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Nicolau Saião

 

[Novembro era metade]

 

(Ronaldo Braga)

 

Novembro era metade e a noite engolia as loucuras de uma lucidez mórbida e consistente. Eu, N. M. F. e L. F. alta velocidade em um carro bêbado, gritando suas luzes apagadas e parindo desesperadamente sentidos e vazios. Uma atriz obscena sussurrava carinhos e quando suas eternas crianças choravam em nosso asfalto, reluzia uma escuridão possibilidades.

 

O ronco do motor anunciava liberdade com os ventos, e uivos e certezas martelavam um Bob Dylan amargura. O ronco das curvas prenunciava sorrisos e era meia noite e os fantasmas agasalhavam nossas dúvidas em flores femininas. O volante em desesperos floridos agarrava as mãos e juntos cantavam versos de uma tristeza amarga e bela. E em todas as salas feias, a obscena atriz insistia em seu sucesso e brilho de um mundo eternamente escondido, e sua beleza era uma máscara a sorrir toda sua maldade e seu corpo em frangalhos era poesia de uma mulher perdida, revelando brilhos ocos em um ritual de fracasso.

 

Farol aceso nada mais banal: Um carro a deslizar pobremente e um olhar não diziam mais nada, só entendiam o desprezo de uma morte orgulhosa e organizada em paredes frias de amores, já há muito tempo descaminhados.

 

Os nossos risos, de uma ironia triste, faziam-nos, caveiras de nós mesmos, e era o silencio nossa conversa alegre. Outros minutos dentro de um carro triste na noite, e novamente o apagar faróis e a vida retomava seu posto vigilante e suspenso, e a morte era o remédio e a salvação. O ronco do motor continuava sua oração e todas as mulheres com seus cheiros, povoavam uma canção composta por uma nota só: Solidão.

 

L.F. insistia o caminhar solitário e N.M.F. sorria crueldades na atriz cansada e feia e cantarolava velhas canções de morte.

 

Novembro avançava numa noite que insistia um continuar lúgubre e no triste deslizar das rodas, ferviam palavras indizíveis, e para sempre ignoradas. O ronco era a certeza do lugre e saudades abortavam toda bestialidade.

 

Romeiros ausentes persistiam suas dores em nossas viciadas verdades. E para todos os bêbados o mundo era um copo vazio a gritar socorro por todos os líquidos alcoólicos. E o ronco do motor acompanhava a rouquidão de um Bob Dylan insistente e anunciava a porta de mais um bar naquela longa noite de mulheres esquecidas e esforçadas.

 

A lucidez, em dezenas de cervejas, trocava as pernas. E os beijos acendiam os faróis de uma estrada por demais infinita. E então entrar nos esgotos, e beijar os ratos, era apenas uma bela fatalidade.

 

 

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