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Nuno de Matos Duarte

 

UM PUNHADO DE TERRA

 

(Hérib Campos Cervera)

 

de tua profunda latitude,

de teu plaino de solidão perene,

de tua fronte de argila

carregada de soluços germinais.

 

Um punhado de terra,

com o carinho simples de seus sais

e de sua desamparada doçura de raízes.

 

Um punhado de terra que leve entre seus lábios

o sorriso e o sangue de teus mortos.

 

Um punhado de terra

para encostar a seu incendiado número

todo o frio que vem do tempo de morrer.

 

E algum resto de sombra de tua lenta alameda

para que me custodie as pálpebras de sonho.

 

Quis de Ti tua noite de flores de laranjeira,

quis teu meridiano quente e florestal,

quis os alimentos minerais que povoam

os duros litorais de teu corpo enterrado,

e quis a madeira de teu peito.

Isso eu quis de Ti

(– Pátria de minha alegria e de minha dor),

isso eu quis de Ti.

 

 

II

 

Agora estou nu outra vez.

Nu e desolado

sobre um alcantilado de recordações,

perdido entre esquinas de trevas.

Nu e desolado,

longe do firme símbolo de teu sangue.

Longe.

 

Já não tenho o remoto jasmim de tuas estrelas,

nem o assédio noturno de tuas selvas.

Nada: nem teus dias de guitarra e facas,

nem a desmemoriada claridade de teu céu.

 

Sozinho, como uma pedra ou como um grito,

te nomeio e, quando busco

voltar à estatura de teu nome,

sei que a Pedra é pedra e que a Água do rio

foge de tua cintura oprimida e que os pássaros

usam o alto amparo da árvore humilhada

como um despenhadeiro de seu canto e suas asas.

 

 

III

 

Porém assim, caminhando, sob nuvens distintas,

sobre os fabricados perfis de outros povos,

de chofre, te recobro.

 

Por entre solidões invencíveis,

ou por cegos caminhos de música e trigais,

descubro que te estendes largamente ao meu lado,

com tua martirizada coroa e com tua límpida

recordação de guarânias e laranjeiras.

 

Estás em mim: caminhas com meus passos,

falas por minha garganta, te ergues em minha cal

e morres, quando morro, a cada noite.

 

Estás em mim com todas as tuas bandeiras,

com tuas mãos honestas e lavradoras

e tua pequena lua irremediável.

 

Inevitavelmente

– com a pontual constância das constelações –,

vêm a mim, presentes e telúricos:

tua cabeleira torrencial de chuvas,

tua nostalgia marítima e teu imenso

desgosto de planuras sedentas.

 

Habitas-me, e te habito:

submergido em tuas chagas,

vigio tua fronte que, morrendo, amanhece.

 

Estou em paz contigo,

nem os corvos nem o ódio

me podem separar de tua cintura:

sei que estou levando tua Raiz e tua Suma

sobre a Cordilheira dos meus ombros.

 

Um punhado de terra:

isso eu quis de Ti

e isso tenho de Ti.

 

 

(Tradução de Renato Suttana)

 

 

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