POEMA
(Philip
Dennis)
a
Jacques Dupin
1
Sobre
a vidraça coberta de névoa, quantas vezes
é
preciso escrever a ausência?
Página
sulcada de mãos.
Andorinha
– de salto em salto – contigo
regresso
até à nascente.
Debaixo
do arco convexo da ramaria
na
planura, o riso dum camponês
antecipa
a rudeza da subida.
Com
eles me cruzo, na volta dos caminhos.
Minúsculos
contactos que me dão
a
sua silhueta.
O
país mudou de língua, por estas veredas
quando
às quintas se chega, um cão ladra
-
e disso me dou conta.
Palpitam
as folhas duma planta – a ligeireza
de
tudo o que a enquadra.
Zumbidos.
Toda a noite. Insecto morto, afogado
no
algodão da manhã.
Caminho
que nos leva a esta trémula casa.
2
O
vento sopra até junto desta palavra que as minhas
mãos
mais não fazem que torcer para que delas saia
a
inesperada frescura.
Planta
abundante nos livros dos ervanários. E tudo
exulta
sob o manto das árvores, entre a folhagem
pleno
de inocência.
Doce
piedade transbordante. Piedade
da
outra metade do céu.
Purpúreo,
nos docéis silenciosos, o diálogo
das
flores entre si.
Vibrantes,
estes nadas – que tudo tocam
POEMAS
(Philip
Dennis)
a
O
que eu busco não é um lugar
mas
um ponto de partida.
Da
nuvem madura
espero
o relâmpago
da
pobreza duma palavra
a
sabedoria.
b
Pastoreio
o rebanho das nuvens, que o vento
indiferentemente
junta ou dispersa. Partilho
com
a encosta as longas horas imóveis
da
espera.
c
Por
detrás da janela tingida por uma luz
errante,
falar, tal como um lume – enquanto neva
sobre
a casa, ou o metal exaure nossas vidas truncadas.
d
Quem
da terra natal me falasse
falar-me-ia
dum
vazio que nem sequer me é pessoal.
Penumbrosa
origem acordando somente esta palavra
vós
– aqui desprendidamente lançada.
Velha
como um abismo
–
ausente
como um alto cimo
e
Toda
a noite pintando e repintando esta porta
que
nunca se fecha…Toda a noite,
até
que os nervos, liquefeitos, se tornam
na
própria tinta.
Lendo
de ponta a ponta as linhas sem direcção
–
esta mão – que só o meu passado evocam.
Próxima
cura, se vieres – contigo
eu
farei a loucura real.
(in
"Eclogues")
A VIAGEM
DERRADEIRA
(Juan
Ramón Jiménez)
...E partirei. E ficarão os pássaros
cantando;
e ficará o meu quintal, com a sua árvore verde
mais o seu poço branco.
O céu, todas as tardes estará azul e calmo;
e tocarão, como esta tarde estão tocando
os sinos do campanário.
Irão morrendo aqueles que me amaram;
e a cada ano se fará novo o meu povoado;
e no tal recanto do meu quintal florido e calado
o meu espírito vagueará, nostálgico…
Eu partirei; e ficarei só, sem lar, sem a árvore
verde, sem o poço branco
sem o céu azul e calmo…
E ficarão os pássaros cantando.
PARA
UMA JOVEM NEGRA DE CALCANHAR RÓSEO
(Léopold-Sédar
Senghor)
No céu primitivo erguem-se imaculados os cantos dos pássaros
e o fresco cheiro da erva ágil com eles se ergue, Abril.
Ouço o respirar profundo da madrugada movendo as nuvens
brancas dos cortinados
e escuto a canção do sol nos taipais das janelas
melodiosas.
Sinto como que um hálito ou uma recordação de Naett
na minha nuca apaixonada e nua
E o meu sangue cúmplice, a despeito de mim, chocalha-me
nas veias.
És tu, minha amiga – ô! Escuta os suspiros escuta
os quentes suspiros neste Abril dum continente novo
Oh escuta, enquanto deslizam, no gelado azul, as asas
das andorinhas migratórias
e não te esqueça ouvir o murmúrio negro e branco das aves
de arribação
horizontais no extremo das suas velas desdobradas.
Escuta a mensagem da Primavera duma outra idade, dum outro
mundo
Escuta a mensagem da África longínqua e velha e a canção
do teu sangue
Pois eu estou ouvindo a seiva de Abril que nas tuas veias
cantando me desafia.
POEMA
SEIS (fragmento)
(Nicolás
Guillén)
Índias Ocidentais! Índias Ocidentais! West Indies!
Este é o povo hirsuto
de cobre, multicéfalo, onde a vida luta
com o lodo seco entranhado na pele.
Este é o presídio
onde cada homem existe de pés atados.
Esta é a grotesca sede das companies and trusts.
Aqui estão o lago de asfalto, as minas de ferro
as plantações de café
os port docks, os ferry boats, os ten cents…
Este é o povo do all right
onde tudo se encontra mal
Este é o povo do very well
onde nada está bem.
Aqui estão os servidores de Mr. Babbit.
Os que educam os filhos em West Point.
Aqui estão os que chilreiam: hello baby
e fumam “Chesterfield” e “Lucky Strike”.
Aqui estão os bailarinos de fox trots
os boys do jazz band
e os veraneantes de Miami e Palm Beach.
Aqui estão os que pedem bread and butter
e coffee and milk.
Aqui estão os absurdos jovens sifilíticos
os fumadores de ópio e marijuana
exibindo as suas espiroquetas
e mandando fazer um fato em cada semana.
Aqui está o melhor de Port-au-Prince
O mais puro de Kingston, o high life de La Habana…
Mas aqui estão também os que remam em lágrimas
galeotes dramáticos, galeotes dramáticos.
Aqui estão eles
os que trabalham com uma picareta
a dura pedra onde pouco a pouco se crispa
o punho de um titã. Os que acendem a chispa
vermelha, sobre o campo ressequido.
Os que gritam: “Cá estamos!” e a quem responde o eco
de outras vozes: ”Cá estamos!”. Os que em rude tumulto
sentem latir o sangue com sílabas de insulto.
(Traduções
de Nicolau Saião)
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