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Nuno de Matos Duarte

 

Ao leitor

 

(Charles Baudelaire)

 

A estupidez, o erro, o pecado, a avareza,

Ocupam-nos a alma, o corpo e o pensamento,

E alimentamos bem o arrependimento,

Como os mendigos nutrem vermes e bicheza.

 

Nosso pecado é firme, a contrição subtil;

Vendemos a bom preço as nossas confissões,

E vamos pela lama a chafurdar canções,

Julgando lavar toda a mancha em choro vil.

 

Na almofada do mal Satanás trismegista

Embala-nos sem pressa o espírito encantado,

E o metal rico da vontade evaporado

É todo ele o labor deste sábio alquimista.

 

É o diabo quem tem nas mãos os nossos fios!

Para as coisas nojentas nosso olhar é terno;

Descemos cada dia um passo para o inferno,

Sem horror, através dos maus cheiros sombrios.

 

Tal libertino sem tostão que beija e manja

O seio de uma puta, seco, a envelhecer,

Roubamos ao passar um furtivo prazer

Que espremeremos bem como velha laranja.

 

Juntos, a formigar, como um milhão de helmintos,[1]

Vai-nos no cérebro uma festa de papões,

E ao respirar, a morte, até nossos pulmões

Desce, invisível rio de lamentos extintos.

 

E se o estupro, o veneno, o punhal, a voragem,

Não bordaram ainda com desenhos finos

O pano-cru de nossos míseros destinos

É que à nossa alma, ai! Escasseia-lhe coragem.

 

Mas no meio dos chacais, panteras, macacada,

Cadelas e lacraus, das cobras, do tapir,

Dos monstros a ganir, a gritar, a rugir,

Na nossa grande feira infame e depravada.

 

Há um mais feio, mais malvado, mais imundo!

Que sem grande berreiro e sem grande alvoroço,

De bom grado faria da terra um destroço

E num largo bocejo engoliria o mundo;

 

É o tédio! De olhos rasos d’água sem razão,

Sonha com cadafalsos fumando sentado.

Conheces bem, leitor, o monstro delicado,

– Hipócrita leitor, – meu igual, – meu irmão!

 

(Tradução de Sephi Alter)

 

 

[1] Nome genérico dos parasitas intestinais. (n. do t.)

 

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