POEMÍNIMOS
(Mauro Mendes)
Teogonia
Não foi um deus quem me fez,
eu é que o faço existir,
na minha desfaçatez.
As várias faces de Javé
Nunca vi nem verei
nenhuma de tuas faces:
abençoado sejas!
Mitologia
Nós não inventamos
nem as górgonas
e nem as gárgulas,
nem a Medusa
e nem o medo...
Nós não conseguimos
inventar nada...
Noturno (I)
No mais,
tomar de empréstimo
um gosto
na boca da noite...
O resto
é desassossego...
Noturno (II)
Os cães ladram,
a noite vai passando
e o sol pega a todos
desprevenidos,
sonolentos, vagueando
sob o manto das estrelas...
O relicário
Para Mári, minha filha
Os peixinhos no aquário
com seus olhos de nácar:
finas jóias de antiquário!
Motus I
Os dias velozes,
as noites fugidias
não me preocupam,
propriamente,
nem me interessa saber
quem os fez,
exatamente.
Mas uma coisa me intriga
enormemente
(aos sábados,
freqüentemente):
quem teria inventado
a carapaça dos cágados?
Transposição
Eu não sou flor que se cheire
e nada está tudo oquêi.
Apareci, por acaso,
no meu jardim,
para colher as amoras,
e as amoras eram verdes
como as uvas da fábula.
Com certeza, lendo isto,
haverá quem pense
que eu não conheço a verdade
de fábulas e historietas...
Talvez pensem que eu não sei
que as uvas eram azuis,
verde era a raposa
e, de verdadeiro mesmo,
só havia o travo nos dentes...
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