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Sosígenes Costa: novos textos esparsos

 

 

No decorrer das últimas revisões e edição final do livro Crônicas & Poemas Recolhidos, de Sosígenes Costa (1901-1968) (pesquisa, introdução, notas e biografia, com extensa memória sobre a Academia dos Rebeldes), publicado pela Fundação Cultural de Ilhéus, em 2001, na edição cuidadosa do escritor Hélio Pólvora, foram localizados pelo autor Gilfrancisco, em periódicos baianos, mais dez textos do poeta de Ilhéus e de Belmonte, os quais não foram incluídos no referido livro, por falta de tempo hábil. Vejamos os textos: Epitalâmico (6 de dezembro de 1928, Diário da Tarde – Ilhéus); Flora não quer mais Grinaldas (14 março de 1929, Diário da Tarde – Ilhéus, ambas as crônicas do Diário de Sósmacos); Futurismo (16 de maio de 1930, nº16, Única, Salvador); O Esteta (1º de Julho de 1930, nº1, Única, Salvador); O Verdadeiro Tabernáculo (25 de dezembro de 1930, nº10, Única, Salvador); Denunciando o Crepúsculo (18 de março de 1932, Diário da Bahia – republicado recentemente em A Tarde Cultural, caderno dedicado a Jorge Amado, 15 de setembro de 2000, “O País Amado”); A Cabeleira da Musa (7 de outubro de 1933, O Estado da Bahia – Suplemento); Lá se foi à viola (dezembro de 1940, nº8, Seiva, Salvador); Batalha ao Por do Sol (19 de março de 1942, O Imparcial) e Tu és cristo? (9 de abril de 1944, O Imparcial). Como não houve tempo de inseri-los no livro, por essa razão estamos publicando neste “Arquivo” os textos recentemente localizados em prosa e verso do poeta baiano.

 

 

 

Epitalâmico (texto I)

 

Quem ainda não bebeu vinho? Quem não comeu uvas? E não comeu figos? E não comeu passas? Oh! Quem não banqueteou, que venha no sétimo banquete das bodas das virtudes.

 

Porque hoje é o último dia das bodas daquela que desposou o adolescente que tem nos olhos duas pedras de jacinto.

 

Trazei Nísaro, os habitantes das cabanas e os filhos dos montes. E, os velhinhos, porque temos papas de leite. E, até, as crianças de mama, porque temos, sobre as mesas, muitas jarras de leite.

 

Eis que duzentas cornamusas e quatrocentas flautas entoam músicas à noiva. Ouçam bem. Quatrocentas flautas e duzentas cornamusas. Onde já se viu tanto instrumental?

 

Esta, que toca pandeiro e dança comendo uvas, é a pastora Elzone, a namorada do pastor Nísaro. Que lindo bailado que ela baila! Ela está bailando o bailado das uvas.

 

Oh! Comamos uvas e celebremos a festa deste casamento! Dai-nos uvas, Elzone, porque sois bela, e nada há mais doce do que uvas recebidas de mãos belas.

 

Mais bela, porém, do que Elzone de Nísaro é a noiva que vem chegando. Porque a noiva pintou as suas mãos de hennê, e pois em roda dos olhos um pouco de talco. E pendurou nas orelhas umas argolas parecendo candelabros. E apertou nos pulsos uns braceletes de faraó. E pintou seus cabelos de azul e os penteou em forma de açafate.

 

Quem ainda não bebeu vinho, que venha. Quem não comeu uvas, também venha. Quem não comeu figos, venha também. Quem não comeu passas, venha do mesmo modo.

 

Que é esta mulher que não se levantou, quando a noiva entrou mais o seu noivo para o banquete?

 

É a inveja, que veio com o Pecado. Oh! Expulsemo-los do banquete, porque a presença desses dois intrusos entristeceu o semblante dos convivas.

 

E, afastando o pecado, comamos as uvas de Elzone, neste banquete das bodas da Virtude.

 

Porque a Virtude está, hoje, tão formosa como a princesa do Egito. E eis que pintou as palmas de suas mãos com lausônia e pois argolas que parecem candelabros. E pintou os seus cabelos em forma de açafate.

 

Atiremos flores sobre a cabeça da noiva, até que encha esse açafate.

 

Regozijemo-nos nesta festa da Virtude, porque, quem não está com a Virtude não desfruta delícias.

 

E não tem a felicidade dos pastores e não comerá uvas e não ouvirá flautas.

 

E não há de ser amado pelas mulheres. E não há de ser honrado pelos filhos dos homens.

 

E não seja amado. E não seja louvado. E todo o povo diga: Assim seja, assim seja.

 

Diário da Tarde – Ilhéus – 06.12.1928

                       

 

 

 

Flora não quer mais grinaldas (texto II)

 

Escandalizaram-se as mulheres de Paris com o fato dos mestres da costura recomendarem, para adorno dos chapéus da primavera, no uso das flores, cujo restabelecimento se não podia esperar depois de banidas por tanto tempo.

