O POETA ABEL SILVA
(Gilfrancisco*)
Hoje, no
Brasil, o papel do escritor é tornar a literatura necessária.
(Abel Silva,
1976)
Nascido em Cabo
Frio (RJ), em 28 de fevereiro de 1943, Abel Ferreira da Silva foi
aos dois anos para a cidade do Rio de Janeiro; criado no bairro do
Catete, para onde se mudou com a família. Filho de pastor
protestante, Abel começou a ler muito cedo na biblioteca do pai que
ele chama de “anárquica”, pois havia desde Tesouro da Juventude até
Os sertões de Euclides da Cunha, lido por ele aos 16 anos. Apesar
de ser influenciado pelas leituras de Fernando Pessoa, Graciliano
Ramos, Sade, Poe, Sartre e Oswald de Andrade, teve na música uma
influência marcante na sua formação profissional, em virtude da
maioria dos amigos serem músicos.
Abel estudou na
Faculdade Nacional de Filosofia e Direito, liderando nas décadas de
60 e 70 os movimentos estudantis. Formado em Letras, em 1969 pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro, logo passou a lecionar
literatura brasileira na PUC do Rio e na UFRJ. Atuou como professor
na Escola de Comunicação, tendo sido editor de cultura do semanário
Jornal Opinião (1972) e da revista de cultura Anima (1974/1975) em
parceria com o poeta baiano José Carlos Capinan, onde colaborava com
nomes como: João Ubaldo Ribeiro, Ferreira Gullar, Rui Espinheira
Filho, Gramiro de Mattos, Manduca, José Agripino de Paula, Ronaldo
Bastos e outros.
Nessa época
morou no Solar da Fossa, onde conviveu com Torquato Neto, Caetano
Veloso e Gal Costa. Enveredou-se pela poesia e, no auge da repressão
militar, em 1971, lançou o romance “O Afogado”; em 1974, o livro de
contos “Açougue das Almas” e. cinco anos depois, seu primeiro livro
de poesias intitulado “Asas”.
Sua careira de
compositor começou por acaso, nasceu da amizade com o cantor
Raimundo Fagner em 1974, quando surgiram as primeiras parcerias,
Sangue Pudins e Asa Partida, LP CBS, 1976. Já como poeta-letrista,
Abel Silva marcou presença junto a compositores e intérpretes
nordestinos, como João do Vale, Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Marines,
Robertinho do Recife e Amelinha. Preponderantemente letrista, sua
primeira composição foi uma melodia que recebeu letra de João do
Vale “Eu chego lá”, mas sua primeira composição gravada foi Jura
Secreta (com Suely Costa), que lançou a cantora baiana Simone.
Entre suas
composições mais famosas encontramos: Festa do Interior, Espírito
Esportivo, Baldes do Maracanã, Bumerangue, Cidade dos Brasileiros
(parcerias com Moraes Moreira), Brisa do Mar, Diapasão, Entre o sim
e o não, Homem Feliz e Simples Carinho (com João Donato), Quando o
Amor acontece e Desenho de Giz (com João Bosco), Água na Boca (com Tunai), Promessas, promessas (com Francis Hime), A família (com Edu
Lobo), Asa Partida, Dúvida de Amor, Amor escondido (com Fagner),
Raio de luz (com Cristóvão Bastos), E coisa e tal e vento a favor
(com Antonio Adolfo). Sua parceria mais constante foi com Suely
Costa, criando obras-primas, verdadeiras pérolas da música popular
brasileira, que com certeza, estão imortalizadas: Jura Secreta,
Alma, Primeiro Jornal, Vento Nordeste, Canção brasileira, Coração
aprendiz, A menina e a moça, Voz da Mulher, Mundo delirante, Vida de
artista, Frutos do mar, Aos pedaços, Maresia, Bóias de luz, entre
outras. Suas letras ganharam as vozes de Gal Costa, Simone, Nonato
Luis, Ângela Ro Rô, Ivan Lins, Zé Renato, Edu Lobo, Fagner, Maria
Bethânia, Leila Pinheiro, Nana Caymmi, Elis Regina, Nara Leão, João
Bosco, Zizi Possi, Verônica Sabino, Emilio Santiago e Jards Macalé
são alguns dos nomes de nossa MPB que gravaram suas composições. Abel Silva é autor de mais de 300 composições e já ganhou dois
prêmios Sharp.
