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E SE O SÍMBOLO CHINÊS DO YIN-YANG FOSSE UM FLOCO DE NEVE SUJA

 

(João Paulo Esteves da Silva)

 

A peça é estranha. A menina Júlia é estranha e, a certa altura, ela mesma diz que tudo é estranho, um floco de neve suja a boiar até que vai ao fundo. Muito estranho mesmo é o facto de esta peça de Strindberg ser a única peça que se mantêm em cena sempre. Há sempre alguém a encená-la algures no planeta. Quando acaba em Lisboa começa em Bucareste e depois em Moscovo, Nova Iorque, Paris e por aí fora... sempre  e sem interrupção. Porque será? É estranho. Qual é o tema? Qual é o género? Impossível responder. Os temas são impuros, estão sujos; qualquer tema apresenta manchas de um outro. A procura da pureza, na morte, seria apenas um dos modos, impuros, de descrever a acção. Impura também, claro está, a tradução. Exemplo: em sueco a palavra «unterlig» que se traduz por «estranho» invoca, não o exterior, mas o debaixo. E, de facto, a Menina Júlia quer ir para baixo, descer, ou melhor, quer cair, saltar. Do outro lado, Jean quer trepar e os dois têm tudo para se poderem cruzar a meio da peça. Mas nada disto explica a estranheza de a Menina Júlia se ter tornado um vício mundial ou, na melhor das hipóteses, numa peça de primeira necessidade. Este êxito, chamemos-lhe assim, só se explica se se tratar de uma peça essencialmente sobre sexo. Sexo, não no sentido erótico, habitual, mas no sentido de metáfora das metáforas, de cântico dos cânticos. Sexo como o que diz a diferença, em geral, ou seja, em sexual, e da qual a diferença dita sexual será apenas uma particularidade. Sexo que une e separa o homem da mulher, sim, mas também, o animal do humano, o conde do criado, a cozinha do resto do mundo… etc. Strindberg terá impregnado o seu texto com o sexo do sexo. Estará aqui a raiz do vício? Do êxito? Talvez. Mas também o perigo que espreita os encenadores que são tentados pelo o expressionismo erótico. Nesta peça o sexo está em toda a parte e a representação pode cair no ridículo se a ênfase incidir especialmente nas zonas erógenas. Peça mesmo muito estranha. Maluquinha de todo.

 

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