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Nicolau Saião, Homenagem ao Brasil (arte digital)

 

POR SU GRACIA

 

(Nicolau Saião)

 

Juanito Valderrama ergue a voz e solta o seu cante grande. E abrem-se os céus. Os céus de Sevilha, entre renques de laranjeiras, entre os odores do Verão, ao pé da sombra da Giralda, ao pé da Catedral a propósito da qual o cardeal Pedralva disse: “Faremos uma igreja tão imponente que os vindouros dirão que estávamos todos loucos!”

 

Canta Juanito em criança e canta depois de velho. Gitano dos pés à cabeça, voz de plata policromada, canta “Las carretas del rocio”, “La rosa cautiva”, “La hija de Juan Simón”… Canta e no seu canto vibra o amor e a morte, o desespero e a mais funda alegria, o vigor e a altivez e a simplicidade varonil de um povo de pessoas e não de números. E com ele cantam, sem cantarem com ele, Pedro Martin, o “Chato de las vendas” que morreu de desgosto duas horas depois de saber, durante a guerra civil, que o iam fuzilar. E Jimenez Rejano, e os irmãos Montoya, e Paco de Lucia com a sua guitarra trágica e poética. E a Niña de la Puebla, que canta aquela que é provavelmente a mais bela canção de amor já feita pela tradição popular e pelo génio desse povo: a comovente, exaltante, lírica e desgarradora “Campanilleros en los pueblos de mi Andalucia”.

 

Mas canta também o maestro Pepe Marchena, de grave e doce voz de hombre y caballero. E o Niño de Penarrubia, essa fonte de pura água andaluza. E os anónimos dos tascos, do “venga vino”, os azeitoneiros de Jaén, os “niños del mar” de Almeria, os minericos de Linares e Cartagena. E cantam o quê?

 

Os fandanguillos, as alegrias, as seguidillas e as campanilleras do flamenco – que é a meu ver a maior invenção musical já feita pelo povo. E onde ressoa a dignidade, a paciência, os momentos de fruição dessas gentes anónimas e pobres – mas tão ricas! – esses “gitanos de aristocrácia/ cantaores de cante grande/ flamenco en sus quatro ramas” que souberam erguer a face entre os solavancos do tempo e os volteios das cordas das guitarras.

 

Juanito Valderrama… Hombre! Toma mi pañuelo blanco para limpiarte la cara!

 

 

Nota – Escrito após ter sabido do falecimento de Don Juan Valderrama (29 Fev.2004), que na História ficará conhecido por Juanito, expressa o meu profundo desgosto pela morte de um dos maiores artistas do Mundo – que tanto admirava – cujas canções de há anos me acompanham nos bons e nos maus momentos. Mediante este texto, curvo-me comovidamente ante a memória do mestre. Que viva siempre!

 

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