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Francis Picabia, A noiva

 

Sobre os Readymades

 

(Marcel Duchamp)

 

Em 1913 tive a feliz idéia de fixar uma roda de bicicleta a uma banqueta de cozinha e vê-la girar.

 

Alguns meses depois, comprei uma reprodução barata de uma paisagem de entardecer de inverno, que denominei de “Farmácia”, após lhe acrescentar duas pequenas manchas, uma vermelha e uma amarela, no horizonte.

 

Em Nova York, em 1915, comprei numa loja de ferragens uma pá para neve, sobre a qual escrevi “In advance of the broken arm” (“Um avanço para o braço quebrado”).

 

Foi nessa época que a palavra “readymade” me ocorreu para designar essa forma de manifestação.

 

Um ponto que quero deixar bem claro é que a escolha desses “readymades” jamais foi ditada por razões de deleite estético.

 

A escolha baseava-se numa reação de indiferença visual, bem como, ao mesmo tempo, de total ausência de bom ou mau gosto – de fato, uma completa anestesia.

 

Uma característica importante era a frase curta que eu ocasionalmente anexava ao “readymade”.

 

A frase, em vez de descrever o objeto à maneira de um título, objetivava levar a mente do espectador para outras regiões mais verbais.

 

Algumas vezes, eu adicionaria um detalhe gráfico de apresentação, o qual, a fim de satisfazer minha ânsia por aliterações, seria chamado de “readymade aided” (“readymade ajudado, melhorado”).

 

Noutras ocasiões, tentando expor a antinomia básica entre arte e “readymades”, imaginei um “readymade recíproco”: usar um Rembrandt como uma tábua de passar!

 

Muito cedo me dei conta do perigo de repetir indiscriminadamente essa forma de expressão e decidi limitar a produção anual de “readymades” a um número pequeno. Reparei, nessa época, que, para o espectador e mais ainda para o artista, a arte é uma droga que conduz ao hábito, e quis então proteger meus “readymades” contra tal contaminação.

 

Outro aspecto do “readymade” é a sua ausência de exclusividade. A réplica do “readymade” produzindo a mesma mensagem, qualquer um dos “readymades” que existem hoje em dia não é um original no sentido convencional do termo.

 

Uma observação final sobre esse discurso egolátrico: desde que os tubos de tinta usados por um artista são produtos manufaturados e pré-fabricados (“readymade”), devemos concluir que todas as pinturas do mundo são “readymades aided” e também obras de colagem.

 

(Escrito em 1961)

 

 

(Tradução de Renato Suttana)

 

 

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