ESCLARECIMENTO
PRELIMINAR
(Eduardo Llanos Melussa)
Se ser poeta significa fazer cara de sonho,
perpetrar recitais à vista e paciência do público
indefeso,
infligir-lhe poemas ao crepúsculo e aos olhos de uma
amiga,
de quem desejamos não precisamente seus olhos;
se ser poeta significa achegar-se de mecenas de
conduta sexual duvidosa,
tomar chá com biscoitos junto a senhoras ainda
relativamente desejáveis
e pontificar ante elas sobre o amor e a paz,
sem sentir o amor nem a paz na caverna do peito;
se ser poeta significa arrogar-se uma missão
superior,
mendigar elogios a críticos que no fundo se
aborrecem,
conluiar-se com os jurados em cada concurso,
suplicar a inclusão em revistas e antologias do
momento,
então, então, não quero ser poeta.
Mas se ser poeta significa suar e defecar como todos
os mortais,
contradizer-se e remoer-se, debater-se entre o céu e
a terra,
escutar não tanto aos demais poetas como aos
transeuntes anônimos,
não tanto aos lingüistas quanto aos analfabetos de
precioso coração;
se ser poeta significa inteirar-se de que um João
violou sua mãe e seu próprio filho
e que em seguida chorou terrivelmente sobre o
Evangelho de São João, seu remoto xará,
então, bom, poderia ser poeta
e agregar algum suspiro a esta neblina.
(Tradução de Marcelo Bueno de Paula)
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