[Novembro era metade]
(Ronaldo Braga)
Novembro era metade e a noite engolia as
loucuras de uma lucidez mórbida e consistente. Eu, N. M. F. e L. F. alta
velocidade em um carro bêbado, gritando suas luzes apagadas e parindo
desesperadamente sentidos e vazios. Uma atriz obscena sussurrava carinhos e
quando suas eternas crianças choravam em nosso asfalto, reluzia uma
escuridão possibilidades.
O ronco do motor anunciava liberdade com os
ventos, e uivos e certezas martelavam um Bob Dylan amargura. O ronco das
curvas prenunciava sorrisos e era meia noite e os fantasmas agasalhavam
nossas dúvidas em flores femininas. O volante em desesperos floridos
agarrava as mãos e juntos cantavam versos de uma tristeza amarga e bela. E
em todas as salas feias, a obscena atriz insistia em seu sucesso e brilho de
um mundo eternamente escondido, e sua beleza era uma máscara a sorrir toda
sua maldade e seu corpo em frangalhos era poesia de uma mulher perdida,
revelando brilhos ocos em um ritual de fracasso.
Farol aceso nada mais banal: Um carro a deslizar
pobremente e um olhar não diziam mais nada, só entendiam o desprezo de uma
morte orgulhosa e organizada em paredes frias de amores, já há muito tempo
descaminhados.
Os nossos risos, de uma ironia triste, faziam-nos, caveiras de nós mesmos, e era o silencio nossa conversa alegre. Outros
minutos dentro de um carro triste na noite, e novamente o apagar faróis e a
vida retomava seu posto vigilante e suspenso, e a morte era o remédio e a
salvação. O ronco do motor continuava sua oração e todas as mulheres com
seus cheiros, povoavam uma canção composta por uma nota só: Solidão.
L.F. insistia o caminhar solitário e N.M.F.
sorria crueldades na atriz cansada e feia e cantarolava velhas canções de
morte.
Novembro avançava numa noite que insistia um
continuar lúgubre e no triste deslizar das rodas, ferviam palavras
indizíveis, e para sempre ignoradas. O ronco era a certeza do lugre e
saudades abortavam toda bestialidade.
Romeiros ausentes persistiam suas dores em
nossas viciadas verdades. E para todos os bêbados o mundo era um copo vazio
a gritar socorro por todos os líquidos alcoólicos. E o ronco do motor
acompanhava a rouquidão de um Bob Dylan insistente e anunciava a porta de
mais um bar naquela longa noite de mulheres esquecidas e esforçadas.
A lucidez, em dezenas de cervejas, trocava as
pernas. E os beijos acendiam os faróis de uma estrada por demais infinita. E
então entrar nos esgotos, e beijar os ratos, era apenas uma bela fatalidade.
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