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Nicolau Saião, Foto (arte digital)

 

Poemas de Orlando Neves

 

 

POEMA

 

A mão imóvel. A luz que me contempla.

É fora de mim que alguém está vivendo.

A duras penas, a mão move-se. Busca

a palavra que sei oculta na página branca.

Mas nem a luz a desenha. A que parte

Irei com o pensamento, se a mão não obedece?

Já o tempo me adoeceu neste tão pouco

que o cérebro dura. A noite é sempre.

Com a palavra que morre, morrem

os meus monstros. Que sombras interrogo

se nenhuma resposta ouço? O quarto é desabrido,

nada ressuscita da memória. A dor

deixa escombros. Nem o fogo lhes dará cor.

 

 

 

POEMA

 

Procurei-me entre as ervas ásperas do inverno

que, nuas, iluminaram o silêncio.

Assim foi que me disseram. Procurei-me entre

os figos das colinas, lendo no seu álcool

o tempo gerado pelo límpido orvalho.

Assim foi que me disseram. Procurei-me entre

os outros para encontrar no corpo a mansidão,

passagem e tributo a uma morte calma.

Assim foi que me disseram. Procurei-me entre

a vastidão das águas – o claro caminho

em que a dor seria um areal de alegria

fugaz. Procurei-me entre as palavras do mundo.

Assim foi que me disseram do calamento

da doce melodia das fontes à noite.

 

(in Diário de estar e ser)

 

 

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