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Jackson Pollock

 

O DESAFIO DO ALÉM

 

(C. L. Moore, A. Merritt, H. P. Lovecraft, Robert E. Howard e Frank Belknap Long)

 

[C. L. Moore]

 

Em meio à névoa do sono, George Campbell abriu os olhos e ficou espiando durante alguns minutos, através da abertura na tenda, para a noite pálida de agosto, erguendo-se apenas o bastante para se perguntar pelo que o teria despertado. Havia nesses ares claros e cortantes das florestas canadenses um soporífico tão potente quanto qualquer droga. Campbell jazeu imóvel por um momento, atravessando de volta, lentamente, as fronteiras deliciosas do sono, consciente de uma agradável fadiga, uma sensação incomum de músculos bem usados – repouso, após a labuta, na noite doce e clara da floresta.

 

Voluptuosamente, enquanto sua mente afundava de novo no esquecimento, ele pensou mais uma vez que três longos meses de liberdade o aguardavam – libertação das cidades e da monotonia, libertação do magistério e da universidade e dos estudantes sem quaisquer resquícios de interesse pela geologia com a qual ele ganhava seu sustento buzinando-a todos os dias em seus ouvidos obstinados. Libertação do...

 

Súbito, a deliciosa sonolência se despedaçou à sua volta. Lá fora, em algum lugar, um som de lata batendo contra lata invadiu sua paz. George Campbell se ergueu de um salto e apanhou a lanterna. Então sorriu e baixou-a outra vez, forçando os olhos através da fraca luminosidade noturna para constatar que, lá fora, um animalzinho negro e anônimo da noite vagueava em meio aos vasilhames caídos. Ele esticou um braço comprido e buscou uma pedra em frente à porta da tenda para jogar. Seus dedos se fecharam em torno de uma pedra grande, e ele recuou a mão no movimento de lançar.

 

Mas nunca a lançou. A coisa que encontrara na noite era bastante estranha. Quadrada, lisa como cristal, obviamente artificial, com as arestas arredondadas. A estranheza das superfícies da rocha em seus dedos era tão notória que ele apanhou de novo a lanterna e acendeu a luz sobre o objeto que tinha nas mãos.

 

Toda a sonolência se esvaiu quando ele observou o que tinha encontrado ao tatear distraidamente na escuridão. Era transparente como cristal de rocha aquele cubo esquisito e polido. Quartzo, sem dúvida alguma, mas não na sua forma hexagonal cristalizada, como é comum. De alguma maneira – ele não podia imaginar o método –, tinha sido esculpida em forma de um cubo perfeito, com as faces desgastadas de cerca de quatro polegadas. Pois estava incrivelmente desgastado. O cristal, bastante duro, tornara-se arredondado até que seus cantos quase desaparecessem e o objeto começasse a assumir os contornos de uma esfera. Eras e eras de desgaste, anos quase incontáveis deviam ter transcorrido sobre aquela coisa estranha e clara.

 

Mas o mais curioso era aquela forma que ele podia entrever obscuramente no coração do cristal; pois incrustado no centro havia um pequeno disco feito de uma substância clara e desconhecida, com alguns caracteres entalhados sobre a superfície que o cristal recobria. Caracteres em forma de cunha, a evocar vagamente a escrita cuneiforme.

 

George Campbell franziu o cenho e, perplexo, observou de perto o pequeno enigma que tinha nas mãos. Como uma coisa daquelas podia ter sido incrustada dentro do puro cristal? Uma lembrança remota de antigas lendas que diziam ser o cristal de quartzo gelo que se solidificara demais a ponto de não poder derreter novamente flutuou em sua mente. Gelo – e caracteres cuneiformes – sim, não tinha esse tipo de escrita se originado entre os sumérios, os quais vieram do norte nos remotíssimos começos da história para se estabelecer no vale da Mesopotâmia primitiva? Então, retomou o controle sobre seus sentidos e sorriu. O quartzo, por certo, tinha se formado nos períodos geológicos mais primários, quando não havia nada em parte alguma além de impactos e rochas empilhadas. O gelo não viria senão dezenas de milhões de anos depois de aquela coisa ter se formado.

 

E, no entanto, aquela escrita... Feita à mão, certamente, embora os caracteres não fossem familiares a não ser pela vaga sugestão das notações cuneiformes. Ou poderia ter havido, no mundo paleozóico, seres capazes de linguagem e em condições de gravar aquelas cunhas intrigantes sobre o disco no centro do quartzo? Ou... Poderia uma coisa daquelas ter caído lá do espaço, como um meteoro, sobre o rochedo informe de um mundo ainda não solidificado? Poderia...

 

Então ele se conteve e sentiu seus ouvidos arderem sob as imprecisões de sua própria imaginação. O silêncio e a solidão e a estranha coisa em suas mãos estavam conspirando para pregar peças em seu senso de realidade. Ele deu de ombros e depositou o cristal na beirada do colchão, apagando em seguida a luz. Talvez a manhã e uma cabeça fresca pudessem trazer-lhe uma resposta para as questões que agora lhe pareciam insolúveis.

