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poemas de Enrique González Martínez
ENGANAS-TE,
NÃO VIVESTE
Enganas-te,
não viveste… Não basta só que teus olhos
se
abram como duas fontes de piedade, ou que tu pouses
as
duas mãos sobre as dores humanas, ou mesmo que ouses
caminhar
com tuas plantas sobre todos os abrolhos.
Enganas-te,
não viveste enquanto teu passo torto
apenas
tateie às cegas tua penumbra interior;
enquanto
não sintas num impulso de semeador
fecundado
o teu espírito e florescido o teu horto.
Cumpre
lavrar o teu campo, e divinizar a vida,
e
segurar com mão firme a lâmpada sempre erguida
por
cima da sombra eterna, por cima do eterno abismo.
E
calar tão fundamente, e com tão profunda calma
que
absorvido na infinita soledade de ti mesmo
escutes
somente o vasto silencio que há na tua alma.
DOR
Meu
abismo se encheu, numa lufada,
e
se tornou tão meu naquele dia
que
não sei se este alento de agonia
é
vida ainda ou morte alucinada.
Chegou
o Arcanjo, arremessou a espada
sobre
o duplo laurel que florescia
no
horto fechado. E então, naquele dia,
a
sombra regressou, e eu ao meu nada.
Supus
que o mundo, frente ao humano assombro,
ia
tombar, envolto pelo escombro
da
ruína total do firmamento...
Mas
vi a terra em paz, em paz a altura,
sereno
o campo, a correnteza pura,
o
monte azul, e sossegado o vento!...
C
ANÇÃO
Canção
para quem entende
o
que é chorar...
Quem
pudera dar-te ao vento
e
ir-se ao vento no cantar!
Canção
como chuva fina
sobre
o mar,
que
se dissolve e é uma nuvem
que
sobe e volta a chorar...
Canção
que na alma é chuva,
canção
que é pranto no mar...
Quem
pudera dar-te ao vento
e
ir-se ao vento no cantar!
A
ALMA EM FUGA
Buscaram,
já rompendo a madrugada,
olhos
e braços meus sua presença,
e
só achei, como sinal da ausência,
o
oco da sua fronte na almofada.
Oh,
que correr a angústia desatada,
que
ulular na amplidão minha demência,
que
farejar nos âmbitos a essência
da
fugitiva planta perfumada!
Amigos,
que elogiais sua formosura,
não
me deixeis sozinho na amargura
do
transe doloroso e imprevisto.
Perscrutai
o perfil dos horizontes!
Batei
os campos, derrubai os montes!
Por
piedade, dizei se a tendes visto!
ERAM
DUAS IRMÃS
Eram
duas irmãs,
eram
duas irmãs tristes
e
pálidas.
Vinha
uma delas
de
terras distantes,
trazendo
em seus ombros um fardo
de
nostalgias,
sempre
pensativa,
calada,
com
os olhos voltados para o infinito,
os
olhos azuis de pupilas vagas
através
dos quais por momentos até parecia
sorrir
a alma...
A
outra
irmã,
de
lábios murchos,
de
sorriso amargo,
sempre
muda,
sempre
imóvel, esperava
não
sei que coisas de passados tempos,
memórias
ausentes ou venturas distantes...
Não
sei que tinha
seu
sorriso... Falava
daqueles
abismos de dor imensa
em
que se afundaram umas quantas almas.
E,
quando chorava pranto silencioso
a
primeira irmã,
ela
sorria, ela sorria
e
calava...
Daqueles
sorrisos
e
daquelas lágrimas
nunca
pude saber quais eram
os
mais amargos...
Eram
duas irmãs,
eram
duas irmãs tristes
e
pálidas...
(Traduções
de Renato Suttana)
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