Abel Silva foi
apresentado ao grande público brasileiro através do livro de contos
Açougue das Almas, publicado pela Ática em 1976, com belíssimas
ilustrações de Elifa Andreato, e apresentação de Antônio Houaiss,
que encerra o texto afirmando que “Abel Silva nos dá um livro que
por si só não fará o verão que seu esforço criador promete: Oxalá
venha a merecer dos leitores o favor com que mais se acende o
engenho, para prosseguir na rota que projetou para si”.
“Abel ao pé da
letra” – coletânea lançada em 1989 (LP, 12 faixas – CBS); reúne
algumas parcerias do compositor cabofriense: Festa do Interior
(Moraes Moreira), Merengue (Robertinho do Recife), Quando chega o
verão (Dominguinhos), Bicho estranho, O primeiro jornal, Jura
secreta e Rosa de Viver (Suely Costa), Asa Partida (Raimundo
Fagner), Transparência (Menescal), Simples Carinho (João Donato),
dentre outros. Em 2000, Abel Silva em parceria com Nonato Luís,
lançou, de forma independente, o cd (15 faixas) Baú de Brinquedos,
que reúne canções da dupla, como Baú de brinquedos, Tanta coisas de
vida, Às vezes, a flor e o passageiro, Febre, Mauro blues, Só esta
mais uma vez, Na beira do rio, na terra do mar, dentre outras. Em
2001, publicou pela Record o livro Só uma palavra me devora (poesia
reunida e inéditos) com 180 poemas, letras de músicas e textos
publicados em jornais e revistas entre 1973 e 2000. Dois anos depois
(2003), comemorando seus 30 anos de carreira, o poeta edita pela
prestigiosa coleção Poesia Falada, dirigida por Paulinho Lima, um cd
com seus poemas, recitados por Hugo Carvana, Antônio Pedro, Chico
Caruso, Jaguar, Pedro Bial, Leilane Neubarth, Maria Gladys, Lena
Trindade e Amaro Emiliano.
Berro em
surdina:Poesia (2005), uma bela coleção de 65 poemas inéditos, que
comemora seus 30 anos de poesia; entre os temas recorrentes do novo
livro, está as agruras do amor, a efemeridade da juventude, o futuro
a assustar, que viveu intensamente e a incômoda certeza da morte. A
passagem do tempo. O poeta diz sempre muito com o mínimo de palavras
e o máximo de genialidade. Abel é um letrista brilhante, com uma
poesia versátil, universal, atemporal, tem uma marca própria, um
lirismo contemporâneo e sensual, um neomodernista surpreendente de
cuca voadora, como o definiu Glauber Rocha. Foi ele quem incentivou
Abel a mostrar seus poemas aos editores. Os poemas de Berro em
Surdina (resumo de três décadas) também vêm carregados de uma
profunda tensão com a política nacional, normal e aceitável para
quem viveu a juventude sob a opressão da ditadura militar:
Eles se pensavam águias
Agora se sabem urubus
....................................
planaram mortais
para pousar, depois,
sobre a carniça dos velhos ideais.
Num poema
chamado Antropofagia, em tom raivoso, com palavras de ordem, procura
despertar o brasileiro que dormiu no ponto:
Chega de antropofagia
chega de deglutir o colonizador.
Mudemos o cardápio,
chega de comer o tal Sardinha
pois o bispo quem ganhou.
Venceu o Calvário,
a
cruz vingou!
Artesão
competente e criativo do verso, possuidor de uma alta voltagem
inventiva, Abel Silva é letrista consagrado, autor de inúmeros
sucessos da MPB. Com certeza sua obra conquistará posição de
destaque na histografia literária brasileira, apesar de seus livros
continuarem quase todos esgotados, difíceis de encontrar até mesmo
nos sebos. O poeta publicou ainda Mundo Delirante (1992).
FESTA DO INTERIOR
Fagulhas, pontas de agulhas
Brilham estrelas de São João
Babados, xotes e xaxados
Segura as pontas, meu coração
Bombas na guerra magia
Ninguém matava
Ninguém morria
Nas trincheiras da alegria
O
que explodia era o amor
Ardia aquela fogueira
Que me esquentava a vida inteira
Eterna noite
Sempre a primeira festa do interior
(Letra: Abel Silva. Música:
Moraes Moreira)
(*Jornalista e professor universitário)
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