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            INSÔNIA 
             
            
             
            A
            Lolita Walter 
              
            Assovio
            de boêmio errante 
            rasga
            o ventre de noite insone, 
            assovio
            de metal selvagem 
            passeia
            em horas de cinzas 
            pelos
            postes vigilantes – 
            guardiões
            de toda vida 
            condenada
            a morrer 
            nas
            madrugadas. 
             
            
             
            Assovio
            de boêmio, em vagas, 
            ondas
            na vigília dos que oram, 
            esperam,
            desesperam-se. 
            Assovio
            como um trem 
            no
            sonho já puído 
            de
            vidas a cumprirem-se 
            em
            manso percorrer de idades. 
             
            
             
            Assovio
            como um tambor – 
            percutindo
            na história 
            de
            um perdido amor, 
            uma
            perdida glória, 
            vidas
            melancólicas. 
            Assovio
            como guindaste 
            recolhendo
            as sobras 
            de
            um dia já perdido. 
             
            
             
            Gargalhada,
            agora, nesta noite, 
            soluçando
            no assovio 
            do
            boêmio errante, 
            irmão
            das ruas curvas, 
            das
            figuras de sombra, 
            das
            visões, adeuses. 
             
            
             
            Ó
            subúrbio encantado da memória, 
            trazei-me,
            de volta, o meu amor. 
              
              
              
            FÁBULA 
              
            Eu
            sou a boca, 
            e
            o mundo passa, 
            sem
            pressa, 
            entre
            meus dentes. 
             
            
             
            Lobo
            cresci, 
            e
            de voracidade 
            excedi
            o mundo 
            (perdi
            o mundo). 
             
            
             
            Lobo
            cresci nos montes, 
            e
            como esquecer 
            o
            silêncio, 
            a
            tocaia? 
             
            
             
                                                           
            De lobo, a solidão, 
            o
            repúdio, 
            o
            noturno gemido. 
             
            
             
            De
            lobo, a ânsia 
            das
            águas virgens, 
            essa
            gula. 
             
            
             
            De
            lobo, a fome 
            no
            estômago medroso 
            das
            horas. 
             
            
             
            De
            lobo, a maldade 
            suicida 
            (morte
            do lobo, 
            a
            saciedade). 
              
            A
            fauce guarda 
            a
            forma do lábio. 
            O
            beijo 
            não
            murchará para sempre. 
              
              
              
            Inéditos
            de COITA DE AMOR
            (2003-2004). 
              
              
            SONETO
            DE COITA DE AMOR 
            (Ditado
            por um cavaleiro à sua amada distraída em despetalar uma rosa) 
              
            A
            rosa, palpitando em meus dentes, ornasse 
            a
            cortina mais densa de brasa em meus beijos! 
            Mas,
            escrínio e mudez, tu te envolves em seda, 
            enquanto,
            com a cravelha, procuro o cadeado. 
             
            
             
            Imagino
            em minha boca o sabor mais desperto, 
            engrossando
            minha febre, num alcance de enlevo 
            –
            melhor é deslembrar esse enlace gozoso, 
            e
            bebê-lo no dia, a pascer horizontes. 
             
            
             
            Te
            imagino no leito, sonho ou devaneio, 
            eu,
            besta grave e lenta, libando teu peito, 
            para
            te oferecer cascatas de deleite. 
             
            
             
            Mas
            que importa! Rasguei, em incalculáveis horas, 
            com
            o desejo em fervor de adentrar a tua cona, 
            a
            concha de tua mão, roçando a língua morna. 
              
              
              
            O
            NOVO TORSO DE APOLO 
              
            Eu
            só vi tua cabeça e a percebi inteira. 
            Quando
            as pupilas amadureciam, eu vi 
            teu
            torso a brilhar mais do que uma tocha acesa, 
            na
            qual o teu olhar, de si mesmo saído 
             
            
             
            detém-se
            e reverbera. Ou então não poderia 
            teu
            mamilo cegar-me, e nem a doce curva 
            dos
            rins teria mãos de abrir o meu sorriso 
            até
            este teu centro, donde o sexo uiva. 
             
            
             
            Diversa
            vejo a carne densa e inaugurada 
            sob
            a curva de seda – nos ombros, a imagem. 
            Meu
            ser não fremiria, na pele selvagem, 
             
            
             
            e
            nem te deixarias além de suas raias 
            qual
            astro que se mira – nele não há quina 
            que
            não me toque, lenta, e diga: dá-me a vida! 
              
              
              
            SONETO
            DA PREMONIÇÃO 
              
            A
            ciência de saber que a vida segue 
            não
            diminui a dor de te perder. 
            Foste
            tu que bateste à minha porta, 
            abri-a
            par a par, e sem temer. 
             
            
             
            Entraste
            deslumbrado, eu, generosa - 
            vivera
            mais que tu, sempre a me ter, 
            doesse
            a corda louca e uivasse a rosa, 
            eu
            me esmerava em ser como mais ser. 
             
            
             
            Sei
            que um dia essa febre vai passar, 
            e
            vou lavar meu corpo com cuidado, 
            apagando
            o roteiro do desejo. 
             
            
             
            Espera
            e agora escuta: há um alarme no ar. 
            Em
            nossa porta, foi estilhaçado 
            o
            cadeado azul de nosso beijo. 
              