 

Mas o sono não veio facilmente. Por uma coisa, ele percebeu, quando apagou a luz: era que o pequeno cubo tinha brilhado por um momento, como se contivesse luz própria, antes de se desvanecer na escuridão circundante. Ou talvez ele estivesse errado. Talvez tivessem sido apenas os seus olhos ofuscados que deram a impressão de ver a luz desaparecer devagar, bruxuleando nas entranhas enigmáticas do objeto com uma persistência esquisita.

 

Ele permaneceu ali, inquieto, por um longo tempo, a revolver e a revolver em sua mente essas perguntas sem resposta. Havia alguma coisa no cubo de cristal que, para além de um passado imensurável – talvez da aurora mesma de toda história –, propunha um desafio que não o deixaria dormir.

 

[A. Merritt]

 

Permaneceu ali, pareceu-lhe, durante horas. Sua mente fora capturada pela luz hesitante, pela luminescência que se mostrara tão relutante em desaparecer. Era como se alguma coisa no coração do cubo tivesse despertado, se mexesse preguiçosamente, se tornasse subitamente alerta... e começasse a observá-lo.

 

Pura fantasia, tudo isso. Ele se agitou, impaciente, e acendeu a luz sobre o relógio. Perto de uma hora; três horas mais, e já seria manhã. O facho baixou e caiu sobre o morno cubo de cristal. Ele o manteve em foco por alguns minutos. Então o tomou e o observou.

 

Não havia dúvidas agora. Quando seus olhos se acostumaram à escuridão, ele viu que o estranho cristal brilhava com diminutas luzes furtivas em seu interior, como se fossem fios de relâmpagos safirinos. Estavam bem no centro e pareceram-lhe provir do disco pálido com suas gravações perturbadoras. E o disco ele mesmo começava a crescer... as marcações mudando de forma... O cubo estava crescendo... Seria uma ilusão gerada pelos pequeninos relâmpagos?...

 

Ouviu um som. Era quase o fantasma de um som, tais como os fantasmas de cordas de harpas tangidas por dedos fantasmais. Ele se curvou mais. Provinha do cubo...

 

Havia um vagido na vegetação rasteira, uma agitação de corpos e um lamento agonizante, tal como o de uma criança que nasce e que logo se cala. Alguma pequena tragédia de selvageria – matador e presa. Ele deu alguns passos em direção ao bulício, mas não pôde ver nada. Tomou de novo a lanterna e iluminou a tenda. Sobre o solo havia uma pálida cintilação azulada. Era o cubo. Ele se abaixou para apanhá-lo; então, obedecendo a um aviso obscuro, retirou de volta a mão.

 

E de novo ele viu: o brilho decaía. Os pequenos raios cor de safira brilhavam intermitentemente, recuando de volta para o disco de onde tinham vindo. Não havia nenhum som.

 

Ele se sentou, observando a luminescência aumentar e diminuir, aumentar e diminuir, mas cada vez se tornando mais turva. Ocorreu-lhe que seriam necessários dois elementos para produzir o fenômeno. O próprio raio elétrico e a sua atenção absorta. Sua mente devia viajar ao longo do brilho, prender-se no coração do cubo, cuja pulsação oscilava, até que... O quê?

 

Ele sentiu um arrepio de vida, como se proveniente do contato com alguma coisa alienígena. Era alienígena, ele sabia, não vinha desta Terra. Não da vida desta Terra. Ele conteve um tremor, apanhou o cubo e o levou para dentro da tenda. Não era quente nem frio; a não ser pelo peso, ele não teria consciência de o estar segurando. Colocou-o sobre a mesa, mantendo o facho da lanterna desviado dele; então foi até a porta da tenda e fechou o cortinado.

 

Retornou à mesa, puxou a cadeira de acampamento, e assestou o facho diretamente sobre o cubo, dirigindo-o o máximo que pôde para o seu centro. Dirigiu toda a sua vontade, toda a sua concentração, por meio dele, enfocando a vontade e a vista sobre o disco tal como fizera com a luz.

 

Como se obedecendo a um comando, os relâmpagos safirinos explodiram. Saltaram do disco para o corpo do cubo de cristal; em seguida ricochetearam de volta, banhando todo o disco e as gravações. De novo estas ultimas começaram a se transformar, mudando, movendo-se, avançando e recuando sob a claridade azul. Não eram mais cuneiformes. Eram coisas – objetos.

 

Ouviu a música murmurante, o dedilhar de cordas de harpa. O som se tornou mais e mais alto, e agora todo o corpo do cubo vibrava ao ritmo delas. As faces do cristal começaram a amolecer, tornando-se nebulosas, como se formadas de uma névoa de diamantes. E o próprio disco estava crescendo – as formas mudando, dividindo-se e multiplicando-se, como se alguma porta tivesse sido aberta e multidões de fantasmas entrassem por elas. Mais e mais brilhante se tornava a pulsação da luz.

