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Nicolau Saião

 

VIZINHANÇA

 

(Tatiane de Oliveira Gonçalves)

 

Ela começou falando com as plantas. Ninguém estranhava: era comum que algumas pessoas falassem com suas plantas e animais muito queridos. Não deu outra. O tempo passou e ela começou a trocar confidências com o gato, que escapulia da ladainha sorrateiramente indo para o telhado encontrar-se com a felinagem da área.

 

A situação só começou a assustar quando ela passou a falar com objetos inanimados. Os vizinhos foram os primeiros a estranhar quando ela começou a se explicar com a porta.

 

– Voltarei logo. Não deixe ninguém entrar em minha ausência. Vejo-a logo mais.

 

No começo, a vizinha da frente achou que havia outra pessoa dentro da casa e por causa da pressa ela falava já do lado de fora. Todavia a coisa foi ficando mais séria. Falava com a chave, com as cartas que recebia, com o semáforo e até com a garrafa de refrigerante.

 

Os vizinhos comentavam pelos cantos à boca pequena.

 

– Será que ficou louca? – perguntava a mais fofoqueira.

 

– Que Deus tenha piedade! – apiedava-se a beata.

 

– Com o perdão da palavra, isso é falta de marido – afirmava o síndico que havia dado umas investidas românticas logo que ela se mudou.

 

O fato era que Antonia Gruis continuava com a mesma felicidade aparente de sempre. Muito cordial com todos que sempre a olhavam com certas reservas. Só havia aquele pequeno detalhe: falava com tudo o estava ao seu redor. Eram conversas ora corriqueiras, ora substanciais.

 

Certo dia foi encontrada na entrada principal do prédio em que morava tendo uma calorosa conversa com a porta central, aliás parece que de tudo ela preferia as portas. Ela falava da situação econômica e política do país. Ao que parecia, a porta era de uma corrente diferente da sua. Estava praticamente a discutir com a porta. A coisa era tão séria que nem sequer notava os que passavam.

 

Foi nesse dia que o síndico ligou para sua filha que morava em São Paulo.

 

– Como isso aconteceu? Por que só me ligaram agora? Ah, meu Deus, de novo isso...

 

A filha mostrou-se muito preocupada e disse que viria ao seu encontro antes do final de semana. Informou-lhe que havia surtado na época em que ficou viúva, mas isso já havia sido há 12 anos atrás.

 

A mulher, de fato, chegou antes do final de semana. Todos no prédio já sabiam que ela estava para chegar, menos a mãe que continuava alegre da vida conversando com seus amigos mudos.

 

Dim dom e dirigiu-se à porta.

 

– Marina!? O que faz aqui? Não me diga que foi despedida!

 

– Não, mamãe! Recebi uma ligação do Sr. Demerval dizendo que você havia enlouquecido.

 

– Ah, isso...!?

 

Nesse meio tempo as duas se abraçaram e foram sentando no sofá já descalças e mais à vontade.

 

– Ah, filha, eles são tão caretas! É uma mesmice tão grande, isso aqui. Eu inventei isso para me distrair um pouco. Você precisava ver a cara deles...! Ficavam tão assustados e pálidos. É tão divertido, Marina. Você deveria experimentar lá em São Paulo. Seus vizinhos são chatos, fofoqueiros e intrometidos? Experimenta, menina!

 

– Eu sei, mãe, que não deve ser fácil morar sozinha, sobretudo com essa vizinhança, mas não acha que é brincar demais com as pessoas? Olha, eu tive de inventar uma desculpa super esfarrapada para o síndico. Mamãe, isso não está certo. Isso lá é forma de encontrar inspiração para escrever seus livros?! Desde pequena que eu tenho que inventar uma desculpa mais descabida que a outra. Assim não dá, mamãe!

 

– Ah, eles são muito caretas...!

 

– O que vai ser agora, mamãe? Você vai querer se mudar de novo? Onde será agora? Manaus, Divinópolis, Paris...?

 

 

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