              
              
            SONETO
            DO PROJETO DA SEMANA 
              
            Não
            te perturbe a dor, pois o destino 
            impõe
            seu bem em tudo ao que convida 
            o
            nosso amor. Quero-te mais que a vida 
            e
            se assim não sentira, fora indigna 
             
            
             
            de
            percorrer os dias da semana 
            amando-te
            sem trégua, eu, menina, 
            no
            teu peito estelar, sou diamantina, 
            comungando
            teu corpo em nossa cama. 
             
            
             
            O
            meu amor por ti é um breviário, 
            se
            toma-nos o tempo em sua frágua 
            nós
            esquecemos sempre, mas sem mágoa. 
             
            
             
            O
            teu contentamento é o meu fadário: 
            de
            meu amor tu és milionário. 
            Se
            tu és minha sede, sou tua água. 
              
              
              
            4.
            QUINTA-FEIRA 
              
            Corpo
            meu tão gentil, minha alma ardia, 
            viajando
            em teu mastro – n’ alma o vejo, 
            e
            mantenho minha flama: é meu desejo, 
            conservar
            a tua luz lume em meus dias. 
             
            
             
            Ao
            mirar o teu sono, se esbraseiam, 
            o
            meu corpo e a minh’ alma, e é tão sobeja 
            a
            impaciência a singrar por teu beijo 
            em
            naves de paixão – que se encandeia, 
             
            
             
            presa,
            minha vida – em uma só cadeia! 
            Ditosa
            aquela sina, que se atreve 
            a
            apagar ardentias e tormentos 
             
            
             
            em
            momentos que a tinta não transcreve! 
            Possuem-me,
            Senhor, teus elementos, 
            enquanto
            gelo em fogo e fuljo em neve. 
              
              
              
            TRÊS
            POEMAS COLHIDOS DO AGORA 
              
              
            1.
            A INQUIETANTE TRANSILVÂNIA 
              
            Há
            caminhos de perder, 
            caminhos
            a se perderem. 
            Ser,
            no inquietante ser, 
            o
            meio. 
             
            
             
            Há
            paisagens por se abrirem, 
            paisagens
            por descobrirem 
            do
            gesto fugaz, temível, 
            o
            nexo. 
             
            
             
            Há
            felinos na retina, 
            e
            asma esgarçando o peito, 
            agoniza
            em turvo ar, 
            um
            vulto. 
             
            
             
            Há
            dançarinos e tangos, 
            vampiros
            sorvendo o sumo 
            de
            uma artéria adormecida, 
            sem
            pulso. 
             
            
             
            Há
            fileiras de canções, 
            vozes
            crescendo em rumor, 
            mas
            não se avista de quem, 
            o
            grito. 
              
              
            2.
            PÁSSARO NO ESCURO 
              
            Passavam
            multidões 
            no
            olho entrecerrado, 
            e
            um punhal se abatia 
            e
            uma estrela transida. 
             
            
             
            Desdobravam-se
            filas 
            de
            aboio inumerável, 
            e
            os rebanhos pastavam 
            o
            segredo mais doce. 
             
            
             
            Houvera
            uma cancela, 
            uma
            cantiga nela, 
            e
            o córrego corria 
            aos
            pés de vento acesos. 
             
            
             
            Havia
            um mastro, e vela, 
            singrando
            mares élates, 
            e
            a âncora caía 
            na
            areia agora muda. 
             
            
             
            Disseminavam-se
            sons 
            rasgando
            a hora antiga, 
            e
            uma adaga fria cortava 
            os
            pulsos do domingo. 
             
            
             
            Caiu
            uma pedra turva 
            na
            limpidez do lago, 
            e
            um triste olho do pássaro 
            minou
            linfa plangendo. 
             
            
             
            Os
            olhos só fitaram, 
            brunidos
            na vigília, 
            o
            peitoral das trevas 
            e
            aquela ave suspensa. 
             
            
             
             
            
             
            3.
            CANTIGA 
              
            As
            asas de um beija-flor, 
            no
            jardim veloz das horas, 
            descerrou
            a face estrema 
            com
            seu sorriso de apelos, 
             
            
             
            distendido
            na asa tarda 
            da
            ave de brisa endormida, 
            colhido
            no hálito fresco 
            do
            amor e de seu segredo. 
             
            
             
            Corola
            de passarinhos, 
            em
            nuanças de ouro e seda, 
            distendia
            um beijo meigo 
            e
            instalava um só convite. 
             
            
             
            O
            rosto amado se esmera, 
            por
            entre a cerração verde, 
            meio
            a fila de lanternas 
            nas
            luzes de um dia ameno. 
             
            
             
            Quando
            a ave move suas asas, 
            já
            se assentou o mistério, 
            do
            coração, da plumagem, 
            e
            das mãos, só de sossego. 
              
              
              
            POEMAS
            DE AMOR NÃO SÃO SEMPRE RIDÍCULOS 
              
            ...ao
            revés, céleres e imantados, 
            persistem, insistindo, na voz 
            de
            quem os decifre 
            do
            coração da vida 
            demorado, 
            tarde
            da noite, 
            ou
            em clara madrugada 
            de
            êxtase, 
            de
            onde continuam 
            a
            ditar mais palavras 
            de
            mais um poema, 
            um
            poema, 
            antes
            que a noite se instale, 
            e
            o desolamento. 
              
             
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