 

Ele sentiu um pânico repentino, tentou desviar sua vista e sua vontade, deixou cair a lanterna. O cubo não precisava mais do facho... e ele não podia se esquivar... não podia se esquivar? Ora, ele mesmo estava a ser sugado por aquele disco que era agora um globo dentro do qual dançavam formas inomináveis ao som de uma música que banhava o globo com um brilho constante.

 

Não havia tenda. Havia apenas uma vasta cortina de névoa cintilante atrás da qual refulgia o globo... Ele se sentiu mergulhar na névoa, tragado por ela como por um vento forte – mergulhar diretamente no globo.

 

[H. P. Lovecraft]

 

Quando a luz nevoenta dos sóis azulados se tornou mais intensa, os contornos do globo oscilaram à frente e se dissolveram num caos pululante. Seu palor e seu movimento e sua música – tudo se misturou numa névoa envolvente, dando-lhe uma cor pálida de aço e imprimindo-lhe um movimento ondulante. E os sóis de safira, também, se derreteram imperceptivelmente numa infinidade acinzentada de pulsações disformes.

 

Ao mesmo tempo, a sensação de se mover para a frente e para fora se tornou intolerável, incrível e cosmicamente veloz. Qualquer padrão de velocidade conhecido na Terra pareceria pouco, e Campbell compreendeu que um vôo desses na realidade física significaria morte instantânea para qualquer ser humano. Tal como era – nessa hipnose estranha e infernal de pesadelo –, a impressão quase visual de ser arremessado como um meteoro chegava a paralisar sua mente. Conquanto não houvesse pontos reais de referência no vazio cinzento, pulsante, ele sentiu que estava se aproximando da velocidade da luz e mesmo ultrapassando-a. Finalmente sua consciência sucumbiu, e uma treva benfazeja engoliu tudo.

 

Foi muito subitamente, e em meio à escuridão mais impenetrável, que os pensamentos e as idéias de George Campbell se recompuseram. Quantos momentos ou anos ou eternidades tinham se passado desde sua queda através do vazio cinzento ele não podia estimar. Sabia apenas que parecia estar imóvel e sem dores. Com efeito, a ausência de toda sensação física era a qualidade mais evidente em sua situação. Fazia até a escuridão parecer menos escura e compacta, sugerindo que ele era mais uma inteligência desencarnada num estado para além das sensações físicas do que uma criatura corpórea cujos sentidos tivessem sido privados de seus objetos costumeiros de percepção. Ele podia pensar aguda e rapidamente – quase sobrenaturalmente –, sem no entanto formar qualquer idéia acerca de sua situação.

 

Meio por instinto, reparou que não estava mais em sua tenda. Decerto, devia ter despertado lá de um pesadelo para um mundo igualmente escuro, porém sabia que não era isso. Não havia nenhuma cama de acampamento debaixo dele; ele não tinha mãos para sentir os cobertores ou a superfície da lona – nenhuma abertura através da qual pudesse vislumbrar a noite pálida lá fora... Alguma coisa estava errada, medonhamente errada.

 

Recuando em seus pensamentos, reviu o cubo fluorescente que o tinha hipnotizado e tudo o que se seguira. Compreendera que sua mente estava indo, mas não fora capaz de retornar. No último momento houvera um medo pânico e perturbador, um medo subconsciente para além mesmo daquele causado pela sensação do vôo demoníaco. Tinha vindo de alguma vaga recordação momentânea ou remota – o quê, ele não pôde dizer de imediato. Um grupo de células na parte de trás de sua cabeça parecera descobrir uma qualidade nebulosamente familiar no cubo, e essa familiaridade vinha carregada de um sombrio terror. Agora ele tentava lembrar por que a familiaridade e o terror.

 

Aos poucos lhe ocorreu. Certa vez, há muito tempo, em conexão com seu trabalho de geólogo, lera a respeito de qualquer coisa parecida com esse cubo. Tinha a ver com aqueles discutíveis e inquietantes fragmentos de argila chamados de os Cacos de Eltdown, escavados de estratos pré-carboníferos no sul da Inglaterra havia trinta anos. Sua forma e inscrições eram tão inusitadas que alguns especialistas sugeriram artificialidade, fazendo as mais desvairadas conjeturas acerca de sua origem. Provinham, por certo, de um tempo em que os seres humanos ainda não existiam no globo – mas seus contornos e aspectos eram terrivelmente intrigantes. Foi assim que receberam tal nome.

