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DEZ PENSAMENTOS SOBRE MÍDIA E
COMUNICAÇÃO DE MASSA
(Renato Suttana)
I
O indivíduo normal não tem necessidade de se informar
todos os dias sobre os assuntos que são divulgados nos
jornais, telejornais e revistas noticiosas. O
noticiário, basicamente, não interessa à vida prática
dos cidadãos. O fato de nos preocuparmos em ler jornais
ou assistir aos noticiários de televisão é resultado,
apenas, do esforço que fazemos cotidianamente para nos
incluirmos numa comunidade de interessados, em que esses
assuntos têm relevância ou são moeda corrente de
socialização. Queremos ser indivíduos “informados” e
para isso nos desinformamos lendo jornais. (Isso explica
também o nosso interesse pelos escritos dos chamados
colunistas ou jornalistas de opinião.)
II
A única verdade presente na linguagem da grande mídia e
no fluxo interminável de eventos e informações que dela
jorra é aquela que se lê nas páginas de classificados.
Do ponto de vista da realidade, as outras páginas são,
em geral, invenções da fantasia.
III
A profusão de contraditórios que pululam diariamente na
internet ou na chamada mídia alternativa comprova, de
maneira gritante, que as notícias divulgadas pela
imprensa (em todos os seus setores) são, grosso
modo, mentirosas, parciais ou falsas (se não o
fossem, haveria menos contraditórios e, portanto, menos
polêmicas).
IV
O suposto interesse da grande mídia pela pobreza dos
homens e pela vida dos despossuídos é resultado do
esforço de enraizar-se e estabelecer uma casamata ali
onde existe interesse de dominação ou lucro. A mídia se
estabelece como um parasita e, assim, habita entre a
população que pretende manipular. A quantidade de
notícias que informam sobre catástrofes, desastres
domésticos e infortúnios em geral, cujos protagonistas
são sempre pessoas comuns (pois não se tem notícia de
repórteres dizendo que a mansão de fulano foi invadida
pelas águas de uma enchente ou que o heliporto de
sicrano foi destruído por uma erosão), de baixa condição
social, não comprova dedicação genuína aos prolemas e
sofrimentos diários dessas pessoas, mas apenas interesse
pelo público (ou massa de espectadores) de que elas
fazem parte.
V
O pobre só é interessante, para a grande mídia, como
personagem de desastre ou como vítima em potencial. Sua
desenvoltura, seu à vontade em falar diante da televisão
ou do microfone é a prova de que os indivíduos se
adaptaram a um papel e sabem executá-lo sem muitos
embaraços. Na medida em que os desfavorecidos têm outras coisas a
dizer, além das lamentações diárias acerca de um modo de
vida que nunca esteve a seu favor, eles se tornam
desinteressantes e tendem a ser tratados apenas como
massa pelos meios de comunicação.
VI
Jornais e revistas noticiosos não deveriam dedicar seu
tempo e suas energias à política. O fato de se se
ocuparem tanto com temas dessa área revela alguma coisa.
(Por exemplo, as capas de revistas Veja
e IstoÉ, que
em geral trazem informações erradas ou tendenciosas
sobre eventos políticos ou membros da classe política.)
VII
A grande mídia não tem nenhum compromisso com o bem
público, senão na medida em que esse bem público pode
ser apoderado por particulares. Se houvesse
comprometimento com o bem público, isto seria diferente.
(Por exemplo, seria denunciado nos jornais o fato de que
o calçamento da rua diante da nossa casa está em petição
de miséria. Mas quem se interessa por esse tipo de
notícia?)
VIII
A tela da televisão é uma arma, e a fama (ou a
fragilidade dos famosos) é o seu alvo principal. Há uma
relação direta entre fama e vulnerabilidade – quanto
mais um indivíduo se torna conhecido do grande público,
mais sujeito ele fica a ser bombardeado pelos canhões da
tela brilhante. Não é à-toa, pois, que os irmãos Marinho
nunca aparecem na tela de sua própria tevê: não se
aponta uma arma para si mesmo. (O que, aparentemente,
não é o caso de um Sílvio Santos, por exemplo. Mas
Sílvio Santos também não se ajusta ao paradigma: o que
ele oferece ao seu público não é o homem real ou o
empresário que controla, com sua autoridade e seu
dinheiro, uma grande rede de televisão; mas uma
personagem construída de modo fictício num programa de
tevê que tem sido oferecido ao público ao longo de
décadas. Se o homem real se apresentasse ali, ele se
tornaria vulnerável, e o personagem provavelmente já não
existiria mais.)
IX
Atores, comentaristas (de todos os tipos), jornalistas,
repórteres, apresentadores de programas e todos aqueles
que oferecem seu rosto, suas palavras e sua
personalidade (real ou fictícia) para povoar e preencher
o espaço televisivo não são atiradores: são partes da
arma. Os donos das redes de televisão usam-nos para
disparar contra o público ou contra seus adversários.
X
A linguagem da mídia é simples não porque as coisas que
ela diz sejam simples, mas porque ela as simplifica. Tal
linguagem torna o mundo “compreensível” para aqueles que
não o compreendem e não têm, em geral, nenhuma
possibilidade de compreendê-lo (que exigiria estudos e
uma técnica de análise da realidade que só estão
acessíveis para alguns), exceto na medida em que esse
mundo lhes é explicado numa linguagem de fácil
decifração. Mas o fácil, aqui, é de fato a máscara do
inacessível: a linguagem fácil familiariza o mundo e nos
torna desassombrados diante dele, nos torna afoitos o
suficiente para nos atirarmos nele como nadadores num
mar profundo. (E é o fato de sermos tão leves que nos
impede de afundar.) Mas o mar é profundo e cheio de
perigos, e cedo ou tarde nos afogaremos.
Maio de 2016.
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