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Nicolau Saião, Kasbah (arte digital)

 

“EPPUR SI MUOVE”

 

(Carlos Garcia de Castro)

 

Dentro de casa, exactos, os amigos sentam-se à mesa a conversar de tudo que há na Cidade e fora da Cidade – principalmente do que há dentro deles. Seu comodato, instalação e tempo, suas certezas de experiência à mostra, até desgostos, compleição civil, as emergências, ditos, as surpresas, encantos, desencantos, os segredos do quanto se resume ser problema para quem se habituou a ser feliz, cautelas, cálculos, certezas, manha – tudo se fala, se conversa aqui.

 

Dentro de casa, exactos, os amigos sentam-se à mesa a conversar implumes.

 

Filosofando, trivial, persisto numa sentença atreita ao coração:

 

– Estes amigos são contemplação.

 

Contemplar é louvar e é divertido (desde que assim não seja um fogo-posto).

 

Estes amigos são contemplação – todos à volta em távola redonda.

 

Alastram-se comigo os seus juízos, tendo da vida a concepção dos úteis que eu nunca tive, inútil, um Poeta. Por isso, um outro tino, o meu silêncio de companheiro aceita sem mostrar, contemplativo, os dons e a prevenção que é necessária à távola redonda. Como se um espelho houvesse entre universos ali boiando à luz desencontrada – a palurdice em paz, com indiferença. Serenamente, como os muitos astros sem colisões a divagar galáxias. Tudo se fala, se conversa aqui, tudo se traz à távola redonda de gente que entre si é separada. Distância igual dos astros uns dos outros numa galáxia de harmonia unida. Os meus amigos são contemplação, cosmicamente os sigo e os acompanho em órbitas, parâmetros, satélites, circuito circular, mesa redonda.

 

O velho Galileu intrometia-se, com Matemática abrangia o céu, com indução, hipóteses eram leis de Júpiter, de Vénus, de Saturno, manchas do Sol, arder da Criação.

 

O mundo se agitava em Galileu no sobressalto linear das esferas. Eram assim gigantes, tavolares, as incisões traçadas infinito.

 

Meus telescópios são os meus ouvidos, circunscrição à mesa dos amigos, combinação solar que anda nas ruas de obrigação com eles, recolhendo, sem nunca fazer mal ou dizer mal por dentro da amizade em várias partes do quanto em mim aprendo e aprendo neles. – O infinito é próximo e composto, disperso e agregado, prisão livre (saber das luas é saber dos homens).

 

Nossos caminhos estão na Via Láctea, lançados, arrimados ao bordão de São Tiago andando a sua Estrada. Somos avindos de ir também com ela, de sobrenome numa lenda à espreita – isocronia pendular da Terra.

 

Dentro de casa nos sentamos todos, dentro de casa em paz, que é circular. E eu próprio-Galileu do periscópio, contemplativo, à roda, saturnino, prossigo o espanto do mover dos corpos.

 

Uns são vaidosos, outros serviçais, uns são dolentes, outros activistas. Virtude é ter esperteza, um desenlace, “deitar à frente quando a cama é estreita”. Nem é preciso ser inteligente, basta ganhar-se a nossa posição. Há os saudosos dum lugar antigo que, sem lugar, precisam de função, e sem função ficaram sem ninguém. Sofrem de costas, dizem: – Quando eu fui ... Mais interessantes, capitosos, frágeis, mais ofendidos quando lá não estão, são os que assomam sempre a qualquer mando, perpétuas competências, delegados. Toda a Cidade é povo, eles fidalgos, por natureza que não é nobreza fazem-se os nobres de alcançar primeiro. Outros reúnem no comum de Igrejas, usam direitos de falar aos padres com a soberba de quem serve a Deus. Oficiosos, nunca dizem: Porra! Qualquer rotina é graça do Senhor. Quando ao redor se afoita alguém ilustre de acaso apropriado no falar, dispõe-se o tal da infeliz cultura a informar saber das Selecções. Da História se faz luxo de alguns nomes. E há pregações e máximas morais, comparação do tempo e gerações, casos maiores, com efeito e sorte, tomada a vida ao canto e às quartas partes. Tomada em quanto baste a sujeição. Os mais calados, quando falam mostram:

 

– Também conheço, é assim e assim.

 

– Agora vou passar-lhes a cassette.

 

– Um belo Restaurante, sim senhor.

 

– Foram de sonho este ano as nossas férias.

 

... e vem depois ao caso a profissão ... de sobrevivas chegam as viúvas:

 

– O meu Fulano também era assim.

 

– Nunca o Fulano me fazia isso.

 

(E São Francisco fez um hino ao Sol).

 

Interminável, descoberto espaço que outros conceitos traz do céu à vida, iguais constelações, combinações deixadas de ser Ursa ou Cassiopeia para as lendas principais com novos nomes. É sensitiva no seu estado súbito a lentidão sideral dos factos. Nesses traçados surge um legalista, homem de ofício vindo dos guichets, a ponderar as situações sabidas que heroicamente registou em actas. Ao lado, empertigado, um ouriçado, tareco no falar do esbracejar, logo se atira ao outro do guichet que se fizera ali dono das leis. Não estava lá, porém, o erudito, que tem figura de gravata e fato, para digerir então de toda a lei, historicamente, a sua essência humana.

 

(E São Francisco fez um hino ao Sol).

 

Terá morrido o velho Galileu? – o tal que achava a Terra em movimento.

 

Maio, 2001

 

 

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