"O
pássaro cantor" e outros poemas de Robert
Frost
O
PÁSSARO CANTOR
Eis
um cantor, que muita gente já ouviu,
cantar
na mata funda, em meados do estio,
e
que faz soar de novo os mudos arredores.
Diz
que o verde está velho, e diz que, para as flores,
dez
vezes mais que o estio importa a primavera;
que
em chuveiros a flor da cereja e da pera
despencou
sobre o chão em dias já passados
plenos
de sol, por uns instantes só toldados.
E
vem o outro cair que chamamos de outono,
que
o pó da estrada cobre e enfeita de abandono.
Como
os outros seria, ao findar sua lida;
não
soubesse, porém, em cantar não cantar.
A
pergunta que traz, sem nada perguntar,
é
o que fazer de alguma coisa diminuída.
O
NINHO EXPOSTO
Estavas
sempre a achar algum novo brinquedo.
Assim,
quando te vi lá no campo, de joelhos,
mãos
no chão, a bulir com o feno já cortado,
tentando
– é o que supus – repô-lo em seu lugar,
fui
então te ensinar como é que se fazia,
se
era a tua intenção, firmando-o contra a brisa,
ou,
a um pedido teu, fingir que te ajudava,
para
vê-lo de novo enraizar e crescer.
Mas
não estavas a brincar naquele dia,
e
não te preocupava a grama, muito embora
tivesses
uma mão cheia de brotos murchos,
de
capim cintilante e raízes de trevos.
Era
um ninho, no chão, cheio de filhotinhos
que
a lâmina, ao passar, por pouco não ceifara
(por
milagre ninguém havia se ferido),
mas
expusera, inerme, ao sol e à claridade.
Querias
devolvê-lo àquele seu direito
de
ter alguma coisa interposta entre si
e
a visão do amplo mundo, houvesse uma maneira.
Ao
modo como a cada vez que nos mexíamos
todo
o ninho reagia, assim como à chegada
de
uma mamãe que demorou para voltar,
me
perguntei se a mãe de fato tornaria
depois
que a cena toda havia se alterado
e
se o arranjo não fora assustá-la ainda mais.
Não
dava, entanto, para esperar e assistir.
Havia
grande risco em fazermos o bem,
mas
impossível foi sonegar o melhor,
não
obstante o perigo; e o anteparo findamos
que
havias começado, e a sombra devolvemos
que
lhes fora tirada. – Era o que nos cumpria.
Por
que então não há mais nada que relatar?
Passamos
a outra coisa. E não tenho lembrança
de
haver tornado lá – por acaso te lembras? –,
isto
é, de retornar e ver se os passarinhos
haviam
resistido a uma primeira noite,
para
aprender a usar as suas próprias asas.
ATADO
E LIVRE
O
Amor se prende à terra, onde repousa,
com
outeiros e braços ao redor
e
muros que o protegem do temor. –
Mas
o Pensar prescinde dessas coisas,
pois
dispõe de um par de asas corajosas.
Por
neves, turfa, areias, vê a gente
que
em tudo deixa o Amor seu fundo traço:
cingindo
o mundo num estreito abraço,
e
é sempre assim e assim vive contente.
Mas
o Pensar se livra da corrente.
O
Pensar corre a noite constelada
e
na distante Sírius se assenta,
até
que o dia lúcido o afugenta.
Com
a bela plumagem chamuscada,
retorna
à Terra firme, costumada.
O
que ganha no céu tem seu lugar.
Mas
dizem uns que o Amor, mesmo enleado,
sem
se mover, domínio tem firmado
de
cada coisa bela que o Pensar
vai
longe – noutra estrela – procurar.
DEVOÇÃO
O
coração não tem, a que se devotar,
Coisa
maior que ser falésia junto ao mar:
Manter
a curva de uma sóbria posição
Contra
uma eterna repetição.
PASSANDO
INCÓGNITO
É
em vão que se ergue a voz, que se suspira
Sob
o rumor das folhas, que respira:
Que
fazes, entre a sombra secular
Das
ramas, ocupado com luz e ar?
Do
que a modesta orquídea menos sabes,
Feliz
do brilho pouco que lhe cabe,
Que
das folhas que a adornam não é dona,
Cuja
flor para o solo se flexiona.
Por
uma dobra a base lhe arrebatas –
E
pareces pequeno ao pé das matas.
Desprende-se
uma folha e cai, singela,
Sem
trazer o teu nome escrito nela.
Cumpres
tua hora e segues adiante.
E
as matas ficam, seja como for,
Sem
darem pela falta dessa flor
Que
tomaste como um troféu do instante.
(Traduções
de Renato Suttana)
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