 

Não foi, contudo, nos escritos de algum cientista sisudo que Campbell vira essa referência a um globo de cristal contendo um disco. A fonte era bem menos respeitável e infinitamente mais vívida. Por volta de 1912 um clérigo de Sussex, profundo conhecedor de assuntos ligados ao ocultismo – o reverendo Arthur Brooke Winters-Hall –, alegara ter identificado as gravações nos Cacos de Eltdown com os assim chamados “hieróglifos pré-humanos” tão insistentemente encarecidos e esotericamente manueseados em certos círculos místicos, e publicara a expensas próprias o que dizia ser uma “tradução” das desconcertantes “inscrições” primais – uma “tradução” ainda freqüente e seriamente citada por escritores ocultistas. Nessa “tradução” – uma brochura surpreendentemente longa se comparada ao número limitado dos “cacos” existentes – é que aparecia a narrativa, de autoria supostamente pré-humana, na qual figurava a presente referência assustadora.

 

Segundo a história, habitava um mundo – e, provavelmente, incontáveis outros mundos – do espaço exterior uma ordem de poderosas criaturas em forma de vermes, cujos conhecimentos e cujo controle da natureza ultrapassavam tudo o que a imaginação terrestre poderia conceber. Bem cedo tinham dominado a arte das viagens interestelares e assim povoaram cada planeta habitável em sua própria galáxia – exterminando as raças que encontravam.

 

Para além dos limites de sua própria galáxia – que não era a nossa – não podiam navegar em pessoa, mas em sua busca de conhecimento através do espaço e do tempo descobriram uma maneira de abrir certos atalhos intergaláticos com suas próprias mentes. Confeccionavam objetos peculiares – cubos estranhamente energizados de um cristal peculiar contendo talismãs hipnóticos e protegidos por envelopes esféricos, resistentes ao espaço, feitos de uma substância desconhecida – que podiam ser expelidos para além dos limites de seu universo e que só reagiriam à atração de matéria sólida e fria.

 

Esses objetos, alguns dos quais pousariam necessariamente em vários mundos habitados nos universos exteriores, formavam as pontes etéreas necessárias para a comunicação mental. A fricção atmosférica incendiaria a cápsula protetora, expondo o cubo e deixando-o sujeito a ser descoberto por mentes inteligentes do mundo onde caísse. Por sua natureza intrínseca, o cubo atrairia e fixaria a atenção. Isso, conjugado com a ação da luz, era suficiente para colocar em ação as suas propriedades especiais.

 

A mente que notasse o cubo seria tragada para dentro dele pela força do disco e seria enviada através de um fio de energia obscura para o lugar de onde o cubo viera, o mundo remoto dos exploradores espaciais em forma de vermes, atravessando estupendos abismos entre as galáxias. Recebida numa das máquinas com a qual o cubo estivesse sintonizado, a mente capturada permaneceria suspensa sem corpo ou sentidos até que fosse examinada por alguém da raça dominadora. Então seria, por um processo obscuro de intercâmbio, esvaziada de todo o seu conteúdo. A mente do explorador poderia agora ocupar a estranha máquina, enquanto a mente cativa ocuparia o corpo vermicular do explorador. Em seguida, num outro intercâmbio, a mente do explorador saltaria através dos espaços ilimitados para o corpo vazio e inconsciente do cativo no mundo transgalático, animando o hospedeiro alienígena na medida do possível e explorando o novo mundo na forma de um de seus naturais.

 

Finda a exploração, o aventureiro usaria o cubo e seu disco para realizar o retorno, e às vezes a mente capturada seria devolvida intacta ao seu mundo distante. Nem sempre, porém, a raça dominadora era tão generosa. Às vezes, quando uma raça potencialmente importante e capaz de realizar viagens espaciais era encontrada, o povo vermicular usaria o cubo para capturar e aniquilar mentes aos milhares e extirparia assim a raça por razões diplomáticas, usando as mentes exploradoras como agentes de destruição.

 

Noutros casos, seções do povo vermicular ocupariam permanentemente o planeta transgalático, destruindo as mentes capturadas e dizimando os habitantes remanescentes em condições de ocupar corpos alienígenas. Nunca, entretanto, poderia a raça mãe ser duplicada em tais casos, desde que o novo planeta não conteria todos os materiais necessários para as realizações do povo vermicular. Os cubos, por exemplos, só podiam ser feitos no planeta lar.

 

Apenas alguns dos inumeráveis cubos lançados chegavam eventualmente a pousar e a encontrar resposta num mundo habitado, desde que não havia tal coisa como direcioná-los para metas além da visão e do conhecimento. Apenas três, dizia a história, teriam alguma vez pousado em mundos habitados deste nosso universo particular. Um deles teria alcançado um planeta na periferia da galáxia há dois milhares de bilhões de anos, enquanto outro aterrissara há três bilhões de anos num mundo próximo ao centro da galáxia. O terceiro – e o único que se sabe ter alguma vez entrado no sistema solar – alcançou nossa própria Terra há certa de cento e cinqüenta milhões de anos.

 

Era principalmente desse último que a “tradução” do doutor Winters-Hall tratava. Quando o cubo atingiu a terra, escreveu ele, a espécie terrestre dominante era uma raça de seres enormes, em forma de cones, que ultrapassavam todas as anteriores ou posteriores em realizações e inteligência. Essa raça era tão avançada que teria de fato enviado mentes ao exterior, através do tempo e do espaço, para explorar o cosmo, tendo tomado consciência do que acontecera quando o cubo caiu do céu e certos indivíduos sofreram transformações mentais ao olharem para ele.

