Poemas
de Rui Lage
A
CARTA NA MÃO
ao
meu pai, Carlos
País
perdido no regaço da palha
sob
o peso da luz e do pão,
tenho-te
escrito e aberto nas mãos,
tenho-te
perto da vista e longe
cada
vez mais do coração.
Sobre
os joelhos o fruto seco da carta,
a
nódoa de veneno deixada
pelos
insectos, a invasão dos vermes,
as
unhas imundas que feriram
a
polpa, o caroço onde guardo
os
sinos da manhã.
O
pátio na carta aberta,
a
casa remota, perdida
após
montes e montes deitados
sobre
o perfume das hortas,
o
eco das minas bebendo em sossego
o
pensamento, a lentidão dos animais
que
perduram na curva dos caminhos.
Na
carta aberta o cimo das escadas,
o
céu tranquilo as mãos na cintura,
a
súplica de pó no rosto que olha
pedindo
a mão pequena
para
a borda da saia,
o
primeiro dia de escola
para
o colo do regresso.
Mas
se morrermos agora,
no
pátio ou no deserto, quem dará conta
do
país perdido?
Que
me pede a carta nas mãos
cantando
o país perdido?
Também
aqui as cigarras cantam
mas
estranhas aves amplificam
no
tímpano sujo dos muros
o
ar queimado da savana.
Que
faço na terra do marfim?
Porque
não há cravos
na
pequena horta da prisão?
A
CÉU ABERTO
Dizem
que o Sr.João não se lava,
que
em certas noites
dorme
no monte junto ao cavalo;
que
bebe muito e cai pela terra
em
redondo o pensamento,
que
a sua cama não tem lençóis
e
que a suportam quatro tijolos;
que
nunca lava as escadas
e
que nunca lava a roupa
embora
permaneça preso ao ribeiro
muito
depois
de
as mulheres terem partido.
Vejo
que
a cova dos seus olhos
foi
aberta num sítio
rodeado
de terra por todos os lados.
As
árvores, que se saiba,
não
se lavam
e
dormem ao relento
encostadas
ao cavalo do estio
(se
assim não fosse não amaria
o
que já não seriam árvores).
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