 

As mulheres estão mais caprichosas do que nunca. Ao chegar da primavera, Não querem mais se engrinaldar de rosas, de cravos brancos e festões de hera.

 

Recusando grinaldas as formosas! Recusando coroas! Quem dissera! Até dá azar as dúvidas. Que as rosas nunca enjeitadas foram por Cythera.

 

Descrê de tal protesto o deus cupido. Que haja recusa tal, também duvido. Há razões para dúvidas. Pudera!

 

Que a mulher, fale embora sobre flores, sobre predileções ou sobre ou sobre amores nunca há de dar opinião sincera.

 

 

.Diário da Tarde – Ilhéus – 14.03.1929

 

 

 

Futurismo (texto III)

 

O mar. A avenida. A lua. Como o passeio está lindo! Passa madame sorrindo toda, nua, toda nua.

 

Madame quando passeia, nem a tanga ao corpo amarra. Supõe que fica mais feia, deitando pra ver a lua, a casta folha de parra.

 

Quem dera, que Deus a graça me desse de amar na lua! Sorrindo, madame passa toda nua, toda nua.

 

Madame, no mês de frio, não põe mais a tanga não. Será que é moda no Rio a gente, agora, com o frio, andar à moda de Adão?

 

Não há ninguém que não ame passear a luz da lua. Sorrindo, passa  madame toda nua, toda nua.

 

Em Paris o povo anda nem bem nu, nem bem vestido. Mas aqui a moda manda, a conselho de Cupido, que o povo passei a lua completamente despida.

 

 

Ano I nº16. 16. maio. 1930. Única

 

 

 

O Esteta (texto IV)

 

O homem que procurava a beleza pura, mandou plantar um, jardim de lírios brancos, para que na primavera, quando o jardim se florisse de lírios, ele conhecesse a volúpia da beleza pura.

 

E, quando chegou a primavera, todo o jardim se abriu em flores cândidas de lírios, e ele apenas gozou, na contemplação dos lírios, uma passageira volúpia de beleza.

 

E ele, então, resolveu ouvir a música dos trovadores de cítara e de viola e de piston e de nubélia, para que, ouvindo a música, lograsse a grande volúpia da beleza. E foi à casa do príncipe. E o príncipe mandou tocar cítara e viola e piston e nubélia. E o homem, ouvindo a música, apenas conheceu uma passageira volúpia de beleza.

 

E o homem, então, saiu da casa dourada do príncipe e foi ao museu ver às grandes obras de artes, para que, exercitando-se na contemplação das obras primas dos pintores e das obras primas dos escultores, tivesse uma legítima sensação de beleza. E isto fazendo, apenas logrou uma passageira volúpia de beleza.

 

E ele, então, desceu a uma praça arborizada de duzentos pés de mirto, onde os poetas recitavam odes em honra do príncipe dos poetas. E ele, ouvindo os versos mais capitosos do que o mirto, apenas conheceu efêmera volúpia de beleza.

 

Então, visto como não podia encontrar a verdadeira beleza pura, o esteta  caiu em imenso merencório, tornou a casa. E, entrando em casa, eis que estava sobre a mesa, à luz vermelha de um candelabro de barro, um grande livro. E ele tomou do livro e, à luz vermelha do candelabro de barro, o abriu na página da Palavra de Jesus, e, com grande espanto de sua inteligência e maior júbilo de seu coração, encontrou, por fim, não só a pura mas a verdadeira e eterna beleza.

 

Ano 2.nº1. 1º. Jul. 1930. Única.

 

 

 

O Verdadeiro Tabernáculo (texto V)

 

Congregava-se o povo para a festa da Perfeição, quando a palavra de um homem surgiu dentro de um grito, clamando: Eu sei onde está o Antigo dos Dias. Eu sei onde está o Deus Sabooth. Eu vos asseguro que sei onde ele está.

 

E todos, que se congregavam para a festa da Perfeição, acreditaram na palavra daquele homem, porque ele era o sábio. E, alvoroçados, queriam na festa da Perfeição ver a Deus que nunca se mostrou a ninguém.

 

E foram buscar trinta turíbulos de ouro, trinta turíbulos de prata e trinta turíbulos de bronze E deitando-lhes brasas vivas, que assopravam com o hálito das bocas e com o hálito das ventarolas, queimavam nos noventa turíbulos incenso puro, estoraque, onicha, gálbano, as quatro sortes de perfume puro. E, glorificando a Deus com as quatro sortes de perfume puro, que formavam o incenso santo, também se ungiram com azeite santo, e queriam ver a Deus e gritavam ao sábio: Mostra-nos o Zeloso. Mostra-nos aquele que habitou entre os querubins da arca. Mostra-nos o Deus vivo.

 

Então o sábio trouxe a consciência e lhes mostrou a consciência e os homens viram com os seus olhos que, na consciência, Deus estava verdadeiramente.

 

 

Nº10. 25. dez. 1930. Única

 

 

 

A Cabeleira da Musa  (texto VI)

 

No oceano de tua cabeleira entrevejo

um porto cheio de homens vigorosos de

todos os países... e navios de todas as formas.

