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DUAS OU TRÊS
CONSIDERAÇÕES SOBRE POLÍTICA CONTEMPORÂNEA
(Renato Suttana)
(Páginas de um diário íntimo)
O fato de não podermos assumir diante da política, hoje
em dia, senão uma atitude judicativa e moralizante é
também uma característica dos tempos. Noutras épocas
falávamos de questões mais estimulantes e proveitosas,
como projetos para o futuro, distribuição de renda e
avanço nas áreas sociais e econômicas. Hoje, deprimidos
e acossados pelas circunstâncias, só nos resta julgar o
caráter de nossos governantes — igualando-nos a eles em
termos de picardia, má fé e desencanto (o que faz deles
uma espécie de totens da nossa época desiludida e
incapaz de imaginar uma saída para seus — inúmeros e
cada vez mais labirintíticos — impasses). A isso,
talvez, nos trouxe a prática cotidiana da opinião
instantânea e impensada, estimulada pela presença
ubíqua, no nosso imaginário, da propaganda, das mídias
de comunicação e das redes sociais da internet. (Mas é
fato também que sem elas já não podemos viver.)
*
É de levar em conta, sobretudo, que nos últimos cinco ou
seis anos, este país, fanatizado pelo moralismo, exaltou
e elevou a uma categoria semidivina a figura de um juiz
de primeira instância que, recentemente, teve os
processos que julgou anulados pela Suprema Corte, sob a
alegação de parcialidade. Em geral, no entanto, sabiam
todos que ele atropelava as regras da justiça e
manipulava os processos, com finalidades políticas.
Talvez não haja corrupção maior ou, pelo menos, mais
capaz de gerar frutos corruptos do que a própria justiça
— instância suprema da corrupção nas sociedades
contemporâneas. Mas a justiça corrompida corrompe também
a linguagem. Ao falarmos do juiz, considerando a sua
situação, corremos o risco de esbarrar num tipo de
coisas que nos faz também perder o senso da medida. Nos
últimos anos, o Brasil perdeu, principalmente, o sentido
da proporção e da linguagem — pensamento que nos atordoa
e que, por mor do nosso equilíbrio psíquico, deveria nos
conduzir finalmente ao silêncio.
*
Uma jornalista dizia, há alguns
anos, sobre o juiz malfeitor, que se tratava de um
estrategista, de um verdadeiro enxadrista das questões
judiciais. Já uma revista noticiosa, de certo prestígio,
dizia dele que "via mais longe" e que, portanto, tinha
mais condições (que os mortais comuns) de antecipar o
futuro. Bem que gostaríamos de acreditar nessas coisas.
Porém o tempo e os fatos mostraram o quanto estavam —
jornalista e revista — errados. Tratou-se,
antes, olhando tudo à distância (mas não faltou, na
época, quem denunciasse esses desvios), de cometer erros
(voluntários ou não) de linguagem, motivados tanto por
uma avaliação incorreta da realidade, quanto por uma
infusa, e nunca suficientemente esclarecida, má fé. Ora,
para evitar a queda no abismo, de que tanto se
aproximaram os brasileiros, precisaríamos ter saído da
má fé. E quem ousaria dar esse passo, considerando-se as
condições atuais dos meios de comunicação e das
propensões íntimas de cada cidadão?
28-6-2021/18-12-2023
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