A LENDA NAGÔ DOS
AFOXÉS*
(Miguel Carneiro)
Para Antônio Jorge Victor
dos Santos, meu irmão Godi, companheiro de antigos
caminhos
De Lagos
eu vim seu moço
para desfilar com meu cortejo
no carnaval da Bahia.
Sou nagô
e me acho em perfeito
juízo.
Declaro
que sou natural da Costa
d'África
onde o Patacho Aliança ficou
de quarentena
com meus irmãos
insepultos no mar
em viagem de quarenta dias
sem ninguém poder descansar.
E, de lá,
o comerciante africano
José Fortunato da Cunha
nos trouxe para acalentar
entre tantas lembranças:
três tabaques,
uma caixinha de pinho com
quinhentos e tantos obis,
uma galinha-da-costa,
além de 60 panos pra nos
cubrir.
Não sei minha idade nem
filiação.
Vim num tumbeiro
penando
sofrendo toda sorte de
humilhação
muitos malungos de corpo
escalifado
na proa da embarcação.
Fui
fui sim
uma das inúmeras vítimas
do crime hediondo da
escravidão.
Na Cidade da Bahia, em 1895,
por ocasião do carnaval
não havia blocos de negros.
Havia as ordens do chefe de
polícia
Domingos Guimarães
que proibia toda
manifestação.
Foi quando Marcos Carpinteiro
Axogum
de um terreiro de candomblé
situado no Engenho Velho
ao lado de outros companheiros
de profissão
Saturnino Gomes
Quintiliano Macário
Cornélio de Pedroso
e Esterico da Conceição.
Fundaram o “Afoxé
Embaixada Africana”
que desfilou pela Baixa dos
Sapateiros,
Barroquinha, Pelourinho e
Taboão.
Nascia ali, seu moço,
os Afoxés da Bahia
para revelar para um povo
que também aqui vivia
que apesar do sofrimento
no Nagô inda restava a
alegria.
África trazida à cena
carnavalesca
tinha como personagem
principal
caricatura de rei etíope
Menelik
em sua completa representação.
África que se exibia
fragmentada,
longe de sua origem.
Naquele Afoxê se tocava
xeré,
adjá, batás, ilu,
batacotô, afofié.
“Burokô obá ibô
Burokô obá ibô
Burokô obá orum
Burokô baba omo
O n’ilê o o”.
Veio o Afoxé “Pândegos
d'África”
fundado por Bibiano Cupim,
Silvério Antônio de Carvalho
e Juvenal Luiz Souto.
Era África recriada após o
cativeiro
com a ajuda de Martiniano
Bonfim
que trazia de Lagos
notícias do povo yorubano.
E ali naquele desfile
o povo baiano enxergou
três carros alegóricos:
o primeiro com o rei Labossi
à margem do Zambeze
em companhia de seus ministros
— Auá, Oman e Abató.
O segundo
com dois figurões influentes
da corte
— Barborim e Rodá.
O último
representando a cabana do
sacerdote
Pai Ojô e sua mulher.
E foram vindo outros Afoxés
como um rio que corre lá em
minha terra
distante, inundando, pouco a
pouco,
a velha Baía de Todos os
Santos:
Congos d’ África
Nagôs em Folia
Chegados da África
Filhos D'África
Lembranças d’ África
Guerreiros d’África
Tribo dos Inocentes...
Mas, aqui havia
e isso eu me lembro sem
fidalguia
nos desfiles de carnaval que
existia
pequenos Afoxés:
“Lordes Ideais”
organizado pelo dogueiro
Ogã do Bate Folha
José do Gudé.
Era a África que se
manifestava na Bahia.
Era na Bahia que renascia o
carnaval africano:
“Burokô vai a palácio
Burokô vai a palácio
Visitá governadô
Pr’ essa vida miorô
Burokô vai ao Bonfim
Burokô vai ao Bonfim
Cendê vela pr’ Oxalá
Pr’essa vida miorá.”
E, assim,
nesse desfile
de um rei Etíope visitando
terras baianas
virou lenda
e nasceu o Afoxé
para iluminar este povo
que trazia dentro de si
sua verdadeira fé:
— Mojubá iyátobí e babátobí!
Nota:
Os versos citados em itálicos neste poema são de
autoria de Mestre Didi.