 

Certos de que os indivíduos modificados representavam mentes invasoras, os líderes da raça os destruíram, mesmo ao preço de terem deixado as mentes desalojadas em exílio no espaço alienígena. Haviam tido experiência mesmo com transições mais estranhas. Quando, mediante uma exploração mental do espaço e do tempo, formaram uma idéia aproximada do que era o cubo, eles cuidadosamente isolaram a coisa da luz e da vista, considerando-a uma ameaça. Não quiseram destruir uma coisa tão rica em possibilidades de experimentação posterior. De vez em quando, furtivamente, algum aventureiro afoito e inescrupuloso obteria acesso a ele e testaria seus poderes perigosos, a despeito das conseqüências, mas todos esses casos foram descobertos e tratados com segurança e drasticamente.

 

Dessas intrusões malignas o único resultado mau foi que a distante raça vermicular descobriu, a partir dos novos exilados, o que aconteceu com seus exploradores na Terra e tomaram um ódio violento pelo planeta e por todas as suas formas de vida. E o teriam despovoado, se pudessem, tendo mesmo enviado cubos adicionais através do espaço na esperança malsã de atingi-lo acidentalmente em locais desguarnecidos, mas tal evento jamais aconteceu.

 

As criaturas terrestres em forma de cone mantiveram o único cubo existente guardado num santuário especial, como uma relíquia e uma base para experimentos, até que, depois de eras, ele se perdeu em meio ao caos da guerra e da destruição da grande cidade polar onde era mantido. Quando, há cinqüenta milhões de anos, os seres enviaram suas mentes através do futuro infinito com o intuito de evitar o perigo inominável do interior da terra, o paradeiro do cubo sinistro proveniente do espaço se tornou desconhecido.

 

Tudo isso, de acordo com o erudito ocultista, constava dos Cacos de Eltdown. O que agora tornava o relato tão furtivamente amedrontador para Campbell era a minúcia e a exatidão com que o cubo alienígena fora descrito. Todos os detalhes eram dados: dimensões, consistência, o disco central com os hieróglifos, os efeitos hipnóticos. Enquanto matutava no assunto em meio às trevas de sua estranha situação, começou a se perguntar se toda a sua experiência com o cubo de cristal – de fato, a própria existência do mesmo – não seria apenas um pesadelo despertado por alguma caprichosa lembrança subconsciente dessa velha peça de literatura extravagante e charlatã. Se fosse assim, o pesadelo devia estar em andamento, já que seu presente estado de desincorporação nada tinha de normal.

 

Quanto tempo durou essa rememoração e essa reflexão confusa Campbell não saberia dizer. Tudo em seu estado era tão irreal que as dimensões e mensurações ordinárias se tornaram sem sentido. Pareceu uma eternidade, mas talvez não tivesse demorado tanto, até que aconteceu a primeira e brusca interrupção. O que ocorreu foi tão estranho e inexplicável quanto a escuridão que veio antes. Houve uma sensação – mais da mente do que do corpo –, e subitamente Campbell sentiu que seus pensamentos eram varridos ou sugados, de uma maneira tumultuada e caótica, para fora de seu controle.

 

Lembranças fluíram desordenadas e confusas. Tudo o que ele sabia – todo o seu passado pessoal, tradições, experiências, conhecimento, sonhos, idéias e inspirações – se escoou abruta e simultaneamente, com uma velocidade estonteante e uma abundância que em breve o tornou incapaz de seguir o fio de cada conceito separado. O desfile de todos os seus conteúdos mentais tornou-se uma avalanche, uma cachoeira, um vórtice. Era tão horrível e vertiginoso quanto seu vôo hipnótico através do espaço quando o cubo de cristal o atraiu. Finalmente, esvaziou sua consciência e trouxe o puro esquecimento.

 

Outro vazio imensurável – e então um lento ressurgir das sensações. Desta vez era físico, não mental. Luz azulada, e um som lento e distante. Havia impressões táteis; ele podia sentir que estava deitado sobre alguma coisa, embora houvesse uma atordoadora estranheza no sentimento dessa postura. Ele não podia conciliar a pressão da superfície de apoio com os seus próprios contornos – ou com os contornos de uma forma humana. Tentou mover os braços, mas não obteve resposta definida a essa tentativa. Em vez disso, havia pequenas e ineficazes contrações nervosas por toda a área que parecia ser o seu corpo.

 

Tentou abrir mais os olhos, mas descobriu-se incapaz de controlar o seu mecanismo. A luz azulada chegava de um modo difuso, nebuloso e não podia ser em parte alguma enfocada voluntariamente e com definição. Gradualmente, porém, imagens visuais indecisas e peculiares começaram a se formar. Os limites e características da visão não eram aqueles com os quais estava acostumado, mas ele podia relacionar vagamente a sensação com o que conhecera como sendo a visão. Quando tal sensação atingiu certo grau de estabilidade, Campbell notou que ainda devia estar a viver as agonias de um pesadelo.

