Ornitologia
(António
Luís Moita)
Dez
papam lagosta. Trinta, camarão.
Muitos,
alcagoitas. Os demais, tremoço.
A
tudo isto assisto na Associação:
“Esta
teta é minha! Mama tu um osso!”
Passarões,
decerto, na associciência
com
que tomam posse do lugar cativo,
hoje,
à mesa de honra, sábios se congressam,
revirando
os olhos, refinando o bico.
As
araras palram, sacudindo as penas.
Palram
papagaios, frente ao macacal.
Telecoloridos
(como os seus poemas)
vão
rever-se, à noite, no telejornal.
Ei-los
que, ditosos, mútuos se deslumbram
com
saracoteios, com salamaleques,
tanto
os que num pipo de cachimbo fumam
como
as catatuas, por detrás dos leques.
De
repente o espanto de mil sóis deflagra!
Cruzam-se
holofotes. Vê-se (do balcão)
um
peru, no púlpito (ou uma abetarda?)
crepitar
no flash, pronta a promoção.
Junto
ao microfone, funga-lhe na boca,
fumegante,
a fala, foto-fungicida.
Se,
microgravada, não se fizer rouca
por
qualquer defeito no high-fi da fita,
já
meu tetraneto poderá escutá-la,
para
sempre limpa do presente morto,
num
glu-glu de stereo que gluglui na sala,
milagrosamente,
sem um perdigoto.
Do
Luiz quem sabe qual a voz que tinha?
Do
Cesário findo qual a verde voz?
Mas
daquele galo, daquela galinha,
repenicam,
longos, seus cocorocós.
Já
o Tempo o eco dos seus cantos bebe!
Já
seus trinos bebem, sem demora, o Tempo!
Pairam
no futuro, vivos na cassete
da
posteridade, salvos nesse invento!
Entretanto,
à margem, os que pagam quota
buscam-se
nos bolsos, catam os tostões.
Bicam
um tremoço, cascas de alcagoitas.
–
Este o aviário. Estas as gaivotas.
Umas
são gaivinas. Outras, gaviões.
25/1/82
(Cortesia
de Nicolau Saião, com a seguinte nota: Este
poema, inédito, do Autor de “Cidade sem Tempo”, “Rumor”,
“Teoria do Girassol”, fundador e director da revista Árvore com
António Ramos Rosa, José Terra, Luís Amaro e Raul de Carvalho,
foi-me dado em 92, por ocasião da sua participação como convidado
especial no programa radiofónico “Mapa de Viagens”, que eu
realizava, para “Um serão com Cristovam Pavia”.)
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