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Alberto Lacet, "Mulher lendo"

 

Outros poemas de Enrique González Martínez

 

 

ENGANAS-TE, NÃO VIVESTE

 

Enganas-te, não viveste… Não basta só que teus olhos

se abram como duas fontes de piedade, ou que tu pouses

as duas mãos sobre as dores humanas, ou mesmo que ouses

caminhar com tuas plantas sobre todos os abrolhos.

 

Enganas-te, não viveste enquanto teu passo torto

apenas tateie às cegas tua penumbra interior;

enquanto não sintas num impulso de semeador

fecundado o teu espírito e florescido o teu horto.

 

Cumpre lavrar o teu campo, e divinizar a vida,

e segurar com mão firme a lâmpada sempre erguida

por cima da sombra eterna, por cima do eterno abismo.

 

E calar tão fundamente, e com tão profunda calma

que absorvido na infinita soledade de ti mesmo

escutes somente o vasto silencio que há na tua alma.

 

 

 

DOR

 

Meu abismo se encheu, numa lufada,

e se tornou tão meu naquele dia

que não sei se este alento de agonia

é vida ainda ou morte alucinada.

 

Chegou o Arcanjo, arremessou a espada

sobre o duplo laurel que florescia

no horto fechado. E então, naquele dia,

a sombra regressou, e eu ao meu nada.

 

Supus que o mundo, frente ao humano assombro,

ia tombar, envolto pelo escombro

da ruína total do firmamento...

 

Mas vi a terra em paz, em paz a altura,

sereno o campo, a correnteza pura,

o monte azul, e sossegado o vento!...

 

 

 

C ANÇÃO

 

Canção para quem entende

o que é chorar...

Quem pudera dar-te ao vento

e ir-se ao vento no cantar!

 

Canção como chuva fina

sobre o mar,

que se dissolve e é uma nuvem

que sobe e volta a chorar...

 

Canção que na alma é chuva,

canção que é pranto no mar...

Quem pudera dar-te ao vento

e ir-se ao vento no cantar!

 

 

 

A ALMA EM FUGA

 

Buscaram, já rompendo a madrugada,

olhos e braços meus sua presença,

e só achei, como sinal da ausência,

o oco da sua fronte na almofada.

 

Oh, que correr a angústia desatada,

que ulular na amplidão minha demência,

que farejar nos âmbitos a essência

da fugitiva planta perfumada!

 

Amigos, que elogiais sua formosura,

não me deixeis sozinho na amargura

do transe doloroso e imprevisto.

 

Perscrutai o perfil dos horizontes!

Batei os campos, derrubai os montes!

Por piedade, dizei se a tendes visto!

 

 

 

ERAM DUAS IRMÃS

 

Eram duas irmãs,

eram duas irmãs tristes

e pálidas.

 

Vinha uma delas

de terras distantes,

trazendo em seus ombros um fardo

de nostalgias,

sempre pensativa,

calada,

com os olhos voltados para o infinito,

os olhos azuis de pupilas vagas

através dos quais por momentos até parecia

sorrir a alma...

A outra

irmã,

de lábios murchos,

de sorriso amargo,

sempre muda,

sempre imóvel, esperava

não sei que coisas de passados tempos,

memórias ausentes ou venturas distantes...

Não sei que tinha

seu sorriso... Falava

daqueles abismos de dor imensa

em que se afundaram umas quantas almas.

E, quando chorava pranto silencioso

a primeira irmã,

ela sorria, ela sorria

e calava...

Daqueles sorrisos

e daquelas lágrimas

nunca pude saber quais eram

os mais amargos...

 

Eram duas irmãs,

eram duas irmãs tristes

e pálidas...

 

(Traduções de Renato Suttana)

 

também em formato epub

 

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