 

Parecia estar num cômodo de extensão considerável – de altura mediana, mas com uma área bastante ampla. Em cada face – e era como se ele pudesse ver todas as faces ao mesmo tempo – havia fendas altas e estreitas que sugeriam portas e janelas combinadas. Havia mesas baixas e pedestais singulares, mas nenhuma mobília de natureza ou proporções normais. Através das fendas jorravam cascatas de luz safirina, e para além delas se podiam ver, nebulosamente, as faces e os telhados de edifícios fantásticos parecidos com cubos empilhados. Nas paredes – nos painéis verticais que havia entre as fendas – viam-se estranhas inscrições de caracteres desconhecidos e inquietantes. Demorou um pouco para Campbell descobrir por que o perturbavam tanto – e então ele viu que eram, repetidos em certos aspectos, precisamente iguais a alguns dos hieróglifos do disco no cubo de cristal.

 

O verdadeiro elemento de pesadelo foi, porém, algo mais do que isso. Começou com a coisa viva que de repente entrou por uma das fendas, avançando decididamente em sua direção e segurando uma caixa de metal de proporções bizarras e superfícies vítreas e espelhadas. Pois tal coisa não tinha nada de humana – nada de terrena –, nem mesmo nada de algum mito ou sonho humano. Era um verme ou centopéia gigantesca, de cor cinzenta clara, com a largura de um homem e o comprimento de dois, exibindo uma cabeça em forma de disco, aparentemente destituída de olhos, guarnecida de cílios e com um orifício central avermelhado. Deslizava sobre seus pares de patas traseiras. Ao longo de sua espinha dorsal havia um curioso pente arroxeado e uma cauda em leque formada por um tipo de membrana cinzenta que arrematava o todo grotesco. Havia um anel de pontas vermelhas e flexíveis em torno ao seu pescoço, e das contorções dessas pontas provinham estalidos e zunidos num ritmo medido e deliberado.

 

Aqui, de fato, estava o pesadelo em sua quintessência – a fantasia caprichosa em seu ápice. Mas não foi ainda essa visão de delírio que fez com que George Campbell tombasse outra vez na inconsciência. Houve uma outra coisa – um toque final, insuportável – que o levou a isso. Quando o inominável verme avançou com sua caixa iridescente, o homem deitado captou, na superfície espelhada, um vislumbre do que deveria ser o seu próprio corpo. No entanto – horrivelmente consciente de suas sensações desordenadas e desconhecidas – não era de todo o seu próprio corpo que ele viu refletido no metal polido. Era, em vez disso, o aspecto asqueroso, cinza pálido, de uma das grandes centopéias.

 

[Robert E. Howard e Frank Belknap Long]

 

Desse ultimo mergulho na inconsciência ele emergiu com um entendimento pleno de sua situação. Sua mente estava aprisionada no corpo de um dos amedrontadores nativos do planeta alienígena, enquanto, em alguma parte do outro lado do universo, seu próprio corpo hospedava a personalidade do monstro.

 

Ele teve de superar um terror irracional. Olhada de um ponto de vista cósmico, por que sua metamorfose deveria causar-lhe horror? A vida e a consciência eram as únicas realidades do universo. A forma não importava. Seu corpo atual era hediondo apenas para os padrões terrestres. O medo e a repulsa afogaram-se na excitação de uma aventura titânica.

 

O que era o seu corpo anterior senão um invólucro, que a morte um dia lançaria fora de qualquer maneira? Ele não tinha ilusões sentimentais sobre a vida da qual tinha sido exilado. O que lhe dera ela senão trabalho, pobreza, frustração contínua e repressão? Se esta vida que o aguardava não lhe oferecesse mais, pelo menos não lhe oferecia menos. A intuição lhe dizia que oferecia mais – muito mais.

 

Com a honestidade que se torna possível apenas quando a vida é desnudada até os seus fundamentos, teve consciência de que se lembrava com prazer apenas das delícias físicas de sua vida anterior. Mas há muito ele já havia exaurido todas as possibilidades físicas contidas naquela vida terrena. Esgotaram-se os estímulos da Terra. Mas na impressão deste corpo novo e alienígena ele pressentia as promessas de deleites estranhos e exóticos.

 

Uma exultação selvagem o invadiu. Ele era um homem sem mundo, livre de todas as convenções ou inibições da Terra ou deste planeta estranho, livre no universo de todo recalque artificial. Ele era um deus! Com grande satisfação, pensou em seu velho corpo a se mover entre os negócios e a sociedade na Terra, com um monstro alienígena a olhar através das janelas que eram os olhos de George Campbell para pessoas que fugiriam dele se soubessem.

