POEMAS DE MIGUEL CARNEIRO
PERNAMBUCANAMENTE
Eu quero me
pernambucar
andar por Olinda
para ver o Homem da
Meia-Noite desfilar
caminhar pela Rua
da Aurora
onde aquela morena
ficou a me esperar
ir no sebo do
Brandão
correr tudo que é
estação
e procurar a
primeira edição
de Bandeira, Carlos
Pena e Jomar
Eu quero me
pernambucar
cair na bagaceira
até o Galo da
Madrugada passar
procurar pelos meus
parentes
os Carneiros Leão
que vivem por lá
Pedir a Lia
que me cante uma
ciranda de Baracho
e uma outra da Ilha
de Itamaracá
vou conhecer o
filho de Samico
dar um pulo em
Bezerros
para ver J. Borges
me desenhar
Eu quero é me
pernambucar
quero revisitar
Miguel Arraes de Alencar
que governou a
contragosto dos militar
vou passear por
Cabrobó, Tacaratu, Orocó,
Carnaubeira, Penha,
Itacuruba,
Afogados de
Ingazeira, Exu, Inajá
vou até Limoeiro,
Lagoa do Ouro,
Santa Maria do
Cambucá
Vou pedir a Luiz
para me cantar um
baião,
aquele de José
Dantas
e viisitar
Tamandaré, Cacimba do Padre,
Morro do Pico,
Coroa do Avião,
vou zanzar pela
Zona da Mata,
pelo o Agreste e
pelo Sertão
Quero reler
Avalovara,
vou mudar a minha
cara
quero dançar com os
índios Kapinawá,
Pankararu, Xucuru,
Truxá
Quero viver em
Pernambuco
Quero me
pernambucar
Recordar Gregório
Bezerra
rumar pra Serrita
e beijar Dom Hélder
para eu poder me
humanizar
Quero viver em
Pernambuco
Quero, quero me
pernambucar
Folha Corrida
Deus criou o mundo em sete dias
e descansou no domingo
enfiando o pé na jaca
Ninguém é de ferro!
De curvas nasceu o homem
da costela amiga de Eva
minha irmã
segundo dizem
que peregrinava sozinha
pelo paraíso sem um Adão
Sou um torto
chamam-me até de malandrão
Sou um torto
torto por convicção
Se certo fosse
enfartado já estaria
em meio a tanta esculhambação
Preferi ser torto
vagabundo por profissão
Faço da literatura
minha tábua de salvação
Não me botem peia
pois não carrego maldade em meu coração
Não costumo ir a vossa porta
esmolar um naco de pão
Deixe-me com minhas migalhas
Eu nunca suportei patrão
Se o meu verso te incomoda
não leia
vá louvar os medalhão!
Eu sou torto, vagabundo e malandrão
Porém, nunca fui
e meu pai me ensinou
a jamais ser um ladrão
Sou um poeta
de longínquo sertão
TRIBUTO A UMA DIVA DO TEATRO BAIANO
Para Nilda,
com carinho.
Quando Martin Gonçalves, a chamado de Edgar Santos,
fundou a Escola de Teatro, Nilda Spencer estava lá,
contracenando com Maria Fernanda e Sérgio Cardoso.
Nilda, mãos delicadas, na moldura da ternura,
chuva fina que molha nossos telhados em lembrança,
gestos nobres num Palco iluminado.
Platéias, de pé, ovacionando-a.
Menino, com quatorze anos,
freqüentei as suas aulas de Dicção,
na tarde colorida daquele inesquecível verão.
Minha voz foi ficando sem cisco,
sem gôgo, sem atropelação.
Nilda, na memória,
doce, educada,
presente no território de meu coração.
Revejo, então, Adelino na Portaria,
Josito fumando na cabine de luz.
Corro os olhos,
Tia Lilia está moldando uma vestimenta,
Tia Cota na cantina envolta de flores de papel crepom amarelo.
Vejo minha Tia Cleusa,
decidida passando banho de Água de Alevante,
Procuro por João,
bigode aço,
me livrando dos fuxicos,
da intromissão.
Vejo os dois leões,
Nilda, Nilda naquela tarde...
Sempre cheirosa,
irradiando alegria,
pura emoção.
HÁ UM CORPO EM CHAMAS DE UM HOMEM NO
PANTANAL MATOGROSSENSE
Em memória de Francisco Anselmo Gomes
de Barros, “Francelmo”
Domingo,
dia que Deus descansou depois da labuta
após criar o mundo:
de céus, planetas, terra, rios, mares,
bichos, plantas e o homem sobre a face
da terra.
Em Campo Grande,
Iracema Sampaio
chora.
Dom Pedro Casaldáliga
ora.
Manuel de Barros
procura sentidos nesse gesto.
Almir Sáter e João Bá
se perguntam
porque o Tuiuiú está em silêncio?
Na Bahia,
meu avô, Augusto Asclepíades, diria:
“O mundo termina em fogo.”
Mas, não durmo,
e minha mão arde,
nessa lembrança de fogaréu.
Por que, heim, Anselmo,
foste tão glorioso na tua própria
coivara?
Eu, sei,
Sabino Alves Sampaio
está perplexo diante das labaredas.
Há em mim
essa vontade incomensurável
de te enviar para te salvar:
caminhões de “Paraqueimol”.
Os peixes ainda conversam,
falando de tua história.
São tambaquis, piranhas
na mansidão dos igarapés,
entre garças e jacarés.
O Bugre te louva.
E até penso
que o povo de Mato Grosso,
de Tocantins,
do Pará,
fazem de tua chama,
luzeiro de um novo tempo
que se descortinará.
Nós,
ficamos por aqui,
doidos de dores.
Enquanto
Tu queimas numa praça de Campo Grande,
eu peço ao Cão,
que pare com toda essa devastação.
14/11/2005
BALANCETE
Sou um homem carregado de tragédias,
que enxerga no tempo sinais
anunciadores.
Numa época em que Deus
se acha ausente na maioria dos corações.
Vivi dolorosas quadras,
em que dizer a Verdade,
incomodava muita gente.
E, no entanto,
sobrevivi.
Em meu peito sempre pulsou:
Fraternidade, justiça e amor.
Se algum dia
falarem de mim,
digam apenas:
"Foi um poeta que por aqui passou".
PSALMO 666
Pássaros de fogo
acossados neste seu torpor
com o fio da ira
encaibrando os cérebros
são daqueles que vomitam nos bares
e beijam a parceira
com o dernier bafo colonizador
sonham com currais de fêmeas
de vulvas abertas
na espera do mergulho abrasador
Pássaros de fogo
estonteados e submissos
de olhar de cachorro arruinado
com seus sentimentos de livros
catalogados e despersonificados
pela grande selva babilônica
galgam patamares escrotos
numa época em que as classes
são binárias e revogáveis
e se digladiam:
ricos e fodidos
Pássaros de fogo
de hálito mênstruo
é o frescor dessa geração insana
e sem rumo.
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