OS POEMAS IRREGULARES DE
MARCELO RIBEIRO
(Gilfrancisco*)
Conheci Marcelo Ribeiro logo que cheguei
a Aracaju, por intermédio do artista plástico José Fernandes,
ilustrador e capista do seu livro de estréia, “ Confissões: canção
para Gena Karla e outros poemas” (1999) , e a partir desse encontro
meu conhecimento se estendeu a mais dois Ribeiros, Wagner e José,
ambos escritores.
Poeta já reconhecido nacionalmente e
autor do divulgadíssimo e fundamental livro “Motivos Diversos”
(2004) – apreciado pelo crítico Léo A. Mittaraquis como um
“elegante jogo da linguagem: lágrimas vertidas por diversos motivos,
um canto feito de versos, motores dos mais diversos”, – o imortal
Marcelo Ribeiro mais uma vez exibe segurança e maturidade literária,
provadas nos quatro livros publicados. Sua versátil criatividade
poética já o levou a diversas incursões em áreas inexploradas da
literatura, com senso imaginativo e pleno domínio da expressão
verbal.
Poeta de linguagem descarnada,
pesquisador da forma, Marcelo Ribeiro, dando um outro tratamento a
sua produção poética através dos “poemas irregulares”, começa a
incorporar a seu repertório alguns temas que acrescentam uma
dimensão onírica a essa operação transculturadora, que é a poesia.
Seguindo o ritmo de vida contemporâneo, vincula-se ao desejo do
poeta o sonho com o nascimento de uma nova era, sem a ideologia
destrutiva do progresso a qualquer custo, porque a falta de
perspectiva leva ao emparedamento existencial:
Ora era ele
ora ela hera.
A publicação de “Poemas Irregulares”
cumpre um dos mais admiráveis destinos do poeta, registrando altos
momentos na poesia e na critica sergipana, pois se trata de um livro
fortemente marcado pelo experimentalismo verbal, em que experiências
de linguagem em muitos de seus textos têm um tempo multifacetado, a
realidade vista como espelho partido, com múltiplas imagens. São
poemas de marcante vitalidade, para serem lidos com o mesmo prazer
com que se lêem uns bons contos ou um bom romance. Esses poemas
conduzem o leitor por múltiplas vertentes da literatura, desvendadas
pela poesia brasileira da modernidade. O livro – além de revelar a
densidade lírica da nova fase do poeta sergipano, caracteriza-se,
sobretudo, pela presença da intertextualidade, cujos fios ligam,
revelando a chave de leitura dos poemas:
Tenho freqüentado estrelas.
Algumas já me recebem de robe.
A matéria-prima da imaginação literária
dos Poemas Irregulares é um cotidiano marcado pela convivência
conflituosa de vários elementos da modernização; por isso apresenta
como semente da obra expressiva, uma poesia que se furta e se
expande, uma poesia interrogativa em forma de sonho universal, que
caminha de mão-a-mão, osso a osso encarando todos os tempos,
vasculhando os vestígios do próprio tempo, percorrendo diversas
periferias textuais, para chegar a imagens que brilham, incandescem,
queimam e afogam os sentidos em fragrâncias, construindo um mundo
intimo, pessoal, intransferível:
Não é recente
o receio
de que no futuro
presente
não me permitam sonhar.
Procurando reatar com a tradição
cultural do país, com base no Modernismo, através de uma visão mais
ampla, Marcelo Ribeiro ao moldar artisticamente versos que outros
poderiam considerar imperfeitos, aponta as tendências poéticas
contemporâneas, tidas já como pós-modernas. Afirmam-se, nessa
atmosfera, as imagens da chamada contracultura (contra o academismo
oficial e a “cultura” do progresso), pois o poeta está na
contracorrente dos valores estabelecidos, visto que as estruturas
sociais acabam por moldar as relações individuais. Os poemas curtos
são adequados a uma expressão poética imediata, ainda que permaneça
algo de absoluto. Esta é a tensão formal dos poemas reunidos nesta
coletânea:
Tivesse eu
algum talento,
esse braço de rio,
essa gente sofrida,
essa vida sem brio
já teriam uma voz
e numerosos sotaques.
Assim, o certo é que, para compreender
uma obra literária, temos de participar dela, o que fazemos enquanto
dura o seu tempo de leitura, deixando-nos a entender que à poesia é
possível conviver com gente rústica e iletrada, para propiciar
também um enriquecimento espiritual, uma vez que a intertextualidade
aparece como um elemento fundamental na composição do poema,
assumindo-a pelo avesso da ironia, com a mordacidade que mastiga a
linguagem:
Nova
é lua
que, de costas,
prova novo vestido.
É fácil encontrar argumentos como
respostas que nos satisfaçam plenamente o título da coletânea de
versos. Esses, através da forma curta dos seus quase 100 poemas,
lembram os haicai japoneses do mestre Matsuo Bashô. Sem ornatos da
retórica tradicional – mas com técnica apurada, clareza, concisão e
simplicidade sob a aparente singeleza –, transparecem a
sensibilidade, o humor, a ironia e, às vezes, o espírito satírico
com que o poeta surpreende o que há de belo, delicado ou hilariante
na natureza humana.
Poeta competente e respeitado pela
crítica, figura marcante no cenário político sergipano, Marcelo
Ribeiro, com dicção própria, nos confirma a sua total seriedade de
escritor nesses “poemas irregulares” em que a linguagem é fortemente
trabalhada num estilo por vezes nervoso e sufocante, – está tudo
contido, nada se perde em sua síntese. Portanto, Marcelo Ribeiro é
um poeta coroado pela harmonia vocálica, um nominativo que consegue
a reduplicação em tom reflexivo, construindo uma obra densa e forte,
na qual a linguagem flui viva e precisa, como passos de um tango
argentino: impecável, preciso, impossível de ser imitado.
Sim, são noturnos
os dias de estrela da lua...
(*Jornalista e professor universitário)
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