A TERCEIRA ROMARIA
(Gilfrancisco*)
A Terceira Romaria, José Inácio
Vieira de Melo, Salvador, Aboio Livre Edições (Faz Cultura), 2005,
124 p., com apresentação do crítico paraibano Hildeberto Barbosa
Filho, abas de Mayrant Gallo, capa atraente, ilustrações coloridas e
bem impressas do consagrado artista plástico, Ramiro Bernabó. Edição
graficamente bem cuidada quanto a formato, tamanho de tipo e
entrelinhagem, é mais um lançamento que dignifica a produção
editorial baiana.
A leitura de A Terceira Romaria
de José Inácio Vieira de Melo, nos proporciona momentos de encanto e
reflexão e nos permitirá, sempre que repetida, descobrir, como o
poema, que louva a tua voz:
Eu poeta dos Sertões, passarinho do
Vento Nordeste,
vento perante tu, que habitas nos
jardins,
louvar a graça maior da poesia.
Obra máxima, A Terceira Romaria,
no dizer de Hildeberto Barbosa Filho, ao comparar com os livros
anteriores “diria que o poeta apura a técnica de nomear e torna mais
contido o discurso expressivo, sem que esta contenção venha dirimir
a inventividade de certas imagens”. JIVM poeta de um mundo ambíguo,
de um mundo que se desfaz.
Filho (de Aloísio Vieira de Melo e
Inácia Rodrigues de Santana) e neto de donos de terras nas Alagoas
(Olho d’Água do Pai Mané-Dois Riachos) dos poetas Jorge de Lima e
Lêdo Ivo, radicado há 17 anos na Bahia, desde muito cedo o garoto
JIVM revela inequívoca relação com a palavra escrita, ouvindo as
leituras dos poetas populares como José Martins dos Santos, Pacífico
Pacto Cordeiro Manso, José Bernardo da Silva e Rodolfo Coelho
Cavalcante. Vem desses primeiros anos uma imagem freqüente na
poesia, ele mesmo lembra sua nitidez cristalina, em “Memória”:
Gosto de subir no telhado da casa
e olhar para dentro do quintal
é lá que estão o menino e a arte.
A incompreensão vestiu o menino.
Ele se exibiu para o azul do dia
e para os olhos daquelas línguas.
Inácio é um construtor despojado de
individualismo e, porque não dizer?, um arquiteto da poesia,
buscando em cada verso a forma a dar uma estrutura consistente ao
poema. O poeta das Alagoas vem construindo um trabalho de suma
importância literária, retrato vigoroso e de aguda inspiração,
conseguindo com essa produção, alcançar o pico da alta poesia.
Poeta de primeira grandeza, artista
qualificado da palavra e do verso, JIVM tem momentos lírios da mais
rica inventividade. Obra que vem confirmar todas as nossas opiniões
anteriores sobre o autor, poeta com indiscutível conteúdo ideativo,
que tem o que dizer e que a todo instante vem trabalhando como
fazê-lo. Em seus poemas, do mais significante calor humano, exerce
com a maior dignidade seu papel de intelectual.
Por isso valoriza processos verbais,
extraindo do mundo calcinados valores estéticos válidos para os que
participarem da sua sensibilidade ao sentido poético do mundo. A
Terceira Romaria, é a mais pura meditação sobre o sentido da vida.
O poeta JIVM é uma das vozes mais
personalizadas e atuantes da Bahia, cuja poesia ganha respeito e
admiração, uma poética altamente crítica e cuja sinceridade
expressiva supera o confessional. JIVM celebrizou a sua alagoanidade,
por entendê-la como liga e solda do todo histórico do Brasil, no
entanto, manteve-se livre de condicionamentos estéticos que pudessem
perturbar a visão original e individualista de sua poética.
Como poucos, porém, ele foi ungido pela
transcendência da Poesia e por isso consegue descobrir belezas
insuspeitadas, ora nos comove, ora nos estimula a pensar, pois sua
criação poética, mantém profunda sintonia com o que há de melhor na
poesia contemporânea brasileira. Vejamos só este belo exemplo:
O que mais tem falado em mim é o
silêncio,
mas um silêncio plural – de fogo –
que com sua língua escarlate abrasa
as palavras
e as queima antes de serem.
Um silêncio de lá, de longe – das
plagas interiores –
que fala o tempo todo sem dar nome ao
dito.
Seus versos têm um ritmo pulsante de
fluxos e refluxos, que responde pela eficiência do conjunto de sua
obra, conferindo-lhe o tom há um tempo vivaz e pungente da
verdadeira poesia nordestina. Aderindo à postura irreverente e
explosiva, JIVM abriu então uma temporada de grandes efervescências
na terra que lhe acolheu: coordena vários projetos literários, como
“Poesia na boca da noite” e co-edita a revista de arte, crítica e
literatura, Iararana.
Além de ter participado nas antologias
“Sete Cantares de amigo” (2003) e “Concerto Lírico a Quinze Vozes”
(2004), José Inácio Viera de Melo publicou Códigos do Silêncio
(2000); Decifração de Abismos (2002) e Luzeiros
(2003).
* Jornalista e professor
universitário
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