PÁSCOA
(Nicolau Saião)
1.Vem dos tempos antigos
a voz desse tempo – antigos para mim, do meu tempo e não da
História: era eu que levava ao forno da padaria do sr.Júlio que
fumava de boquilha e tinha um dente de ouro (padeiro fino, não sei
se me entendem) as latas com os bolos-fintos e as "enxovalhadas" ou
boleimas que a Mãe e a Mana artilhavam com saberes de magas.
Eu não sabia que era
feliz. Só sabia que naqueles dias, naquele tempo de férias da
escola, me davam amêndoas, me davam bolinhos doces, me davam
alegrias, e o Pai até umas suaves moedinhas...
Eu não sabia que era
feliz – e na sexta-feira às 3 da tarde soava o apito da fábrica e
isso assinalava que alguém, há muito tempo, morrera de morte triste
numa terra do Oriente. E sentia-se um estranho silêncio enquanto o
apito soava. E eu sentia um frémito porque eu gostava desse alguém
que há muito tempo morrera – sem me preocupar se ele era isto ou
aquilo.
Era um estremecimento,
digamos um abraço solidário que ia de mim para ele, porque eu era
criança. Ou seja: tinha tantos séculos!
E não sabia, nessa
altura, muitas coisas – só um poucochinho, um poucochinho mais do
que sei hoje.
2. Ao longe a serra, ao
longe como os tempos que passaram. Tempos de páscoa, serras de
páscoa, recordações de momentos que depois preencheriam dias e
lembranças.
Amêndoas, bolos desta
terra e daquela, festarolas tradicionais? Sim, isso tudo. E o mais
que a emoção dá, que é ir-se vivendo com um resto de inocência e de
fraternidade vital. Dentro de nós, fora de nós: para nós e para os
outros – que também tiveram/terão seu tempo de maravilhamento.
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