 

Que ele caminhasse pela Terra e matasse e destruísse à vontade. A Terra e suas raças não tinham mais qualquer significado para George Campbell. Lá ele tinha sido apenas uma entre bilhões de não-entidades, fixada em seu lugar por uma acumulação montanhosa de convenções, leis e costumes, fadada a viver e a morrer em seu sórdido nicho. Mas num salto cego ele se elevara acima da realidade comum. Isto não era a morte, mas um renascimento – o nascimento de uma mentalidade amadurecida, dona de uma liberdade recém-descoberta que pouco se importava com o cativeiro físico em Yekub.

 

Sobressaltou-se. Yekub! Era o nome deste planeta, mas como ele soubera? Então ele sabia, tal como sabia o nome daquele cujo corpo agora ocupava: Tothe. A memória, inscrita profundamente no cérebro de Tothe, brotava nele como sombras do conhecimento que Tothe possuía. Gravadas bem fundo nos tecidos físicos do cérebro, falavam obscuramente, como instintos implantados, a George Cambell, e sua consciência física se apoderava deles e os traduzia para mostrar-lhe o caminho não apenas para a segurança e a liberdade, mas para o poder a que sua alma – lavada de seus impulsos primitivos – aspirava. Não viveria como um escravo em Yekub, mas como um rei! Tal como os bárbaros antigos tinham se sentado no trono de impérios senhoriais.

 

Pela primeira vez voltou sua atenção para os arredores. Ainda estava deitado sobre aquela espécie de colchão no meio daquele cômodo fantástico, e o homem-centopéia estava à sua frente, segurando o objeto de metal polido e estalando as pontas em seu pescoço. Desse modo ele falava, Campbell sabia, compreendendo de algum modo o que era dito, por meio dos processos de pensamento herdados de Tothe, enquanto descobria que a criatura era Yukth, senhor supremo da ciência.

 

Mas Campbell não deu ouvidos, pois tinha feito seu plano desesperado, um plano tão inusitado para os costumes de Yekub que estaria além da compreensão de Yukth, pegando-o totalmente despreparado. Yukth, tal como Campbell, via o fragmento de metal pontiagudo numa mesa próxima, mas para Yukth era apenas um instrumento científico. Sequer sabia que poderia ser usado como uma arma. A mente terrestre de Campbell forneceu o saber e a ação que se seguiu, levando o corpo de Tothe a fazer movimentos que nenhum homem de Yekub jamais fizera antes.

 

Cambell arrebatou a lasca pontuda e atacou, cortando brutalmente para cima. Yukth recuou e tombou; suas entranhas jorraram para o piso. Num instante, Campbell já deslizava para a porta. Sua velocidade era espantosa, exultante, primeiro cumprimento da promessa de novas sensações físicas.

 

Enquanto corria, guiado inteiramente pelo conhecimento instintivo implantado nos reflexos físicos de Tothe, era como se ele fosse sustentado em suas patas por uma consciência particular. O corpo de Tothe o transportava através de uma via que fora percorrida milhares de vezes antes, quando animado pela mente de Tothe.

 

Correu por um corredor sinuoso, subiu por uma escada, atravessou uma porta, e os mesmos instintos que o tinham levado ali lhe diziam que encontrara o que procurava. Descobriu-se num recinto circular, com um teto abobadado do qual jorrava uma luz lívida e azulada. Uma estranha estrutura se erguia no meio do piso de cores irisadas, camada sobre camada, cada qual de uma cor diferente e vívida. A última camada era um cone púrpura, de cujo ápice subia uma névoa azul em direção a uma esfera que pairava no ar – uma esfera que brilhava como se fosse marfim translúcido.

 

Isso, diziam as memórias gravadas de Tothe a Campbell, era o deus de Yekub, conquanto a razão pela qual o povo de Yekub o temia e o reverenciava tivesse sido esquecida há milhões de anos. Um verme-sacerdote se achava entre ele e o altar que nenhuma mão ou carne jamais haviam tocado. Tocá-lo seria uma blasfêmia que nunca, em tempo algum, ocorrera a qualquer habitante de Yekub. O verme-sacerdote jazeu paralisado de horror até que o fragmento de metal de Campbell lhe arrancasse a vida.

 

Com suas pernas de centopéia, Campbell galgou as camadas do altar, indiferente aos seus estremecimentos súbitos, indiferente à transformação que começou a ocorrer na esfera flutuante, indiferente à fumaça que agora se acumulava em nuvens azuis. A sensação de poder o embriagava. Não temia as superstições de Yekub mais do que temia as da terra. Com aquele globo nas mãos, ele se tornaria rei de Yekub. Os homens-vermes não se atreveriam a lhe negar coisa alguma quando se tivesse apoderado de seu deus. Ergueu uma mão até a esfera – não mais da cor de marfim, mas vermelha como sangue...

