O Caso Rubens Pillegi
(Nicolau Saião)
Foi-me comunicado via Net o seguinte: na
localidade brasileira de Londrina foi efectuada uma acção artística
constituída por exposições de pintura, declamação de poemas e
performances. Numa delas o artista Rubens Pillegi, tendo como
referentes o corpo e o vestuário, expôs diversas peças de roupa
engessadas e, como corolário, foi tirando paulatinamente a sua
indumentária até ficar nu.
Foi de imediato detido e acusado de
atentado ao pudor e pornografia. Será julgado dentro de dias,
correndo o risco de ser condenado a um ano (!) de prisão.
Passa-se isto no país do mensalão.
Porque me foi pedido, elaborei o
seguinte texto, que lhe envio.
Escrevi-o porque aquele disparate - que
pode terminar com o encarceramento duma pessoa - feriu o meu sentido
da justiça e daquilo que creio ser o bom senso.
Eis o texto:
A nudez tem um sinal de transfiguração
religiosa. Religião vem de religare, que significa tornar a ligar. E
a ligar o quê? O que, naturalmente, foi separado. Por entidades,
pela natureza. Sim, mas fundamentalmente pelo mito que se dá como
fundacional.
Assim sendo, a figura central da maior
religião de re-ligação, a religião cristã e católica, é um corpo nu,
o corpo de Jesus, o Cristo. Nu quando nasce e é exposto no Presépio,
nu enquanto é baptizado no Jordão por João Baptista, nu quando na
cruz expia a condenação a que foi submetido pelo poder enroupado (a
roupa do sumo-sacerdote Kaiphás é decisiva e caracterizadora do
poder de facto) judaico-romano.
Torturado na cruz, morto em estado de
nudez (embora nos ícones apareça com uma faixa de tecido que lhe
tapa as partes pudendas para que o beatério não se sinta afrontado)
Cristo desce ao sepulcro e aí permanece envolto num lençol de linho
cru até dali ser resgatado pelos dois anjos do Senhor que o retiram
nu do mausoléu para depois o cobrirem com um manto não conspurcado
pela morte.
Nu no seu corpo divino e humano,
igualmente se nos apresenta nu - ou seja, despido - de mentiras, de
preconceitos, de hipocrisias e de cizânias enquanto ser de espírito
e de intelecto, logo de razão que vai além da desrazão que
constituíra o suplício, a Paixão.
Nesta perspectiva, o ódio que os
manipulados pela hierarquia e os próceres dessa mesma Hierarquia
manifestam pelo corpo nu do Homem (e Cristo foi Deus mas também
Homem) só pode ser de origem satânica, relapsa, infra-universal,
contrária ao lema de Cristo e à sua mensagem sublime de bondade, de
paz e de concórdia.
Nesta perspectiva, ao traçar estas
linhas em vista a exautorar os que o prenderam e o buscam condenar,
exprimo o meu repúdio por esses manejos autoritários e o meu apoio a
Rubens Pillegi.
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