O
VENTO
“O
vento, diz um deles
e
sorri”
(in Flauta de Pan)
No
começo era o vento:
o
vento da chuva, o vento do sol
o
vento só vento ou não mais do que um sopro
na
cara no corpo ou
à esquina das casas
O
vento das palavras e o vento que se lembra
ou
que se esquece e
nos faz pensar
em
manhãs de vento, do vento que vem
de
noite e atormenta
e
nos rouba de súbito
todas
as memórias, todos os minutos.
Vento
das
árvores e dos desejos
vento
vulgar vento da
solidão
agora
já só vento de vazios ou de presenças idas
vento
duma ave que passa
vento
duma voz que já se não ouve
vento
que se ouve ao longe
vento
dos anos vento
nas mãos que se não tocam
vento
de tudo o que morreu.
Vento
que não existe
que
nunca existirá
vento
das folhas que ondeiam no ar
vento
das folhas dos livros nunca escritos
vento
que pára de repente e cresce em nossa volta
e
nos ensina os pontos cardeais
e
nos faz erguer o rosto e olhar o horizonte
vento
de coisas ao vento de
momentos tão nossos
vento
do mar na nossa cabeça inclinada.
Vento
que sabe nascer nas florestas
nos
desertos e nas ruelas
vento
que sabe matar nas cidades
vento
que corre em todo o tempo
em todo o mundo
vento
que é só remorso
só
um sinal
só
o sinal que jamais tivemos
de
vento que rola no nosso perfil desfeito.
(in
Antologia sobre o vento)
|