 

[Frank Belknap Long]

 

O corpo de George Campbell saiu da tenda para a noite pálida de agosto. Movia-se de maneira lenta e trêmula em meio aos vultos de enormes árvores, caminhando por uma senda na floresta recoberta por folhas de pinheiro docemente aromáticas. O ar era seco e frio. O céu era uma tigela invertida de prata gelada, salpicada de pontos brilhantes, e à distância, ao norte, a aurora boreal estendia faixas de fogo.

 

A cabeça do caminhante oscilava grotescamente para um lado e para o outro. Dos cantos de sua boca semiaberta escorriam grossos fios de espuma ambarina, a qual estremecia na brisa noturna. Ele caminhou ereto a princípio, como um homem caminharia, mas gradualmente, à medida que a tenda desapareceu, sua postura se modificou. Seu torso começou quase imperceptivelmente a vergar-se, e seus membros a encurtar.

 

Num distante mundo do espaço exterior, a criatura centípede que era George Campbell estreitava ao peito um deus cuja cor era vermelha como sangue e atravessava, contorcendo-se como um inseto, um salão irisado e, através de maciços portais, saía para a luz brilhante de sóis alienígenas.

 

Perambulando por entre as árvores da Terra numa atitude que sugeriria o trotar de um animal, o corpo de George Campbell se encaminhava para um destino irracional. Longos dedos terminando em garras arrastavam folhas do tapete de olorosas agulhas de pinheiro, enquanto avançava em direção a uma vasta extensão de água iluminada.

 

No distante mundo extragalático do povo de vermes, George Campbell se movia por entre blocos ciclópicos de alvenaria negra, descendo por longas avenidas guarnecidas de samambaias, enquanto segurava o deus vermelho e redondo.

 

Houve um grito áspero de animal em meio à vegetação perto do lago iluminado na Terra, onde a mente de uma criatura vermicular ocupava um corpo que se movia por instinto. Dentes humanos cravaram-se em macio pêlo animal, rasgaram carne de animal preto. Uma pequena raposa prateada meteu suas garras, numa retaliação frenética, num pulso humano coberto de pele e se debateu aterrorizada, enquanto seu sangue jorrava. Lentamente, o corpo de George Campbell se levantou, a boca manchada pelo sangue fresco. Com os membros superiores agitando-se de um modo estranho, caminhou para as águas do lago.

 

Enquanto a criatura multiforme que era George Campbell rastejava por entre os blocos negros de pedra, milhares de formas vermiculares se prostraram na névoa cintilante que o precedia. Um poder divino parecia emanar do seu corpo rastejante quando se movia com um movimento lento e ondulante em direção ao trono de um império espiritual que transcenderia todas os potentados da terra.

 

Um caçador exausto, vagueando por entre as densas florestas da Terra próximo à tenda onde a criatura vermicular ocupara o corpo de George Campbell, veio até as águas iluminadas do lago e discerniu qualquer coisa a boiar ali. Tinha estado perdido na floresta durante toda a noite, e o cansaço já o cobria como uma capa de chumbo sob a luminosidade pálida da lua.

 

Mas a forma era uma provocação que ele não podia ignorar. Achegando-se à margem, ele se ajoelhou sobre o solo úmido e esticou o braço em direção ao volume flutuante. Lentamente, puxou-o para a terra.

 

Ao longe, no espaço infinito, a criatura em forma de verme que segurava o deus brilhante e vermelho subia ao trono que luzia como a constelação de Cassiopéia sob uma abóbada de hiper-sóis. A grande deidade que ele segurava no alto energizava seu corpo vermicular, queimando num fogo branco de espiritualidade ultramundana os últimos vestígios de animalidade.

 

Na Terra, o caçador olhou com horror indizível para a face enegrecida e peluda do afogado. Era uma face bestial, de contornos repulsivamente antropóides, e de sua boca retorcida e deformada escorria uma baba escura.

 

“Aquele que buscou o seu corpo nos abismos do tempo ocupará uma habitação incontrolável”, disse o deus vermelho. “Ninguém que nasceu em Yekub pode dominar o corpo de um humano.

 

“Em toda a Terra, criaturas vivas se submetem umas às outras, e se regalam com indescritível crueldade sobre os seus próprios parentes. Nenhuma mente-verme pode controlar um bestial corpo humano quando este decide se libertar. Apenas as mentes dos homens, instintivamente condicionadas através de dez mil gerações, podem conter os instintos humanos. Seu corpo se destruirá a si mesmo na Terra, buscando o sangue de seus semelhantes, buscando a água fria onde possa chafurdar à vontade – buscando sua eventual destruição, pois o instinto de morte é mais poderoso nele do que os instintos de vida, e se destruirá a si mesmo procurando retornar à lama de onde emergiu.”

 

Assim falou o deus vermelho e redondo de Yekub a George Campbell num longínquo segmento do contínuo espácio-temporal, enquanto este último, purgado de todo desejo humano, se sentou num trono e regeu um império de vermes mais sábia, cordial e bondosamente do que qualquer homem da Terra jamais regeu um império de homens.

 

(Tradução de Renato Suttana)

 

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