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LADRÃO
DE BICICLETA
(Renato
Suttana)
Não
está provado, mas é possível que as manhãs claras de maio nos tornem
mais suscetíveis de sermos surpreendidos por pessoas mal-intencionadas,
mormente por aquelas que – como se diz – nos querem passar a perna.
Principalmente, é possível que nos tornem menos perspicazes, menos
precavidos, e que não sejamos capazes de antecipar ou de prever os embustes
daqueles que só esperam uma oportunidade para se apoderarem do alheio –
sem disporem para isso de grandes esforços.
Naquela
manhã de maio um certo Frederico tinha saído para comprar pão na padaria
perto de sua casa. Subindo de volta a rua, foi abordado por um desconhecido
– um sujeito jovem, barbeado e vestido com desalinho, chinelos baratos nos
pés –, o qual lhe perguntou se por acaso não era de seu conhecimento que
houvesse naquelas redondezas um salão comercial disponível para aluguel. O
homem pensou por um instante, examinou o desconhecido e quis saber que tipo
de comércio era o dele.
–
Quero montar uma sala para videogames.
Mais
um instante de reflexão, e Frederico deu a saber ao desconhecido que ele
mesmo, Frederico, dispunha de uma loja desocupada – bem ali em frente –,
mas que para oferecê-la teria antes de consultar a mulher. A mulher, que
estava em casa àquela hora, também não conhecia aquele estranho, mas
disse que talvez não houvesse dificuldades em ceder o cômodo, contanto que
o fizessem sob a assinatura de um contrato e com dois avalistas fidedignos.
Além do mais, exigia-se o pagamento adiantado de pelo menos um mês de
aluguel. Sem esconder sua satisfação, o homem afirmou que aceitava os
termos, que o preço do aluguel lhe quadrava bem, e garantiu que
apresentaria naquele mesmo dia dois avalistas fidedignos.
Foram
ver o cômodo – uma sala comprida, com uma larga porta de ferros e vidros
– e constataram que estava em excelentes condições. O homem alegou
apenas que seria preciso limpá-lo, isto é, fazer uma lavagem no piso de
cerâmica, que se achava coberto de poeira.
–
Fique à vontade, disse o tal Frederico. Aqui estão as
chaves.
Despediram-se.
O homem saiu e foi a não sei que lugar, sob pretexto de que precisava
trazer ajudantes. Retornou na hora seguinte, bateu à porta do casal,
pediu-lhes emprestado um punhado de sabão em pó, pediu-lhes emprestadas
uma mangueira e uma vassoura, e prometeu que, quando retornasse, traria o
dinheiro do aluguel mais uma caixa fechada de sabão em pó, que era para
pagar o empréstimo. O proprietário do cômodo aventou que não seria
necessário trazer sabão, pois o que estava lhe emprestando parecia pouco.
Emprestou-lhe a mangueira, indicou-lhe a torneira e fechou a porta. Quando
foi ver o que estava sendo feito, encontrou dois meninos a lançar água no
piso de cerâmica e a esfregá-lo com uma vassoura. Esse trabalho durou por
mais uma hora. Porém o desconhecido, que não tornou a aparecer, não
esteve lá para supervisioná-lo.
Ao
entardecer, Frederico foi interpelado pelo homem que tinha uma oficina no cômodo
contíguo, o qual desejou saber se era certo que o pretendente a locatário
retornaria ao lugar.
–
Penso que sim, foi a resposta.
–
É que esses meninos estão aí, a esperar, e já faz um bom tempo. Ao que
parece o homem não voltou desde que os colocou para lavar o piso.
–
E levou minha bicicleta, lamentou um deles, sentado à soleira ao lado
daquele que o ajudara no serviço. – Disse que ia ao banco apanhar
dinheiro, pediu a bicicleta e até agora não voltou.
Frederico
não quis fazer suposições. A chave, o homem a entregara a um dos meninos,
antes de partir, e este a devolveu ao proprietário do cômodo. À noite,
bateram à sua porta dois rapazes, que perguntaram se acaso aquele Paulo
(era o nome do desconhecido) não tinha retornado com a bicicleta.
Foi uma surpresa para Frederico e sua mulher, que reconstituíram
mentalmente os fatos, perguntando-se sobre quem seria aquele desconhecido, e
– o que é pior – concluíram que não havia mesmo de retornar.
–
Caso ele apareça – consolaram os rapazes –, guardaremos a bicicleta para vocês.
Decerto,
toda aquela história de aluguel, videogame e lavagem de piso não passara
de um ardil para roubar a bicicleta.
12-5-2003
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