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Alberto Lacet

 

LADRÃO DE BICICLETA

 

(Renato Suttana)

 

Não está provado, mas é possível que as manhãs claras de maio nos tornem mais suscetíveis de sermos surpreendidos por pessoas mal-intencionadas, mormente por aquelas que – como se diz – nos querem passar a perna. Principalmente, é possível que nos tornem menos perspicazes, menos precavidos, e que não sejamos capazes de antecipar ou de prever os embustes daqueles que só esperam uma oportunidade para se apoderarem do alheio – sem disporem para isso de grandes esforços.

 

Naquela manhã de maio um certo Frederico tinha saído para comprar pão na padaria perto de sua casa. Subindo de volta a rua, foi abordado por um desconhecido – um sujeito jovem, barbeado e vestido com desalinho, chinelos baratos nos pés –, o qual lhe perguntou se por acaso não era de seu conhecimento que houvesse naquelas redondezas um salão comercial disponível para aluguel. O homem pensou por um instante, examinou o desconhecido e quis saber que tipo de comércio era o dele.

 

– Quero montar uma sala para videogames.

 

Mais um instante de reflexão, e Frederico deu a saber ao desconhecido que ele mesmo, Frederico, dispunha de uma loja desocupada – bem ali em frente –, mas que para oferecê-la teria antes de consultar a mulher. A mulher, que estava em casa àquela hora, também não conhecia aquele estranho, mas disse que talvez não houvesse dificuldades em ceder o cômodo, contanto que o fizessem sob a assinatura de um contrato e com dois avalistas fidedignos. Além do mais, exigia-se o pagamento adiantado de pelo menos um mês de aluguel. Sem esconder sua satisfação, o homem afirmou que aceitava os termos, que o preço do aluguel lhe quadrava bem, e garantiu que apresentaria naquele mesmo dia dois avalistas fidedignos.

 

Foram ver o cômodo – uma sala comprida, com uma larga porta de ferros e vidros – e constataram que estava em excelentes condições. O homem alegou apenas que seria preciso limpá-lo, isto é, fazer uma lavagem no piso de cerâmica, que se achava coberto de poeira.

 

  Fique à vontade, disse o tal Frederico. Aqui estão as chaves.

 

Despediram-se. O homem saiu e foi a não sei que lugar, sob pretexto de que precisava trazer ajudantes. Retornou na hora seguinte, bateu à porta do casal, pediu-lhes emprestado um punhado de sabão em pó, pediu-lhes emprestadas uma mangueira e uma vassoura, e prometeu que, quando retornasse, traria o dinheiro do aluguel mais uma caixa fechada de sabão em pó, que era para pagar o empréstimo. O proprietário do cômodo aventou que não seria necessário trazer sabão, pois o que estava lhe emprestando parecia pouco. Emprestou-lhe a mangueira, indicou-lhe a torneira e fechou a porta. Quando foi ver o que estava sendo feito, encontrou dois meninos a lançar água no piso de cerâmica e a esfregá-lo com uma vassoura. Esse trabalho durou por mais uma hora. Porém o desconhecido, que não tornou a aparecer, não esteve lá para supervisioná-lo.

 

Ao entardecer, Frederico foi interpelado pelo homem que tinha uma oficina no cômodo contíguo, o qual desejou saber se era certo que o pretendente a locatário retornaria ao lugar.

 

– Penso que sim, foi a resposta.

 

– É que esses meninos estão aí, a esperar, e já faz um bom tempo. Ao que parece o homem não voltou desde que os colocou para lavar o piso.

 

– E levou minha bicicleta, lamentou um deles, sentado à soleira ao lado daquele que o ajudara no serviço. – Disse que ia ao banco apanhar dinheiro, pediu a bicicleta e até agora não voltou.

 

Frederico não quis fazer suposições. A chave, o homem a entregara a um dos meninos, antes de partir, e este a devolveu ao proprietário do cômodo. À noite, bateram à sua porta dois rapazes, que perguntaram se acaso aquele Paulo (era o nome do desconhecido) não tinha retornado com a bicicleta. Foi uma surpresa para Frederico e sua mulher, que reconstituíram mentalmente os fatos, perguntando-se sobre quem seria aquele desconhecido, e – o que é pior – concluíram que não havia mesmo de retornar.

 

– Caso ele apareça – consolaram os rapazes –, guardaremos a bicicleta para vocês.

 

Decerto, toda aquela história de aluguel, videogame e lavagem de piso não passara de um ardil para roubar a bicicleta.

 

12-5-2003

 

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