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João Garção, Natureza morta com soldado e cão

 

Poemas de José do Carmo Francisco

 

 

ISTMO

 

Em Sarilhos Pequenos junto à Estrela do Dia

É isto só que tenho para te dar em oferenda

Um istmo feito de terra e da minha alegria

E o sol que não tem preço nem está à venda

 

Leio Rainha da Paz, Laurinda, Teresa e Ana

Três nomes de barcos onde eu descubro

Os melhores momentos da minha semana

O resgate dum E-mail perdido em Outubro

 

É um istmo, é pedaço de terra, é um lugar

Um tempo suspenso nesta tarde de Inverno

A maré do Tejo baixou e não pára de baixar

Fora do ritmo do meu relógio tão moderno

 

Em Sarilhos Pequenos junto à Estrela do Dia

O poema é o istmo vagaroso em construção

À procura do teu olhar que não se despedia

Noutro fim da tarde perdido numa multidão

 

 

 

TOPOGÉNESE DE UM POEMA

 

O poema começa por ser uma tabela

Pequena folha de papel na madrugada

Tu abrias no quarto andar uma janela

Para medir a fila de trânsito tão parada

 

Depois é um olhar mais longe mais além

Para estudar as nuvens do lado de Lisboa

Mais leves que as de Sintra e do Cacém

A assustarem este bando que te sobrevoa

 

O poema começa por ser uma tabela

Pequena tábua onde registo indicações

Nesta hora em que uma linha paralela

Já se insinua tão devagar nas emoções

 

Vejo a pomba de metal no fim da rua

Vejo um bando assustado a regressar

A sombra que ficou não sei se é tua

Nem sei se afinal é este o teu lugar

 

 

 

BALADA DA SERRA DE SÃO MAMEDE

 

Ai que prazer estar perdido

Na Serra de São Mamede

Onde há sempre uma ribeira

Que só de olhar mata a sede

Onde há sempre um caminho

À espera de ser andado

E onde o branco das casas

Faz contraste no telhado

Ai que prazer estar perdido

Na Serra de São Mamede

Onde o relógio não corre

E pára se a gente pede

Onde o tempo dura mais

E o olhar tem amplitude

Onde o andar não desgasta

E o cansaço é mais saúde

 

Ai que prazer estar perdido

Na Serra de São Mamede

Onde se pescam os sonhos

Sem ser preciso usar rede

Onde o sol mais se demora

Onde a luz chega mais cedo

Mas o peso deste silêncio

Não se transforma em medo

Ai que prazer estar perdido

Entre Esperança e Nave Fria

Surgirá sempre um olhar

Capaz de dar luz de dia

A quem se perdeu na noite

Que envolveu seu coração

Mas se encontrou de novo

A caminho de São Julião

 

Ai que prazer estar perdido

Entre Caia e os Mosteiros

Porque os fumos das chaminés

São os sinais mais certeiros

Duma vida mais junto à terra

Mancha verde a multiplicar

Entre o apelo do Mundo

E o meu desejo de ficar

Ai que prazer estar perdido

Entre os Besteiros e a Parra

Para encontrar uma capela

Com o som de uma guitarra

Ai  Serra de São Mamede  

Grande desgosto que eu tenho

Não ser eu das tuas aldeias

Não ser também eu serrenho

 

(Arronches, 20 de Julho de 2001)

 

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