A
UMA CASA DE CAMPO ONDE ESTAVA UMA DAMA A QUEM CELEBRAVA
Se
pode a vista, de chorar cansada,
de
alguma coisa prometer certeza,
belíssima
é aquela fortaleza
e
generosamente edificada.
Paço
é da minha bela celebrada,
templo
de Amor, alcácer de nobreza,
ninho
da Fênix de maior beleza
nesta
idade a ruflar pluma dourada.
Muro
que subjugais o verde plaino,
torres
que defendeis o nobre muro,
ameias
que das torres sois coroa,
quando
de vosso dono soberano
mereçais
ver a celestial pessoa,
representai-lhe
o meu desterro duro.
DE
UM CAMINHANTE ENFERMO QUE SE ENAMOROU ONDE FOI HOSPEDADO
Enfermo
peregrino, pobrezinho,
por
tenebrosa noite, a passo incerto
a
confusão pisando do deserto,
ergueu
a voz em vão, no descaminho.
Repetido
ladrar, senão vizinho,
distinto
ouviu de cão sempre desperto,
e
em pastoral albergue mal coberto
piedade
achou, se não achou caminho.
Saindo
o Sol, entre arminhos escondida,
sonolenta
beldade, em doce sanha,
salteou
o caminheiro ainda defesso.
Pagará
a hospedagem com a vida;
mais
lhe valera errar pela montanha
que perecer assim como pereço.
DESCRIÇÃO
DOS ASPECTOS DE UMA DAMA
De
puras intenções templo sagrado,
cujo
belo cimento e gentil muro
de
branco nácar e alabastro duro,
foi
pela mão divina fabricado;
pequena
porta de coral lavrado,
claras
lumeeiras de mirar seguro,
que
da esmeralda fina o verde puro
tendes
para vidraças usurpado;
soberbo
teto, cujos cimbres de ouro
o
claro Sol, enquanto em torno gira,
ornam
de luz, coroam de beleza;
ídolo
belo, a quem humilde adoro,
ouve,
piedoso, o que por ti suspira,
canta
teus hinos e virtudes reza.
INFERE,
DOS ACHAQUES DA VELHICE, PRÓXIMO O FIM A QUE CATÓLICO ASPIRA
Por
este ocidental, por este, ó Lício,
climatérico
lustro de tua vida
todo
pé mal firmado é uma descida,
toda
fácil descida é precipício.
Falha
o passo? A razão faça o exercício,
e
vá se desatando a terra unida;
que
prudência, do pó já prevenida,
esperou
pelas ruínas do edifício?
Não
só da pele a serpe venenosa,
mas
com ela dos anos se desnuda,
e
o homem não! Cega corrida humana!
Oh
venturoso quem, a ponderosa
porção
deposta numa pedra muda,
dá
a leve à safira soberana!
AO
EXCELENTÍSSIMO SENHOR CONDE-DUQUE
Na
capela me encontro, e condenado
a
partir sem remédio desta vida;
sinto
bem mais a causa que a partida,
por
fome expulso como sitiado.
Culpa
sem dúvida é ser desgraçado;
maior,
de a condição ser encolhida.
Delas
me acuso nesta despedida,
e
partirei ao menos confessado.
Minha
sorte examine o ferro agudo,
que
apesar de seus fios me prometo
de
vossa excelsa mão alta piedade.
E
já que foi o encolhimento mudo,
os
números, Senhor, deste soneto
sejam
línguas e pranto não embalde.
A
RIGOROSA AÇÃO COM QUE SANTO INÁCIO CONVERTEU UM PECADOR
Em
tenebrosa noite, em mar crispado
naufragara
um marujo, com afogo,
de
doce voz e de homicida rogo
de
Sereia mortal lisonjeado,
se
o fervoroso, zelador cuidado
do
grande Inácio não trouxera logo
(farol
divino) seu ardente fogo
aos
cristais desse tanque congelado.
Troca
de velas o batel perdido,
e
escolhos julga, que no mar se lavam,
e
as vozes que na areia ouve lascivas;
beija
o porto, altamente conduzido
daquelas
que, por Norte seu, estavam
ardendo
em águas mortas chamas vivas.
A
VALLADOLID ESTANDO ALI A CORTE
Valladolid,
de lágrimas sois vale,
e
não quero dizer-vos quem as chora,
vale
de Josafat, sem que a vós hora,
quanto
mais dia de juizo abale.
De
andar por vossas ruas que eu nem fale,
por
onde o engano com a corte mora,
e
sujo cortesão vos acho agora,
sendo
vilão um tempo de bom talhe.
Todos
sois condes, não sem nosso dano;
que
o diga este andaluz, que num inferno
debaixo
de uma tábua escrita pousa.
Não
encontra o Benvindo por todo o ano;
o
Pulga, sim, agora, e pelo inverno
o
das Neves, o Barros, o Lodosa.
(Traduções
de Renato Suttana)
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