         Baudelaire.

 

No teu cabelo há tardes outonais

amarelando o rio e os arvoredos.

Há cidades de mármores e rochedos

de açúcar-candi, bronzes e cristais.

 

No teu cabelo rútilo há milhões

de abelhas roxas fabricando favos

para o mel que roubam dos craveiros bravos

dos jardins levantinos de anões.

 

No teu cabelo há trêmulos trigais

de espigas fulvas e há gentis vinhedos

que molhas de perfume com teus dedos

com trinta anéis de pérolas ovais.

 

No teu cabelo se abrem dos pavões

as estreladas caudas, dentre as rosas.

E brilham nelas pedras preciosas:

rubis, safiras, sárdios, cabuchões.

 

Nele há brondões, revérberos, fanais.

Pois isso atrai cornígeros besouros.

Por isso pombas e canários louros,

sempre de noite, feiticeira atrai.

 

No teu cabelo há reinos de sultões.

Teu cabelo relumbra como uns matos

cheios de olhos fosfóricos de gatos

e de escamas de fogo dos dragões.

 

Na tua cabeleira há catedrais.

No teu cabelo rola e ferve estranha

cascata de falerno e de champanha

por entre alabastrinos jasminais.

 

No teu cabelo vive uma serpente

que descasca por hora uma imponente

pele conteúdo bíblicas signais.

 

No teu divino e esplêndido cabelo

rugem tigres de azul-celeste pêlo

e de unhas de ouro, lúcidas, fatais.

 

No teu cabelo. Musa Helena e sábia,

queimam-se incenso e nardo azul da Arábia

e outras sortes e espécies aromais.

 

No teu cabelo há um céu com muitas luas

iluminando cem mulheres nuas

que se banham num lago entre juncais.

 

No teu cabelo há sílfides e bruxos

dançando dentro dos jorros de repuxos

e há templos de âmbar louro e há muito mais:

 

Há globos de ouro e estames de açucenas

e cem faisões de prateadas penas,

– Filha do sol, princesa dos corais!

 

 

7. out. 1933. O Estado da Bahia (Suplemento Ilustrado)

 

 

 

Lá se foi à Viola (texto VII)

 

Porque perdeu a mamata,

o povo ficou medonho:

quebrou os copos e os pratos,

xingou, pintou e berrou.

 

Lembrou-se então de Tibério,

pediu justiça a  Pilatos,

batendo o pé e berrando.

 

O rei de Roma acudiu,

se levantou do caixão

e o papa fez um aceno,

chamando aquele rebanho

que vinha com Caifaz.

 

A igreja benzeu o povo

e excomungou quem matou

a vaca que dava leite.

 

Porém aquela mamata

não quer voltar nem a gancho.

 

Só pode ser o demônio

quem mata a vaca leiteira,

tirando o leite do povo,

fazendo esta desgraceira.

 

 

Nº8. dez. 1940. Seiva.

 

 

 

Batalha ao Por do Sol  (texto VIII)

 

O rei do mar declarou guerra à esfinge,

Das nuvens desce a esfinge delirante;

No mar vomita fogo e o mar se tinge

De fogo e sangue e de um carmim gritante.

 

O Paroxismo esta batalha atinge

Quando o fogo das ondas em levante

Se volta aos céus para queimar a esfinge

E o céu se torna uma visão de Dante.

 

Em socorro do mar vem a hidra escura:

Devora as cores, torna a luz grisalha.

E a esfinge esgota o cálix da amargura.

 

Nas garras desse monstro que a estraçalha.

E agora embalde a esfinge se procura

Lá no estrelado campo da batalha.

 

 

19. mar. 1942. O Imparcial.

 

 

 

Tu és o cristo? (texto IX)

 

Minha alma para os que sofrem,

É a rosa de Jericó.

Não sou amigo de César

nem gosto de Faraó.

 

Não sou amigo de César

nem gosto de Faraó

e o povo vem me trazer

grinaldas de sempre viva

e lava-me os pés com mirra,

à hora do por do sol

 

o rei diz que não mereço

tanto incenso ao por do sol.

 

O rei diz que não mereço

a mirra do Faraó

porque nascido no estábulo,

vim do mais intimo pó,

pois meu pai é carpinteiro

e minha mãe lava roupa

no poço de Jericó.

 

É verdade que eu sou rei,

o escolhido do Senhor.

Mas neste mundo de César

não poderei ser o rei.

É por escárnio de Herodes

me põe o manto de rei.

 

Eu sou o noivo das almas.

Onde está meu reino, pois?

Esse reino é o meu noivado.

E o reinado entre sonhado

por justos da Antiga Lei.

Desse reino desejado

sim, Pilatos, eu sou rei.

 

E eu não troco este noivado

por nenhum trono de rei.

 

9. abr. 1944. O Imparcial

 

 

Textos de Sosígenes Costa, recolhidos e gentilmente cedidos por Gilfrancisco para este site.

 

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