLESCÊNCIA
Da
figura materna uma vez lembrado pelos arredores,
Os
cumes que ele recorda ficam maiores e maiores:
Com
as mais finas penas de desenhar mapas ele se põe ternamente a traçar
Todos
os nomes de família, cada qual em seu local familiar.
Vagando
por uma campina verde, ele passa por águas quietas;
Certamente
parece um cisne para as filhas da terra indiscretas,
Curvando
uma linda cabeça, cultuando o não-mentir,
“Caro”
o bico dos caros na cara concha a rugir.
Sob
as árvores as fanfarras do verão estavam a tocar;
“Caro
menino, seja valente como estas raízes”, ouviu-as proclamar:
Leva
as boas novas alegremente para um mundo em perigo,
Está
pronto a discutir com qualquer estranho, ele sorri consigo.
E,
no entanto, esse profeta, voltando para casa quando o dia finda,
Da
terra que assim defendeu recebe estranhas boas-vindas:
A
banda estruge: “Covarde, covarde”, no seu humano ardor,
A
giganta cambaleia para mais perto, grita: “Enganador”.
EM
MEMÓRIA DE W. B. YEATS
(m.
jan. 1939)
I
Ele
desapareceu no rigor do inverno:
Os
regatos congelavam, os aeroportos quase desertos,
E
a neve desfigurava as estátuas públicas;
O
mercúrio despencava na boca do dia agonizante.
Os
instrumentos que temos concordam, todos,
Que
o dia de sua morte foi um dia escuro e frio.
Longe
da sua moléstia,
Os
lobos corriam através das florestas eternamente verdes,
O
rio campesino não se deixava tentar pelos atracadouros em voga;
Por
línguas lamentosas
A
morte do poeta era mantida longe de seus poemas.
Mas
para ele era o seu último entardecer como ele mesmo,
Um
entardecer de enfermeiras e rumores;
As
províncias de seu corpo se revoltavam,
As
praças de sua mente ficavam desertas,
O
silêncio invadia os subúrbios,
Falhava
a corrente de seu sentimento: ele se tornava os seus admiradores.
Agora,
está espalhado entre uma centena de cidades
E
totalmente entregue a afeições desconhecidas,
Para
encontrar sua alegria em outro tipo de floresta
E
ser punido sob um código de consciência estrangeiro.
As
palavras de um homem morto
Se
modificam nas entranhas dos vivos.
Mas
na importância e no ruído do amanhã
Quando
os especuladores rugem como feras no âmbito da Bolsa,
E
os pobres têm os sofrimentos aos quais estão mais ou menos
acostumados,
E
cada um na cela de si mesmo está meio convencido de sua liberdade,
Alguns
milhares pensarão neste dia
Como
quem pensa num dia em que se fez alguma coisa ligeiramente inusual.
Os
instrumentos que temos concordam, todos,
Que
o dia de sua morte foi um dia escuro e frio.
II
Você
era tolo como nós; seu dom sobreviveu a tudo:
À
paróquia das mulheres ricas, à decadência física,
A
você mesmo. A louca Irlanda feriu você para a poesia.
Agora,
a Irlanda tem quietos a sua loucura e o seu clima,
Pois
a poesia não faz acontecer coisa alguma: sobrevive
No
vale em que é feita, onde os executivos
Jamais
vão querer pisar, corre em direção ao sul
Desde
ranchos de isolamento e as atarefadas mágoas,
Cidades
cruas em que acreditamos e morremos; sobrevive,
Um
jeito de acontecer, uma boca.
III
Recebe,
ó Terra, o hóspede honroso:
A
William Yeats dá repouso.
Da
Irlanda a taça está vazia
Do
que houve nela de poesia.
No
sono mau da escuridão
Ladra
da Europa cada cão,
E
esperam as nações viventes
De
seus ódios entre as correntes;
Põe
a desgraça intelectual
Em
toda face o seu sinal,
E
da piedade estão os mares
Duros,
gelados nos olhares.
Segue,
ó poeta, segue e busca
Da
noite o fundo que se ofusca,
Com
tua voz livre, bravia,
Convoca-nos
ainda à alegria;
Com
o lavrado do teu canto
Converte
em vinha o desencanto,
Canta
os insucessos humanos
Num
arroubo de desenganos;
E
nos desertos da amargura
Desperta
a fonte que nos cura,
E
no seu tempo, que os confina,
Aos
livres o louvor ensina.
NOTURNO
Aparecendo
sem aviso, a lua
Contra
os picos evita se arranhar
E
para o céu aos poucos escorrega,
assim
como quem sabe o seu lugar.
De
imediato, me diz meu coração:
“Adora-A,
Virgem, Mãe, Musa, Cabeça
Digna
de ver, mas Que há de construir-te
Ou
destruir-te, conforme lhe apeteça.”
