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Juan Gris

 

DUAS VERTIGENS

 

(Marcos Brás)

 

I

 

Olhando para tudo isso,

é como se olhasse para um amontoado de ruínas,

que até ontem me apareciam como alguma coisa de aproveitável,

mas que agora, quando olho,

não me aparecem senão como ruínas...

Olhando para tudo isso,

é como se olhasse para o interior da própria perplexidade,

como se tivesse de carregar em minhas mãos

um objeto que não posso sequer compreender

e que me parece complexo demais para que se possa compreender

mas que no fundo não presta para nada

(e ninguém me disse isso ao chegar)

e não vale a pena carregar...

 

Olhando para tudo isso,

é como se olhasse pela última vez,

apressadamente, numa iminência de partida,

como se tivesse de olhá-lo antes de partir...

Mas olhá-lo apressadamente

é falso, como também é falso pensar

que o estou olhando na véspera da partida...

Tenho todo o tempo do mundo para olhá-lo –

tenho todo o tempo de minha vida

e por isso se estou olhando apressadamente

é porque estou trapaceando...

 

Tenho todo o tempo do mundo para olhá-lo,

mas não posso compreendê-lo...

Ou não posso compreendê-lo senão pensando que tenho de transportá-lo comigo

como um objeto difícil e incômodo

que se transporta com imenso incômodo das mãos...

 

O que é isso afinal?

O que posso fazer disso afinal, quando o descubro e olho de frente para ele?

Como posso aproveitá-lo, se é que se pode aproveitá-lo,

ou como posso colocá-lo de lado,

para esquecê-lo no instante seguinte,

se está aí, como alguma coisa

que eu devo olhar de um modo definitivo

e que me incomoda como o próprio sentido de uma vida –

e que sempre me escapa quando tento olhá-lo de frente

e me assombra durante as noites, na insônia,

com mil arestas de desconforto que destroem meu sono e meu sossego?...

 

Olhando para tudo isso – tempo ou espaço ou o que seja –

é como se estivesse olhando para mim mesmo,

sem poder me aproveitar como se aproveita um resto de tecido ou um bocado de alimento

e sem poder incluir entre meus pensamentos a solução para o impasse,

seja ele qual for...

 

É como se olhasse para nada

e aí dentro estivesse vendo a minha vida...

 

 

II

 

De repente uma perplexidade, acocorada no caminho,

como um animal que tivesse estado caçando e atravessasse nosso caminho

e se acocorasse nesse caminho

e se pusesse a olhar para nós com olhos frios e penetrantes...

 

Uma perplexidade como uma surpresa

ao final de um dia sem surpresas...

Ou como um peso novo a ser transportado

ao final de uma viagem em que nenhum peso foi transportado,

mas que nos desgastou o suficiente para que não mais possamos transportar qualquer peso ou qualquer fardo novo...

Uma perplexidade como um começo, um ponto de partida

em pleno término:

um ponto de luz a brilhar depois que todas as luzes se apagaram...

 

Isto ou o equivalente

no pensamento sem coragem...

Uma palavra difícil numa frase longa e incompreensível

ou uma frase incompreensível em meio a tudo o que é incompreensível...

 

De repente uma perplexidade

como um sol aceso em plena noite,

ou, antes, como um cachorro a ladrar em plena noite –

e esta pergunta por quê afixada em todas as portas...

 

De repente, como uma deflagração ou uma convocação,

ou como uma má notícia recebida no exílio...

 

E a consciência de que nada se pode fazer...

De que não se pode manipular nenhum cordão,

de que não se pode lidar com a coisa de um modo isento e equilibrado...

 

De que se vai afundar quando se der o próximo passo...

E de que nada se pode fazer para evitar o afundamento,

porque não se pode mudar de direção...

 

24-4-2001

 

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