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DUAS OU TRÊS CONSIDERAÇÕES SOBRE POLÍTICA CONTEMPORÂNEA


(Renato Suttana)

(Páginas de um diário íntimo)

O fato de não podermos assumir diante da política, hoje em dia, senão uma atitude judicativa e moralizante é também uma característica dos tempos. Noutras épocas falávamos de questões mais estimulantes e proveitosas, como projetos para o futuro, distribuição de renda e avanço nas áreas sociais e econômicas. Hoje, deprimidos e acossados pelas circunstâncias, só nos resta julgar o caráter de nossos governantes — igualando-nos a eles em termos de picardia, má fé e desencanto (o que faz deles uma espécie de totens da nossa época desiludida e incapaz de imaginar uma saída para seus — inúmeros e cada vez mais labirintíticos — impasses). A isso, talvez, nos trouxe a prática cotidiana da opinião instantânea e impensada, estimulada pela presença ubíqua, no nosso imaginário, da propaganda, das mídias de comunicação e das redes sociais da internet. (Mas é fato também que sem elas já não podemos viver.)

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É de levar em conta, sobretudo, que nos últimos cinco ou seis anos, este país, fanatizado pelo moralismo, exaltou e elevou a uma categoria semidivina a figura de um juiz de primeira instância que, recentemente, teve os processos que julgou anulados pela Suprema Corte, sob a alegação de parcialidade. Em geral, no entanto, sabiam todos que ele atropelava as regras da justiça e manipulava os processos, com finalidades políticas. Talvez não haja corrupção maior ou, pelo menos, mais capaz de gerar frutos corruptos do que a própria justiça — instância suprema da corrupção nas sociedades contemporâneas. Mas a justiça corrompida corrompe também a linguagem. Ao falarmos do juiz, considerando a sua situação, corremos o risco de esbarrar num tipo de coisas que nos faz também perder o senso da medida. Nos últimos anos, o Brasil perdeu, principalmente, o sentido da proporção e da linguagem — pensamento que nos atordoa e que, por mor do nosso equilíbrio psíquico, deveria nos conduzir finalmente ao silêncio.


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Uma jornalista dizia, há alguns anos, sobre o juiz malfeitor, que se tratava de um estrategista, de um verdadeiro enxadrista das questões judiciais. Já uma revista noticiosa, de certo prestígio, dizia dele que "via mais longe" e que, portanto, tinha mais condições (que os mortais comuns) de antecipar o futuro. Bem que gostaríamos de acreditar nessas coisas. Porém o tempo e os fatos mostraram o quanto estavam jornalista e revista errados. Tratou-se, antes, olhando tudo à distância (mas não faltou, na época, quem denunciasse esses desvios), de cometer erros (voluntários ou não) de linguagem, motivados tanto por uma avaliação incorreta da realidade, quanto por uma infusa, e nunca suficientemente esclarecida, má fé. Ora, para evitar a queda no abismo, de que tanto se aproximaram os brasileiros, precisaríamos ter saído da má fé. E quem ousaria dar esse passo, considerando-se as condições atuais dos meios de comunicação e das propensões íntimas de cada cidadão?


28-6-2021/18-12-2023



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