E
então a minha mente, num reflexo:
“Não
me dirás, presumo, que lhe doa
A
esse montão estéril de crateras
Quem
com quem dorme e quem a quem magoa.”
Nesta
noite, tal como em muitas outras,
A
mais óbvia franqueza vence a rixa,
A
minha mente, dura, ousa admitir
Que
ambos na força apostam sua ficha.
Dado
aquilo em que ambos acreditam,
A
Deusa tem, por certo, de partir,
E
sua majestade é só a máscara
Que
um dínamo sem rosto vem cobrir;
Mas
nenhuma das minhas naturezas
Pode
queixar-se se eu for rebaixado
A
um reles funcionário cujo sonho
É
vasto, sem escrúpulo, encrencado.
Supondo,
entanto, que meu rosto é real
E
não um mito ou máquina que visto,
Devia
a lua assemelhar-se a x,
Com
feições que eu de fato tenha visto,
Como
as de meu vizinho, ou uma face –
Não
um status, um sexo – como a sua,
Constante
para mim, não me importando
Qual
o valor que a x eu
atribua;
Essa
efusiva dama, porventura,
Que
uns versos seus me veio aqui trazer;
Esse
pobre que volta novamente
Em
busca de um empréstimo qualquer;
Contraimagens,
enfim, que balanceiam
Com
o que nelas é falta de peso
Meu
mundo, esse veículo privado
E
os motores inúmeros do Estado.
O
ANDARILHO
É
negro o destino e mais fundo que qualquer depressão marinha.
Sobre
qualquer homem que caia
Na
primavera, flores desejosas do dia aparecendo,
Avalanche
desabando, branca neve sobre a face das rochas,
De
abandonar sua casa
Nenhuma
mão de suave nuvem pode impedi-lo, retido por mulheres;
Mas
esse homem sempre vai,
Entre
guardadores de lugares, entre árvores da mata,
Estranho
para estranhos sobre úmidos mares,
Casas
para peixes, água sufocante,
Ou
solitário no abatimento como no bate-papo,
Junto
aos riachos encrespados,
Um
pássaro obcecado, um pássaro inquieto.
Lá
a cabeça pende para diante, cansada ao anoitecer,
E
sonhos com o lar,
Acenando
da janela, espalham boas-vindas,
Beijos
de esposa sob lençol de solteiro;
Mas
despertando vê
Bandos
de aves sem nome para ele, vozes através do vestíbulo
De
novos homens fazendo outro amor.
Salvem-no
da hostil captura,
Da
salto súbito do tigre numa esquina;
Protejam
sua casa,
Sua
casa ansiosa onde os dias são contados
Do
relâmpago protejam,
Da
ruína gradual se espalhando feito mancha;
Convertendo
números de vagos para certos,
Tragam
alegria, tragam o dia do seu retorno,
Sortudo
com o dia se aproximando, com a iminente aurora.
VOLTAIRE
EM FERNEY
Quase
feliz agora, ele observava a sua propriedade.
Um
exilado que fazia relógios ergueu os olhos ao vê-lo passar
E
continuou a trabalhar; onde um asilo se erguia rapidamente
Um
carpinteiro levou a mão ao gorro; um empregado veio contar
Que
algumas das árvores que plantara prosperavam visivelmente.
Os
Alpes fulgiam brancos. Era verão. Ele tinha autoridade.
Lá
longe, em Paris, onde se ouviam murmurar
Seus
inimigos, a dizer que ele era vil, numa alta cadeira
Uma
velha cega suspirava pela morte e cartas. Ele escreveria:
“Nada
é melhor que a vida.” Mas era? Sim, a canseira
De
lutar contra os falsos e desonestos valia
Sempre
a pena. Assim também a jardinagem. Civilizar.
Engambelando,
exprobrando, tramando, mais que todos inteligente,
Numa
guerra santa ele guiara as outras crianças
Contra
os infames adultos e, como uma criança, fora arguto
E
humilde quando havia ocasião para esquivanças
De
duas caras ou para o mentir defensivo e resoluto,
Mas
esperara pela sua queda, como um camponês paciente.
E
nunca duvidara, como D’Alambert, de que venceria:
Apenas
Pascal era um grande inimigo, os demais
Eram
ratos já envenenados; havia muito a ser feito, porém,
E
só podia contar consigo e com nenhum outro mais.
O
querido Diderot era tolo, mas se esforçava como ninguém;
Rousseau,
ele sempre soubera, choramingaria e desistiria.
Assim,
como uma sentinela, não podia dormir. A noite era cheia de turbação,
Terremotos
e excecuções. Ele estaria morto brevemente,
E
ainda por toda a Europa havia as amas-secas horríveis,
Doidas
para cozer os próprios filhos. Os seus versos, somente,
Poderiam
detê-las, talvez: Ele tinha de continuar trabalhando. Impassíveis,
Os
astros compunham lá em cima a sua lúcida canção.
(Traduções
de Renato Suttana)
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