QUATRO POEMAS DE
MARÍA
MONVEL
PESAVA-ME
SEU NOME
Pesava-me seu nome
como um grilhão de ferro,
pesava-me seu nome
como férrea cadeia,
pesava-me seu nome
qual fardo sobre os ombros,
como atada ao
pescoço me pesara uma pedra.
Já não está junto
ao meu a injúria do seu nome,
e... me pesa!
Seu amor me pesava
ambicioso e mesquinho,
seu amor me pesava
de desejo e de queixa,
seu amor me pesava
que mais que amor foi ódio,
sua dignidade
abrupta que era bem mais soberba.
Já não tenho seu
amor, sua dignidade, ou ódio,
e... me pesa!
Pesavam-me seus
zelos pendentes dos meus gestos,
pesavam-me seus
zelos candentes de tragédia,
pesavam-me seus
zelos adustos, implacáveis,
envolvendo o meu
corpo com obscura suspeita...
Já não tenho seus
zelos, sua suspeita, a injúria,
e – meu Deus! – me
pesa...
E
PARA AMAR-TE ASSIM...
Um tal amor jamais
arderá em minha vida,
para querer-te
assim me declaro vencida.
Qual racimo
espremido em vaso de olaria,
minha alma pura e
simples na tua se desfia
e deixa um sumo
doce... Que te darei, pois, já,
de cândido, de
novo, de virginal?... Está
meu coração já
murcho, murcho – uma noviça
na arte de amar
buscando uma sombra cediça.
Não era digno, é
certo; e entanto ainda a vida
não me havia
ensinado que pode ser fingida
a exaltação mais
louca do amor, mentira vil,
a querela mais doce
e o beijo mais gentil...
Tudo sei hoje. E eu
mesmo não teria fingido?
Meus olhos, boca, o
riso não teriam mentido?
Alguma vez, quem
sabe se uma lágrima ardente
me fez, sendo
culpada, passar por inocente.
Conheço a entonação
da minha voz, pois chega
minha vontade a ser
amável, doce ou cega...
Tu és tão grande e
nobre, e ele era infame e néscio,
a ti te admiro
tanto como a ele o desprezo;
mas não há dois
amores iguais em toda a vida,
e para amar-te
assim – me declaro vencida!
AONDE
FOI MINHA VIDA?
Aonde foi minha
vida,
quando foi minha
estrela?
Fugiu de mim, quem
sabe,
e já não posso
vê-la?
Eis que me invadiu
a alma
uma brutal cegueira?
É nulo o meu sentir
que, cego, em vão
tateia?
Enquanto estás
comigo
me abate a tua
ausência?
Sem que eu escute
ou sinta,
me chamas e me
beijas?
Em teus braços me
oprimes,
enquanto devaneio?
Fugires tu?
Deixares-me
em solidão imensa?
Ou é a loucura acaso
que enche minha
consciência?
Verdade é que te
chamo,
sem que um eco me
alente?
Peço, vão, teu
amparo,
quando alguém me
condena?
Grito, e tu não
respondes?
Choro, e tu não me
beijas?
Não! tu não me
abandonas...
Eu é que fiquei
cega!
Tu não me
abandonaste:
fui eu, como antes
era...
Chamas-me, e não
escuta
meu coração de
pedra.
A luz já não me
serve
para te ver com ela.
Minhas mãos já não
logram
tocar teu corpo
terno.
Nem meus lábios
alcançam
os beijos que me
entregas.
Perdi, pois, os
sentidos
com que te adorei,
cega,
e minha alma,
truncada,
que, morta, não se
eleva,
me deixou uma vida
que não vê tua
estrela...
Não penetra teu
grito
esta muralha
eterna!
Se tocasse o teu céu
ou tua noite
negra...
Não quero ar, se
não é
esse teu ar de seda.
Quero colher-te
rosas,
as que em teus
prados cresçam.
Quero essa noite
escura
onde tua alma
adormeça.
Quero teus mares
fundos
ou tua obscura
pedra.
Quero o oco na
almofada
onde pões a cabeça.
Quero esse céu azul
onde acaso
vagueies!...
Reza doces rosários
com tuas mãos de
seda!
Dá a Deus o teu
sorriso
para a ti
devolver-me,
e à tua irmã – a
Virgem –
te achega,
feiticeira!...
Que me dê o que
tens,
que me dê o que
tenhas:
a vida, onde ainda
estejas,
a morte, se
morreste!...
ORGIA
Taça de cristal
polido,
bebo, bebo e me
embriago,
com sabor de
coração,
sabor divino de
lábios.
Bacante sou de uma
orgia
deliciosa e não me
exalto.
Rolam abertas as
rosas
sobre o meu corpete
intacto,
e eu bebo e bebo
ainda mais
o licor que sabe a
lábios.
Maravilhoso licor
de que já tanto
bebi,
sem que se altere
meu pulso,
sem que à mente
faça estragos.
Cintila assim como
dois
olhos negros no meu
copo,
prende infinitos
archotes
no meu coração
gelado
e arrasta o meu
pensamento
para caminhos
fantásticos.
Bebo, e não me
embriago, não.
Mordo o cristal do
meu copo
e os espelhos
estilhaço
que me olham e
estou olhando.
Submerjo-me no licor
como em ondas de
cobalto,
e, embora beba, o
meu cérebro
não se desfaz em
pedaços.
Dissolvo meu
pensamento
licor com sabor de
lábios
e em tuas ondas de
emoção
toda vontade
desfaço.
Cintilar de olhos
ardentes,
mesmo morta, não me
embriago,
e mesmo desfeita a
vida
sobre a
taça dos teus lábios!
(Traduções
de Renato Suttana)
Direitos da tradução reservados ao tradutor. Não pode ser reproduzido sem autorização.
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