* A Fundação Dante Alighieri (Bahia),
juntamente com o Festival Internacional da Poesia de
Gênova e o Afoxé Filhos de Korin Efan promoveram dia
4 de julho último, no Pelourinho, o primeiro
concurso de poesia tendo como tema “A lenda dos
Afoxés”, do qual participaram oito poetas baianos
que teve como vencedor o poeta Miguel Carneiro, com
seu poema “A LENDA NAGÔ DOS AFOXÉS”, recebendo como
prêmio uma passagem aérea de ida e volta para
representar o Brasil em 2007 no festival
internacional de poesia na cidade de Gênova, na
Itália. Fizeram parte da comissão julgadora Profª
Eugenia Galeffi (Docente e tradutora), Guido Galeffi
(Diretor da Dante Alighieri), Sérgio Romanelli
(Docente e poeta), Erenilton Bispo (Presidente do
Filhos de Korin Efan), Fabio Verinni (Representante
do Festival de Genova). CONTATOS DO SITE DO FESTIVAL NA INTERNET: http://www.festivalpoesia.org/
LA LEGGENDA
NAGÔ DEGLI AFOXÉ
Dedicato a
Antonio Jorge Victor dos Santos, mio fratello Godi,
compagno di
vecchi percorsi
Da laghi
Venni, signorino
per sfilare col
mio corteo
nel carnevale di
Bahia.
Sono nagô
e mi considero
capace
di intendere e
volere.
Dichiaro
che nacqui nella
Costa Africana
ove Patacho
Aliança rimase in quarantena
con i miei
fratelli insepolti nel mare
in viaggio per
quaranta giorni
senza che nessuno
potesse riposare.
E, da lá,
il commerciante
africano
José Fortunato da Cunha
ci lasciò da
cullare
fra tanti ricordi:
tre tamburi,
una scatoletta di
pino con più di cinquecento obì,
una faraona
oltre a 60 vesti
per coprirci.
Non so l’età e né
di chi son figlio.
Venni in un
tumbeiro
a patire
a soffrire ogni
sorta di umiliazione
molti malungo col corpo malconcio
sulla prua
dell’imbarcazione.
Fui
sì, fui
una delle
innumerevoli vittime
del crimine
orrendo della schiavitù.
Nella Città di
Bahia, nel 1895,
in occasione del
carnevale
non c’erano gruppi
di negri a sfilare.
C’erano gli ordini
del capo di polizia
Domingos Guimarães
che proibiva ogni
manifestazione.
Fu quando Marcos Carpinteiro
Axogum
di un Terreiro di
candomblé
situato a Engenho Velho
a fianco di altri
compagni di mestiere
Saturnino Gomes
Quintiliano Macário
Cornélio de Pedroso
e Esterico da Conceição.
Fondarono l’Afoxé Embaixada
Africana
che sfilò lungo Baixa dos
Sapateiros,
Barroquinha, Pelourinho e Taboão.
Nascevano, lì,
signorino,
gli Afoxé di Bahia
per rivelare ad un
popolo
che anch’esso
viveva qui
che nonostante la
sofferenza
nel Nagô restava
ancora allegria.
Africa sulla scena
del carnevale
aveva come
personaggio principale
la caricatura del
re etiope Meneli,
in tutto il suo
splendore.
Africa che si
mostrava frammentata,
lontano dalla sua
origine.
In quell’Afoxé si
suonava xeré,
adjá, batá, ilu, batacotô, afofié.
Burokô oba ibô
Burokô oba ibô
Burokô oba orum
Burokô baba Omo
O n’ilê o o.
Venne l’Afoxé Pândegos
d’Africa
fondato da Bibiano
Cumim,
Silvério Antônio de Carvalho
e Juvenal Luiz Souto.
Era l’Africa
ricreata dopo la prigionia
con l’aiuto di
Martiniano Bonfim
che portava da
Lagos notizie del popolo yorubano.
E lì, in quella
sfilata
il popolo baiano
intravide
tre carri
allegorici:
il primo con il re
Labossi
il margine dello
Zambeza
in compagni dei
suoi ministri
— Auá, Oman e Abató.
Il secondo
con due figuri
influenti della corte
— Barborim e Rodá.
L’ultimo
a rappresentare la
capanna del sacerdote
Pai Ojô e sua
moglie.
E giungevano altri
Afoxé
come un fiume che
scorre lá nella mia terra
distante,
inondando, a poco a poco,
la vecchia Bahia
de Todos os Santos:
Congos d’Africa
Nagôs em Folia
Chegados da África
Filhos d’Africa
Lembranças d’Africa
Guerreiros d’Africa
Tribo dos Inocentes...
Ma, lì c’erano
e questo me lo
ricordo
senza ostentazione
nelle sfilate di
carnevale che esistevano
piccoli Afoxé:
Lordes Ideais
organizzato dal
dogueiro
Ogã del Bate Folha
José do Gudé.
Era l’Africa che
si manifestava a Bahia.
Era a Bahia che
rinasceva il carnevale africano:
Burokô va a palazzo
Burokô va a palazzo
Visitar il
governator
Perché la sua
vita migliori
Burokô va al Bonfim
Burokô va al
Bonfim
Accender ’na
candela ad Oxalá
Perché la sua
vita migliori.
E, così,
quella sfilata
di un re Etiope
che visitava terre baiane
diventò leggenda
e nacque l’Afoxé
per illuminare
questo popolo
che portava la
vera fede dentro di sé:
— Mojubá
iyátobí e babátobí!
(Traduzione:
Eugenia Galeffi e Sergio Romanelli)
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