VIZINHANÇA
(Tatiane de Oliveira Gonçalves)
Ela começou falando com as plantas.
Ninguém estranhava: era comum que algumas pessoas falassem com suas
plantas e animais muito queridos. Não deu outra. O tempo passou e
ela começou a trocar confidências com o gato, que escapulia da
ladainha sorrateiramente indo para o telhado encontrar-se com a
felinagem da área.
A situação só começou a assustar quando
ela passou a falar com objetos inanimados. Os vizinhos foram os
primeiros a estranhar quando ela começou a se explicar com a porta.
– Voltarei logo. Não deixe ninguém
entrar em minha ausência. Vejo-a logo mais.
No começo, a vizinha da frente achou que
havia outra pessoa dentro da casa e por causa da pressa ela falava
já do lado de fora. Todavia a coisa foi ficando mais séria. Falava
com a chave, com as cartas que recebia, com o semáforo e até com a
garrafa de refrigerante.
Os vizinhos comentavam pelos cantos à
boca pequena.
– Será que ficou louca? – perguntava a
mais fofoqueira.
– Que Deus tenha piedade! – apiedava-se
a beata.
– Com o perdão da palavra, isso é falta
de marido – afirmava o síndico que havia dado umas investidas
românticas logo que ela se mudou.
O fato era que Antonia Gruis continuava
com a mesma felicidade aparente de sempre. Muito cordial com todos
que sempre a olhavam com certas reservas. Só havia aquele pequeno
detalhe: falava com tudo o estava ao seu redor. Eram conversas ora
corriqueiras, ora substanciais.
Certo dia foi encontrada na entrada
principal do prédio em que morava tendo uma calorosa conversa com a
porta central, aliás parece que de tudo ela preferia as portas. Ela
falava da situação econômica e política do país. Ao que parecia, a
porta era de uma corrente diferente da sua. Estava praticamente a
discutir com a porta. A coisa era tão séria que nem sequer notava os
que passavam.
Foi nesse dia que o síndico ligou para
sua filha que morava em São Paulo.
– Como isso aconteceu? Por que só me
ligaram agora? Ah, meu Deus, de novo isso...
A filha mostrou-se muito preocupada e
disse que viria ao seu encontro antes do final de semana.
Informou-lhe que havia surtado na época em que ficou viúva, mas isso
já havia sido há 12 anos atrás.
A mulher, de fato, chegou antes do final
de semana. Todos no prédio já sabiam que ela estava para chegar,
menos a mãe que continuava alegre da vida conversando com seus
amigos mudos.
Dim dom e dirigiu-se à porta.
– Marina!? O que faz aqui? Não me diga
que foi despedida!
– Não, mamãe! Recebi uma ligação do Sr.
Demerval dizendo que você havia enlouquecido.
– Ah, isso...!?
Nesse meio tempo as duas se abraçaram e
foram sentando no sofá já descalças e mais à vontade.
– Ah, filha, eles são tão caretas! É uma
mesmice tão grande, isso aqui. Eu inventei isso para me distrair um
pouco. Você precisava ver a cara deles...! Ficavam tão assustados e
pálidos. É tão divertido, Marina. Você deveria experimentar lá em
São Paulo. Seus vizinhos são chatos, fofoqueiros e intrometidos?
Experimenta, menina!
– Eu sei, mãe, que não deve ser fácil
morar sozinha, sobretudo com essa vizinhança, mas não acha que é
brincar demais com as pessoas? Olha, eu tive de inventar uma
desculpa super esfarrapada para o síndico. Mamãe, isso não está
certo. Isso lá é forma de encontrar inspiração para escrever seus
livros?! Desde pequena que eu tenho que inventar uma desculpa mais
descabida que a outra. Assim não dá, mamãe!
– Ah, eles são muito caretas...!
– O que vai ser agora, mamãe? Você vai
querer se mudar de novo? Onde será agora? Manaus, Divinópolis,
Paris...?
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