PARA EMBALAR KZÉ
EM SEU DELÍRIO NOTURNO
Em memória de José Narciso de Magalhães Carvalho Moraes Filho,
ZECA DE MAGALHÃES (1959-2007)
“Aliás não temos aqui cidade permanente, vamos em busca da
futura.” Hebreus, 13-15.
Numa sexta-feira,
em Pindorama,
quando a folia momesca,
reinava na velha província da Baía de Todos os Santos e Inevitáveis
Demônios.
Entre a cana,
o colosso dos camarotes da Barra
e a falsa alegria,
e o Tempo com sua traíragem,
que resolveu te tirar de campo,
te descendo do telhado.
Deixou os teus,
órfãos de tua amizade
e de tua poesia.
Não era ainda
nem segundo tempo,
e nem havíamos ganhado o jogo.
Mas,
em memória de ti,
poeta leminskiano,
abominador da mediocridade poética baiana de igrejinhas e confrarias
cafonas.
Não recolheremos nossas bandeiras,
nem meteremos nossos rabos entre as pernas,
nem ficaremos desiludidos,
nem abaixaremos nossas frontes
para os chacais da palavra.
Ficamos,sim,
aqui,
todos os teus,
que te foram ternos,
passando uma chuva
com teu verso clandestino na memória
e aquela certeza absoluta
que a tua luta
não foi em vão.
Ficaram poucos...
Mas teu nome, Narciso,
será sempre eterno em meu coração.
25/02/2007
PRELAZIA DE SÃO FÉLIX DO
ARAGUAIA
(Miguel Carneiro)
Dedicado ao meu irmão Pedro
Casaldáliga Plá
Corro os olhos no trecho
a procura de santos
profetas e peregrinos
que me ajudem a romper
esses tempos de desolamento
mas meus olhos encharcados de lágrimas
enxergam apenas
Dom Pedro Casaldáliga!
Então
rememoro o seu anel de urucum,
o báculo borduna de um guerreiro do
Xingu.
Beijo daqui da Bahia
as suas mãos limpas
puras
como um diamante cravejado em meu peito
de menino velho.
E o seu verso
me surge na memória:
“Eu
e tu, Araguaia,
somos um tempo só.”
Em Ribeirão Cascalheira,
junto ao Santuário dos Mártires da
Caminhada,
há 30 anos jaz o Mártir
Pe. João Bosco Penido Burnier...
Indo assim tangendo quadras,
de garças brancas colorindo a paisagem
e um tuiuiú baleado no peito
Pedro Casaldáliga,
segue
meu Poeta Irmão
pelos caminhos de São Félix
zanzando nos caminhos do mundo,
brada:
“Tudo é relativo
menos Deus e a fome.”
Dando testa a tantos grileiros
a inúmeros
madeireiros
essa gente covarde
acostumada a manter seus latifúndios
e as capitanias hereditárias
de seus crimes e servidão
parasitando o suor do Bugre,
do Nordestino,
do Lascado,
nesse fim de mundo
com suas fazendas enlameadas de
escravidão.
Dom Pedro
em sentinela
abominando toda esta exploração.
As terras indígenas nunca demarcadas
a burocracia emperrando
e os seus guerreiros na mata em
desolação.
“E os rios,
estes rios outrora preservados na
inocência,
cruzados pela lua e os pássaros e o
vento,
rios de paz, de peixes, de livre
liberdade,
agora profanados...
Araguaia, punido Berocá!
Xavantino aramado!
Tapirapé enlameado de turismo...”
Pedro de pé
sem abaixar a cabeça jamais
proclamando o Evangelho da Libertação
nesses tempos de pouca fé
de corações embrutecidos
pela sanha do lucro
Pedro Santo
canonizado em meu coração
Pedro Profeta
no deserto de sua Pregação
Pedro Peregrino
com seu rebanho de boa lã
Pedro Poeta
meu irmão Catalão.
Verão de 2007, Bahia de Todos os
Santos.
Nota: A propósito desse poema,
Dom Pedro Casaldáliga enviou ao poeta Miguel Carneiro a seguinte
mensagem:
"Querido
Miguel,
você é um
coração generoso e Bahia ajuda... Obrigado pelo seu poema que
equivale a um longo abraço de carinho e solidariedade. Seguiremos
unidos nas lutas e nas esperanças do Reino de Deus que é o Reino dos
pobres.
Um abraço
de fraterna comunhão e a caminhada continua.
Pedro
Casaldáliga
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